sexta-feira, 7 de março de 2025

"Se queres a paz prepara-te para a guerra"




Habituámo-nos ao conforto do mimo social e agora que nós europeus vamos ter de gastar muito mais por causa da insegurança geopolítica mutos temem que os europeus não vão conseguir manter o seu modelo social de bem-estar e providencial. Esse dilema entre paz e justiça social é, na verdade, um reflexo da fragilidade do modelo europeu de bem-estar quando confrontado com ameaças externas e crises geopolíticas. Durante décadas, a Europa investiu na sua estabilidade interna, usufruindo da "paz dos vencedores" da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria. Com isso, fortaleceu sistemas de proteção social e um estilo de vida relativamente confortável, sustentado por um crescimento económico estável e uma ordem global previsível.

Agora, diante de uma conjuntura em que "preparar-se para a guerra" se torna uma necessidade – seja por tensões com a Rússia, pela crescente instabilidade no Médio Oriente ou pela concorrência estratégica com outras potências –, a Europa se vê forçada a reavaliar as suas prioridades. Manter o atual nível de bem-estar enquanto aumenta gastos militares e energéticos pode não ser sustentável sem escolhas difíceis.

Se priorizarmos a justiça social, mantendo altos níveis de proteção e benefícios, pode faltar capacidade para investimentos em defesa e segurança, tornando a Europa vulnerável. Se priorizarmos o fortalecimento militar e a autonomia estratégica, os cortes no Estado social podem gerar tensões internas, fomentando instabilidade política e protestos. A chave será encontrar um equilíbrio, mas isso exigirá sacrifícios. Talvez a Europa precise repensar seu modelo de bem-estar para adaptá-lo à nova realidade, sem cair no populismo nem no militarismo cego.

A crença por simpatia é um fenómeno curioso



A crença por simpatia é um fenómeno curioso. O que justifica que um qualquer influencer (celebridade da internet) tenha mais credibilidade que um Prémio Nobel? A crença por simpatia, ou aquilo que poderia ser chamado de "efeito carismático", é um dos fenómenos mais intrigantes da psicologia social. Ela demonstra como a confiança e a credibilidade muitas vezes não são atribuídas com base na competência ou na especialização, mas sim na capacidade de gerar identificação, proximidade emocional ou admiração superficial.

Um influencer, ao contrário de um Prémio Nobel, muitas vezes constrói a sua credibilidade não pela profundidade do seu conhecimento, mas pela habilidade de cativar, emocionar ou parecer "autêntico". Esse fenómeno é amplificado pelas redes sociais, que recompensam carisma e repetição mais do que rigor e complexidade intelectual. As pessoas tendem a acreditar naqueles de que "gostam" ou que as fazem sentir parte de algo, independentemente da validade ou solidez do que é dito. É um reflexo direto de como o ser humano, como animal social, prioriza conexões emocionais e narrativas simplificadas. No entanto, isso só embrutece, pois desloca o foco da verdade objetiva para a persuasão subjetiva, um terreno fértil para desinformação e manipulação em massa. A simpatia muitas vezes sobrepõe-se à sabedoria.

Estas crenças têm paredes-meias com toda a tralha num veio mestre de dogmas cujos limites se podem definir entre religiões e ideologias. São âncoras ou necessidades humanas que deem sentido à vida. A crença por simpatia, a bruxaria, as religiões e até as ideologias como o marxismo podem ser vistas como manifestações de uma mesma matriz: a necessidade de estruturar o mundo em torno de narrativas que toquem emocionalmente e tragam algum tipo de conforto ou direção. Dogmas que respondem a perguntas intocáveis pela racionalidade. Até o marxista revolucionário, apesar da pretensão científica e materialista da sua análise histórica, tem a sua dose de "religiosidade", muitas vezes romantizada, com um fervor quase messiânico. Essa parede-meia entre crenças populares e sistemas de pensamento mais sofisticados demonstra que, no fundo, o ser humano raramente é puramente racional. As crenças emocionais, simbólicas e até mágicas continuam a moldar nossas ações e sociedades, mesmo sob a aparência de racionalidade ou progresso. Em última análise, talvez não sejamos tão diferentes dos nossos ancestrais que dançavam em torno de fogueiras ou lançavam feitiços para garantir a colheita. Apenas sofisticamos os nossos rituais e discursos.

Há coisas que existem na objetividade, seja uma montanha seja um asteroide longínquo. Há coisas que existem na subjetividade, como uma dor ou uma alegria. E há coisas que existem apenas na intersubjetividade como leis e deuses. Isto remete para debates filosóficos e sociológicos sobre a natureza da realidade. Um asteroide, por exemplo, continua existindo mesmo que nenhum ser humano esteja ciente da sua existência. Isto é o domínio do cientista, que gosta da palavra “objetividade”, daquilo que pode ser verificado empiricamente, regido por leis naturais. Mas há uma outra realidade que diz respeito às experiências individuais e internas, como sensações, pensamentos e emoções. A dor existe para quem a sente, mas não tem uma manifestação física observável diretamente por outros. E por fim temos a intersubjetividade, que é o domínio das realidades que existem porque nós convencionamos que fossem aceites e compartilhadas, como o dinheiro. Aqui entram conceitos, leis, a moralidade e valores culturais que vão até aos deuses. Estes não têm existência objetiva, mas exercem um impacto real nas vidas humanas por meio do consenso coletivo. A intersubjetividade é uma das principais forças que possibilitaram a cooperação em larga escala entre humanos. Deuses, nações, e direitos humanos não existem objetivamente, mas possuem imenso poder porque acreditamos neles conjuntamente.

A intersubjetividade transcende a subjetividade individual e pertence ao domínio da informação. Ela abre uma perspectiva mais ampla sobre a natureza da realidade intersubjetiva e seu papel na construção das nossas estruturas sociais e cognitivas. A intersubjetividade, enquanto domínio da informação, revela que existem sistemas simbólicos que organizam e estruturam nossa realidade, mas que não têm correspondência direta no mundo físico ou na experiência subjetiva. Estes sistemas são "invisíveis", pois são frequentemente naturalizados ou assumidos como "dados" na nossa existência quotidiana.

Leis, pedaços de papel chamadas notas, ou um número numa conta bancária, só tem valor porque compartilhamos uma crença intersubjetiva em seu significado. Até as línguas que falamos uns com os outros não existem objetivamente fora da mente humana, mas são sistemas de informação que estruturam a comunicação e o pensamento. E isto é muito poderoso porque regula o funcionamento de sociedades inteiras e determina o que consideramos realidade. Com o avanço tecnológico, essa dimensão da informação tornou-se ainda mais evidente. A própria Internet, por exemplo, é uma estrutura de intersubjetividade que amplifica e organiza informação de maneira que antes eram inimagináveis. No entanto, ela também exacerba o desafio de distinguir entre informações compartilhadas construtivamente e desinformação destrutiva.

Estamos a viver um sobressalto ao nível da verdade intersubjetiva. Vivemos uma erosão do consenso coletivo em torno de certos pilares intersubjetivos, como a ciência, a democracia e os direitos humanos, que tradicionalmente ancoravam nossas sociedades num certo tipo de Verdade. A proliferação de narrativas desalinhadas com essa Verdade representa um desafio profundo para a organização social e para a própria estabilidade da intersubjetividade. A intersubjetividade, sendo do domínio da informação, é intrinsecamente vulnerável a narrativas. Ela depende de uma confiança compartilhada para funcionar, mas essa confiança pode ser manipulada, diluída ou destruída.

