domingo, 2 de março de 2025
Até que ponto justifica comprometer princípios para evitar um mal maior?
Se seguíssemos a ética socrática à risca, a resposta seria clara: não devemos cometer injustiça, mesmo para evitar um mal maior. Ou seja, um assassinato político, por mais que fosse em defesa da democracia, seria um erro moral, pois estaríamos a ser iguais àqueles que condenamos. O atentado contra Hitler em 1944 (Operação Valquíria), planeado por oficiais alemães, foi motivado pelo argumento de que assassiná-lo evitaria mais mortes e a destruição da Alemanha.
Se formos estritamente socráticos, devemos lutar dentro das regras democráticas até ao fim, pois aceitar a injustiça e combatê-la sem recorrer a métodos injustos mantém a integridade da causa. Sócrates acreditava que a justiça sempre prevaleceria no longo prazo. Mas se adotarmos uma visão mais pragmática, como a de Maquiavel, a resposta pode ser diferente: se um regime autocrático estiver prestes a se consolidar, pode ser necessário resistir por todos os meios possíveis ao nosso alcance. Se Trump disse que podia dar um tiro a alguém na 5ª Avenida pois como Presidente a lei não lhe faria nada, Maquiavel diria também que então podia legitimar que alguém lhe fizesse o mesmo antes dele.
Se Trump ou Musk realmente desmantelarem as instituições democráticas americanas, haverá um dilema entre: Seguir os princípios democráticos e aceitar a derrota; ou romper com os princípios democráticos para salvá-la, recorrendo a meios que normalmente seriam condenáveis. