De uma forma ínvia trouxemos o barco para esta tempestade e agora só nos resta correr atrás do prejuízo. Como se costuma dizer, correrá quem tiver pernas; ou tocará guitarra quem tiver unhas. A Europa passou décadas confiando numa ordem global relativamente estável, dependente da proteção americana e do comércio sem grandes sobressaltos. Agora, com a geopolítica em convulsão, não há outra opção senão enfrentar a tempestade – e aqueles que tiverem visão estratégica e capacidade de adaptação terão mais possibilidades de sair menos prejudicados. A grande questão é: há ainda líderes europeus com “pernas para correr” e “unhas para tocar guitarra”? Ou a Europa está tão enfraquecida pela complacência e pelo excesso de burocracia que não conseguirá reagir à altura?
Que remédio! Para grandes males grandes remédios. Pois é, quando a tempestade já chegou, não adianta lamentar, é preciso agir. O problema é que os "grandes remédios" costumam ser amargos. Se a Europa quiser manter alguma relevância global e evitar um declínio acelerado, terá de tomar decisões difíceis, seja em termos de defesa, energia, reindustrialização e controle migratório. Tudo isso exigirá cortes, sacrifícios e, acima de tudo, coragem política. Os europeus vão aceitar os sacrifícios necessários, ou continuarão agarrados à ilusão de que podem manter o conforto do passado sem pagar o preço da nova realidade? Se os europeus não aceitarem sacrifícios em democracia vão ter de engolir à força novamente as ditaduras. É que em ditadura não há mé nem meio mé.
A História ensina que quando as democracias não conseguem tomar decisões difíceis de forma ordenada, as crises acabam por abrir espaço para soluções autoritárias. Foi assim nos anos 30, quando o caos económico e social facilitou a ascensão de regimes totalitários na Europa. O perigo é que, se os europeus não estiverem dispostos a aceitar sacrifícios dentro das regras democráticas, acabarão por ser forçados a engoli-los de outra maneira — e ditaduras não costumam perguntar a opinião do povo. O desafio agora é saber se a Europa ainda tem liderança e coesão suficientes para evitar esse desfecho.
O avanço dos populismos e dos extremismos, à direita e à esquerda, mostra que os eleitores já estão a reagir ao sentimento de declínio e insegurança. Na Europa, vemos partidos antissistema ganhando força, seja pela revolta contra a imigração, pela crise económica ou pelo desgaste das elites políticas tradicionais. Nos EUA, o regresso de Trump sinaliza que o eleitorado americano também perdeu a paciência com a classe política tradicional. Esses resultados eleitorais são os prolegómenos de algo maior: uma transição de ciclo histórico. O problema é que ainda não sabemos qual será o desfecho. Será uma recomposição democrática, com novos equilíbrios? Ou um mergulho num autoritarismo à moda antiga, onde as decisões serão impostas à força? A História sugere que períodos como este raramente terminam sem algum tipo de choque.
Se o padrão histórico se repetir, a Europa passará décadas
como um joguete nas mãos das novas potências, tal como aconteceu após a queda
de Roma, quando sucessivas forças externas e internas fragmentaram a ordem
europeia. O declínio é sempre um processo lento e sofrido, e os europeus
parecem demasiado acomodados para evitar o pior. Por conseguinte, a resposta
não é fácil, e a incerteza é imensa. Se a Europa conseguir manter alguma coesão
interna e se livrar das amarras da burocracia e da falta de visão estratégica,
pode ainda encontrar um caminho para se reerguer, embora isso dependa de uma
verdadeira revolução nas suas estruturas políticas e sociais. Será necessário
um renascimento da liderança europeia, capaz de tomar decisões difíceis, e uma
forte integração das suas potências, caso contrário, será mais um capítulo de
declínio lento e doloroso.
A História, se olharmos para ela de maneira ampla, é marcada
por ciclos de ascensão, declínio e, muitas vezes, de violência. Embora muitas
sociedades tenham procurado resolver seus conflitos de forma diplomática, as
guerras nunca cessaram completamente. Elas têm raízes profundas, não apenas nas
disputas territoriais, mas também em questões de identidade, poder e recursos.
Quando olhamos para o panorama global atual, vemos que as guerras não
desapareceram, mas mudaram de forma. As guerras hoje podem não ter o mesmo
formato das guerras mundiais, mas são assimetrias de poder, conflitos de
interesses económicos, disputas ideológicas e lutas geopolíticas travadas com
armas, mas também com sanções, cyber ataques, desinformação e pressões económicas.
A guerra híbrida, que mistura táticas tradicionais com novas formas de
conflito, está cada vez mais presente, e o medo de um grande conflito mundial
permanece, especialmente com a escalada da tensão entre grandes potências.
O risco de um cataclismo nuclear, se vier, não virá de uma intenção deliberada, mas sim de uma falha humana, um erro de cálculo ou de comunicação, ou ainda de uma escalada incontrolável entre potências nucleares. A natureza imprevisível dos sistemas de armas nucleares, aliados à tensão geopolítica atual, torna esse cenário uma possibilidade tangível, embora não desejada por nenhuma das partes envolvidas. A História das crises nucleares, como a Crise dos Mísseis de Cuba ou os vários incidentes de quase guerra nuclear (como o caso do sistema soviético de alerta falso), demonstram como o equilíbrio foi, por vezes, frágil. A questão é que o armamento nuclear, por mais que seja visto como um fator de dissuasão, também é uma Espada de Dâmocles sobre a cabeça de toda a humanidade. O poder de destruição está nas mãos de seres falíveis, e qualquer erro pode ser catastrófico.
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