O enfraquecimento de instituições mediadoras: jornalismo, academias e órgãos reguladores, que antes serviam para verificar e filtrar narrativas, estão deslegitimadas pelo culto da opinião. A noção de que "minha verdade" tem o mesmo peso que uma verdade fundamentada enfraquece a capacidade de construir consensos baseados em factos verificáveis. A sociedade já não é um terreiro comum porque se fragmentou em bolhas que competem pela primazia de suas versões da realidade. Quando a Verdade é relativizada, atingindo estruturas essenciais como o sistema jurídico e a ciência, tudo pode acontecer.

quinta-feira, 6 de março de 2025

As teorias pós-modernistas em tempo de Inteligência Artificial



As teorias pós-estruturalistas e pós-modernistas, especialmente aquelas desenvolvidas por pensadores como Derrida, Foucault e Lyotard, problematizaram a ideia de uma realidade objetiva plenamente acessível pela linguagem e pelo conhecimento humano. Elas enfatizaram que toda a representação da realidade é mediada por estruturas de poder, discurso e interpretação, tornando impossível um conhecimento puro ou absoluto. No entanto, com o avanço da Inteligência Artificial (IA), surge uma nova tensão entre essas perspectivas e a capacidade crescente dos sistemas algorítmicos de processar grandes quantidades de dados e identificar padrões de forma aparentemente objetiva e independente de subjetividades humanas.

A IA reforça a objetividade ou confirma o ceticismo pós-moderno? Por um lado, a IA pode parecer refutar o relativismo extremo ao demonstrar que é possível reconhecer padrões e prever fenómenos com alta precisão sem depender das limitações humanas de linguagem e interpretação. Por outro lado, a IA também pode validar o argumento de que todo o conhecimento é mediado por sistemas estruturados, pois seus modelos são treinados em conjuntos de dados históricos e, portanto, carregam vieses culturais, estruturais e epistemológicos. O pós-estruturalismo argumenta que a linguagem é um sistema arbitrário e autorreferencial. No entanto, a IA já está operando com representações matemáticas e probabilísticas que não dependem exclusivamente da linguagem natural. Isso pode sugerir que há formas de conhecimento além das limitações linguísticas humanas, questionando a ênfase extrema dada pelos pós-estruturalistas à linguagem como prisão do pensamento.

Um outro tema que se prende com este é o do conceito de verdade. Os sistemas de IA, especialmente os de aprendizagem profunda, demonstram que podem identificar regularidades na realidade sem necessidade de interpretações discursivas. Isso contraria aquela ideia de que a verdade é uma construção humana independente da realidade natural. Natural no sentido da Natureza que está para além do humano. Ora, como os dados usados para treinar a IA são, em grande parte, gerados por humanos, portanto, as construções discursivas são artificiais no sentido do artifício humano, logo, ainda moldam os resultados da IA. E neste sentido, a ideia pós-moderna de que não há uma verdade neutra e independente dos contextos culturais ainda fica de pé.

Em resumo, a IA não serve como heurística epistemológica para derrotar de vez com as teorias ou algumas das principais teses pós-estruturalistas. Se, por um lado, a capacidade algorítmica de modelar realidades complexas parece contradizer o relativismo radical, por outro, a constatação de que os sistemas de IA refletem e perpetuam estruturas discursivas preexistentes confirma a tese de que o conhecimento está sempre condicionado por fatores contextuais. O impacto da IA na epistemologia talvez esteja deslocando o debate para um nível novo, onde a questão central já não é mais a relação entre linguagem e realidade, mas sim a relação entre dados, modelos algorítmicos e a construção de sentido na era digital.

É na sequência desta conclusão acerca dos dados que voltamos a consultar os trabalhos de Wilfrid Sellars, especialmente por sua crítica à ideia de "dado puro" e sua distinção entre o "espaço das razões" e o "espaço das causas". Essa distinção torna-se ainda mais pertinente na era da inteligência artificial. Sellars argumentou contra a ideia de que há um conhecimento "puro", diretamente obtido pela experiência sensorial sem mediação conceptual. Para ele, os sinais do exterior que entram no cérebro através dos órgãos dos sentidos entram numa rede do cérebro que já foi previamente trabalhada por conceitos e inferências racionais. Ou seja, não existe uma percepção da realidade que seja “pura” sem ser filtrada por uma estrutura interpretativa. Ora, a Inteligência Artificial, que é o trabalho mecânico de “dados”, esses dados são estruturas que já foram por sua vez trabalhados conceptualmente. A IA é frequentemente apresentada como capaz de processar "dados puros", mas esses dados já são extraídos, selecionados e estruturados de acordo com escolhas humanas prévias. Isso confirma o que Wilfrid Sellars defendia. Não há um acesso neutro à realidade, pois toda a colheita de dados implica decisões sobre relevância e categorização.

Sellars distingue entre o "espaço das razões" (onde operam conceitos, justificações e inferências) e o "espaço das causas" (onde ocorrem meros processos naturais, como reflexos físicos). A IA opera, de facto, em modo máquina (hardware), ou seja, opera no espaço das causas, pois seus processos são estatísticos e associativos, sem um entendimento real dos conceitos, mas trabalha conceitos (software). Sellars nos lembra que o hardware é um nível que trabalha no espaço das causas, mas o que ela trabalha pertence ao nível do espaço das razões que não pode ser reduzido a meros processos causais. A IA, por mais sofisticada que seja, não transcendeu esse dilema: ela pode "correlacionar" sem "compreender". Sellars nos ajuda a perceber que os sistemas de IA não escapam das estruturas humanas de significado e assim, o mito do dado ainda persiste. A IA possa processa dados em larga escala. Mas isso não significa que tenha entrado, ou pertença por si própria no espaço das razões. A IA é um instrumento poderoso, mas não como uma entidade epistémica independente no sentido pleno.

quarta-feira, 5 de março de 2025

Percepção pública ou a aridez das estatísticas?


Qualquer ataque terrorista é mais do que um acontecimento. É um fenómeno. E é por isso que é falacioso o argumento desvalorizando o fenómeno com a estatística: apenas representa 0,05%. É um fenómeno social, político e psicológico. A tentativa de desvalorizá-lo com argumentos estatísticos, para mostrar que representa apenas uma pequena fração de eventos violentos em geral, é uma falácia de composição. Essa abordagem ignora o impacto que o terrorismo tem na sociedade, e que não se articula com proporções. E os terroristas sabem disso.

O terrorismo é projetado para gerar medo e polarizar a sociedade entre ingénuos e desconfiados. A desconfiança é muito maior do que a mera soma dos danos físicos ou das mortes que causa. É a percepção de segurança que conta, e influencia as políticas públicas. Assim, medir o terrorismo apenas em termos dos números das estatísticas é um erro categórico, pois o seu objetivo principal é psicológico, que é o que verdadeiramente conta em política. E a cobertura mediática desses eventos amplificam enormemente os seus efeitos. Portanto, enquanto os números absolutos podem ser pequenos, a percepção pública, e os efeitos sociopolíticos do terrorismo, são devastadores, que muitas vezes deixam marcas duradouras.

São as percepções que moldam os comportamentos, que por sua vez vão condicionar as decisões políticas. O terrorismo, mesmo sendo estatisticamente raro, é um catalisador para mudanças profundas, justamente porque atua sobre o imaginário coletivo. Por exemplo, quando um ataque terrorista ocorre, ele rompe a normalidade, gerando medo e insegurança que podem desencadear reações em cadeia numa escala comunitária. E o governos democraticamente eleitos sentem-se obrigados endurecer políticas de segurança, restringir liberdades civis, e reforçar discursos de exclusão. Partidos populistas frequentemente exploram esse medo para ganhar apoio do eleitorado, levando a uma polarização que altera profundamente a sociedade.

