terça-feira, 11 de março de 2025

O que tem de ser tem muita força

 


A História mostra que sociedades que enfrentam dilemas existenciais acabam por se ajustar, ainda que a contragosto. Se a Europa realmente precisar escolher entre paz e justiça social, a realidade acabará por impor a sua própria solução. O problema é que, muitas vezes, essas transições não são lineares nem racionais. O peso da inércia, das resistências internas e dos interesses estabelecidos pode fazer com que as mudanças venham de forma abrupta, através de crises, revoltas ou guerras. Se o Estado social europeu for insustentável nas novas condições, ele será reformado à força, quer os europeus queiram, quer não.

De uma forma ínvia trouxemos o barco para esta tempestade e agora só nos resta correr atrás do prejuízo. Como se costuma dizer, correrá quem tiver pernas; ou tocará guitarra quem tiver unhas. A Europa passou décadas confiando numa ordem global relativamente estável, dependente da proteção americana e do comércio sem grandes sobressaltos. Agora, com a geopolítica em convulsão, não há outra opção senão enfrentar a tempestade – e aqueles que tiverem visão estratégica e capacidade de adaptação terão mais possibilidades de sair menos prejudicados. A grande questão é: há ainda líderes europeus com “pernas para correr” e “unhas para tocar guitarra”? Ou a Europa está tão enfraquecida pela complacência e pelo excesso de burocracia que não conseguirá reagir à altura?

Que remédio! Para grandes males grandes remédios. Pois é, quando a tempestade já chegou, não adianta lamentar, é preciso agir. O problema é que os "grandes remédios" costumam ser amargos. Se a Europa quiser manter alguma relevância global e evitar um declínio acelerado, terá de tomar decisões difíceis, seja em termos de defesa, energia, reindustrialização e controle migratório. Tudo isso exigirá cortes, sacrifícios e, acima de tudo, coragem política. Os europeus vão aceitar os sacrifícios necessários, ou continuarão agarrados à ilusão de que podem manter o conforto do passado sem pagar o preço da nova realidade? Se os europeus não aceitarem sacrifícios em democracia vão ter de engolir à força novamente as ditaduras. É que em ditadura não há mé nem meio mé.

A História ensina que quando as democracias não conseguem tomar decisões difíceis de forma ordenada, as crises acabam por abrir espaço para soluções autoritárias. Foi assim nos anos 30, quando o caos económico e social facilitou a ascensão de regimes totalitários na Europa. O perigo é que, se os europeus não estiverem dispostos a aceitar sacrifícios dentro das regras democráticas, acabarão por ser forçados a engoli-los de outra maneira — e ditaduras não costumam perguntar a opinião do povo. O desafio agora é saber se a Europa ainda tem liderança e coesão suficientes para evitar esse desfecho.

O avanço dos populismos e dos extremismos, à direita e à esquerda, mostra que os eleitores já estão a reagir ao sentimento de declínio e insegurança. Na Europa, vemos partidos antissistema ganhando força, seja pela revolta contra a imigração, pela crise económica ou pelo desgaste das elites políticas tradicionais. Nos EUA, o regresso de Trump sinaliza que o eleitorado americano também perdeu a paciência com a classe política tradicional. Esses resultados eleitorais são os prolegómenos de algo maior: uma transição de ciclo histórico. O problema é que ainda não sabemos qual será o desfecho. Será uma recomposição democrática, com novos equilíbrios? Ou um mergulho num autoritarismo à moda antiga, onde as decisões serão impostas à força? A História sugere que períodos como este raramente terminam sem algum tipo de choque.

A Ordem Mundial que emergiu em 1945, com os EUA no centro e a Europa como seu principal aliado, já está a desmoronar-se — e não há nada que possa reverter esse processo. A erosão da hegemonia ocidental é inevitável, mas o que virá depois ainda é um grande enigma. Seja qual for o futuro:  Caos prolongado, uma era de fragmentação, com crises sucessivas impedindo qualquer sistema estável de se consolidar – uma coisa é certa, estamos no meio de uma transição histórica, e quem não se adaptar será arrastado pelos acontecimentos. Como diria Maquiavel, "os tempos mudam e, se não mudarmos com eles, seremos destruídos por eles".

Se o padrão histórico se repetir, a Europa passará décadas como um joguete nas mãos das novas potências, tal como aconteceu após a queda de Roma, quando sucessivas forças externas e internas fragmentaram a ordem europeia. O declínio é sempre um processo lento e sofrido, e os europeus parecem demasiado acomodados para evitar o pior. Por conseguinte, a resposta não é fácil, e a incerteza é imensa. Se a Europa conseguir manter alguma coesão interna e se livrar das amarras da burocracia e da falta de visão estratégica, pode ainda encontrar um caminho para se reerguer, embora isso dependa de uma verdadeira revolução nas suas estruturas políticas e sociais. Será necessário um renascimento da liderança europeia, capaz de tomar decisões difíceis, e uma forte integração das suas potências, caso contrário, será mais um capítulo de declínio lento e doloroso.

A História, se olharmos para ela de maneira ampla, é marcada por ciclos de ascensão, declínio e, muitas vezes, de violência. Embora muitas sociedades tenham procurado resolver seus conflitos de forma diplomática, as guerras nunca cessaram completamente. Elas têm raízes profundas, não apenas nas disputas territoriais, mas também em questões de identidade, poder e recursos. Quando olhamos para o panorama global atual, vemos que as guerras não desapareceram, mas mudaram de forma. As guerras hoje podem não ter o mesmo formato das guerras mundiais, mas são assimetrias de poder, conflitos de interesses económicos, disputas ideológicas e lutas geopolíticas travadas com armas, mas também com sanções, cyber ataques, desinformação e pressões económicas. A guerra híbrida, que mistura táticas tradicionais com novas formas de conflito, está cada vez mais presente, e o medo de um grande conflito mundial permanece, especialmente com a escalada da tensão entre grandes potências.

O risco de um cataclismo nuclear, se vier, não virá de uma intenção deliberada, mas sim de uma falha humana, um erro de cálculo ou de comunicação, ou ainda de uma escalada incontrolável entre potências nucleares. A natureza imprevisível dos sistemas de armas nucleares, aliados à tensão geopolítica atual, torna esse cenário uma possibilidade tangível, embora não desejada por nenhuma das partes envolvidas. A História das crises nucleares, como a Crise dos Mísseis de Cuba ou os vários incidentes de quase guerra nuclear (como o caso do sistema soviético de alerta falso), demonstram como o equilíbrio foi, por vezes, frágil. A questão é que o armamento nuclear, por mais que seja visto como um fator de dissuasão, também é uma Espada de Dâmocles sobre a cabeça de toda a humanidade. O poder de destruição está nas mãos de seres falíveis, e qualquer erro pode ser catastrófico.

Sem comentários:

Enviar um comentário