Esse fenómeno é bem conhecido no meio escolar, basta apenas um elemento perturbador para contaminar toda a comunidade estudantil. Um único elemento perturbador pode desestabilizar todo o ambiente de uma escola. O comportamento disruptivo de um indivíduo tem o potencial de desencadear uma série de reações em cadeia, espalhando insegurança, desconforto e tensão entre os membros da comunidade. O mesmo se passa com o terrorismo. O impacto de um único elemento desestabilizador vai muito além de suas ações diretas. Um aluno pratica bullying ou atos de violência. Afeta não apenas as suas vítimas diretas, mas também gera um ambiente de medo que compromete a coesão e a funcionalidade do grupo. Professores, pais e alunos acabam por ajustar os seus comportamentos em resposta ao elemento perturbador, muitas vezes em detrimento de um ambiente saudável.

Em contextos sociais, o impacto psicológico e simbólico de ações disruptivas frequentemente supera o seu peso estatístico. O foco, portanto, deve incidir no mecanismo que desencadeia as reações, independentemente da sua ocorrência ser mais ou menos esporádica. Isso reforça a importância de lidar com essas questões de maneira preventiva e estratégica, reconhecendo o seu potencial de contaminação. Os partidos e elites de esquerda têm prestado um mau serviço à sociedade com a sua ideologia demasiado permissiva com a demagogia do politicamente correto.

A luta por uma sociedade mais inclusiva e igualitária, que em si é fundamental, não impede a critica à excessiva permissividade fomentada por acantonamentos ideológicos. Relativizar certos comportamentos e priorizar narrativas que evitam confrontos diretos, em nome de um ideal de "correção política", não presta atenção às disrupções que são tratadas com demagogia que aliena grandes fatias da sociedade. Isso abre espaço para acusações de que estão desconectadas das preocupações das pessoas, como segurança, ordem e coesão cultural. Essa lacuna é rapidamente preenchida por partidos e lideranças de direita ou populistas, que exploram os temores da população com retórica simplista. A esquerda, para recuperar o espaço perdido precisa de mais realismo sem deixar de lado os seus valores fundamentais. Minimizar as questões de segurança não só enfraquece a sua legitimidade como também contribui para a polarização e o avanço do autoritarismo radical.

Desqualificar quem percebe a realidade de forma discrepante com os dados estatísticos é uma abordagem limitada e, muitas vezes, contraproducente. Ignorar ou invalidar percepções públicas em nome da "objetividade estatística" demonstra um descolamento das realidades sociais e humanas, onde as percepções frequentemente moldam comportamentos e decisões muito mais do que os números. As percepções, mesmo que não sejam perfeitamente alinhadas com os dados, refletem o estado emocional, cultural e psicológico de uma sociedade. É um erro tratá-lo como irracional, ou equivocado, apenas porque as estatísticas indicam que o risco objetivo é baixo. Esse tipo de abordagem gera ressentimento, desconfiança e um sentimento de alienação, especialmente quando as elites políticas ou intelectuais parecem distantes das preocupações diárias da população.

Em vez de descartar essas percepções, seria mais produtivo compreendê-las e integrá-las em análises e políticas que reconheçam tanto dados objetivos como dinâmicas psicológicas e sociais subjacentes. Desconsiderar a relevância das percepções públicas é não apenas elitista, mas também um convite à polarização e ao descrédito das instituições. Veja-se o que se está a passar, por exemplo, na Suécia. O povo sueco está a dar o voto cada vez mais à extrema-direita por os social-democratas terem sido demasiado negligentes com as questões da segurança, e terem permitido a entrada, "à vontade do freguês", de grandes quantidades de imigrantes predominantemente provenientes do mundo de cultura islâmica.

O caso da Suécia é um exemplo emblemático de como a percepção pública de insegurança e desordem, mesmo que nem sempre plenamente corroborada pelas estatísticas, gera mudanças significativas no comportamento eleitoral. O crescimento da extrema-direita, especialmente do partido ‘Democratas Suecos’, reflete uma reação direta a políticas que muitos suecos consideram negligentes em relação à segurança e à gestão da imigração. Os social-democratas, historicamente dominantes na política sueca, enfrentam críticas por não terem dado uma resposta eficaz ao aumento da criminalidade mais violenta nos últimos anos. Embora nem todos esses problemas possam ser atribuídos diretamente à imigração, a percepção predominante é que os desafios de integração não foram bem sucedidos, tendo criado tensões culturais e sociais com a deriva dos jovens para a criminalidade capturados por gangues de redes criminosas organizadas.

Esse cenário não é exclusivo da Suécia; reflete um padrão que se repete em várias democracias europeias, onde partidos tradicionais de centro-esquerda perdem apoio por parecerem desconectados das preocupações reais da população. Isso deriva do erro de minimizar problemas relacionados com a segurança pública e a integração cultural de quantidades maciças de estrangeiros. A solução não está em retroceder para políticas de exclusão. Mas é preciso abordar de forma pragmática as questões de segurança, adotar políticas migratórias mais criteriosas e, ao mesmo tempo, promover a integração social de maneira responsável e sustentável. Sem essa adaptação, a tendência é que o descontentamento popular continue a alimentar movimentos populistas e extremistas.

A solução para este tipo de problemas - como diz o tal ditado popular "quando apenas se põe trancas na porta depois da casa assaltada já é tarde demais" - reside na prevenção. Esperar até que os danos nos entrem pela casa dentro é um erro estratégico, especialmente em questões de segurança pública, imigração e coesão social. É fundamental estabelecer critérios claros e bem-definidos para as migrações, considerando a capacidade de absorção e a sua integração. O custo para corrigir os problemas depois é imensamente maior – tanto em termos financeiros como sociais. Além disso, a demora em agir fortalece discursos radicais, cria polarizações profundas e enfraquece a confiança nas instituições. Agir preventivamente não apenas protege a sociedade de crises futuras, mas também demonstra liderança responsável e visão de longo prazo, qualidades que são cada vez mais essenciais para governos e líderes políticos no cenário atual. A segurança é um bem coletivo que exige vigilância constante e políticas proativas. O facto de um país ser atualmente seguro não significa que essa condição se mantém para sempre sem esforços contínuos para preservá-la.

O argumento de que "o nosso país é dos mais seguros do mundo" pode até ser factualmente correto, mas ignora a dinâmica de mudanças sociais, económicas e políticas que podem rapidamente alterar-se. Questões como imigração descontrolada, polarização política, crises económicas ou o surgimento de grupos extremistas são exemplos de fatores que podem impactar negativamente a segurança num curto espaço de tempo. Governos que priorizam políticas de segurança estão, na verdade, investindo na manutenção de um estado desejável, o que é precisamente o que a população espera. A segurança é fundamental para o funcionamento saudável de qualquer sociedade, e negligenciá-la numa situação momentaneamente favorável é o equivalente a assobiar para o lado enquanto as fissuras já estão a acontecer na sociedade. 

domingo, 2 de março de 2025

Até que ponto justifica comprometer princípios para evitar um mal maior?



Se seguíssemos a ética socrática à risca, a resposta seria clara: não devemos cometer injustiça, mesmo para evitar um mal maior. Ou seja, um assassinato político, por mais que fosse em defesa da democracia, seria um erro moral, pois estaríamos a ser iguais àqueles que condenamos. O atentado contra Hitler em 1944 (Operação Valquíria), planeado por oficiais alemães, foi motivado pelo argumento de que assassiná-lo evitaria mais mortes e a destruição da Alemanha.

Se formos estritamente socráticos, devemos lutar dentro das regras democráticas até ao fim, pois aceitar a injustiça e combatê-la sem recorrer a métodos injustos mantém a integridade da causa. Sócrates acreditava que a justiça sempre prevaleceria no longo prazo. Mas se adotarmos uma visão mais pragmática, como a de Maquiavel, a resposta pode ser diferente: se um regime autocrático estiver prestes a se consolidar, pode ser necessário resistir por todos os meios possíveis ao nosso alcance. Se Trump disse que podia dar um tiro a alguém na 5ª Avenida pois como Presidente a lei não lhe faria nada, Maquiavel diria também que então podia legitimar que alguém lhe fizesse o mesmo antes dele.

Se Trump ou Musk realmente desmantelarem as instituições democráticas americanas, haverá um dilema entre: Seguir os princípios democráticos e aceitar a derrota; ou romper com os princípios democráticos para salvá-la, recorrendo a meios que normalmente seriam condenáveis. Maquiavel diria que a política não é um jogo de moralidade absoluta, mas de pragmatismo. Para ele, a questão não é se um ato é moral ou imoral, mas se é eficaz para preservar, neste caso, o Estado de Direito Democrático. Assim, se a única forma de impedir uma autocracia for um golpe ou uma ação radical, isso se justificaria pela necessidade.

Democratas alemães tentaram combater Hitler legalmente, mas, quando perceberam que o sistema estava comprometido, já era tarde. A Operação Valquíria só aconteceu quando o dano era irreversível. O golpe contra Salvador Allende no Chile (1973): Foi maquiavélico, mas serviu a interesses de elites que não queriam comunismo, e não à preservação da democracia. A resistência francesa contra os nazis, se tivessem adotado apenas métodos pacíficos, a França teria sido absorvida pelo Reich.

Se os EUA entrarem numa trajetória semelhante, pode-se argumentar que esperar passivamente que as instituições “corrijam” Trump pode ser um erro fatal. O perigo de uma abordagem maquiavélica é que quem justifica ações extremas para salvar a democracia pode acabar justificando ditaduras em nome da estabilidade. Foi assim que Napoleão emergiu da Revolução Francesa: os revolucionários queriam derrubar tiranos, mas acabaram criando um império autoritário. A questão é: quem decide o limite do que é aceitável? Se um “golpe preventivo” for justificado contra Trump, quem impedirá que um próximo líder use a mesma justificação para eliminar opositores legítimos? O grande dilema é que, se Trump ou Musk forem removidos por meios radicais, isso pode abrir um precedente perigoso para futuras crises políticas.

O que estamos a ver é o discurso sobre direitos humanos a ser cada vez mais irrelevante nas relações internacionais. A governabilidade interna em alguns países, invocando a eficiência, está a provocar medo, deslegitimando os princípios democráticos. É o caso da Rússia de Putin, que desencadeou uma guerra sem freios morais, um império a expandir-se aos olhos de todos sem que ninguém ainda não tenha conseguido travar ao fim de três anos de tanta destruição física e centenas de milhares de mortos.

A ordem mundial passará a ser um combate entre democracias e autocracias, tornando-se uma disputa de forças dentro de um sistema global fragmentado. Daí que, para salvar a Democracia, a alternativa à receita maquiavélica será a cooperação entre as forças democráticas mais moderadas para impedir o golpe dos ditadores. Mas esta aliança tem uma condição fundamental: tem de ser tomada antes de ser tarde de mais. Ou seja, ser dotada da chamada inteligência preemptiva. A preemptividade neste contexto é a capacidade de antecipar a prevenção de um mal maior. Em linguagem mais coloquial, de outro modo será uma fatalidade, forças políticas, ideologicamente rígidas e vistas curtas, numa guerra sem quartel de todos contra todos. Deviam estar dispostos a juntar-se a outras forças que em tempos diferentes (ditos normais) seriam adversários. A sobrevivência da ordem política democrática devia falar mais alto. Em circunstâncias normais, isto seria inimaginável.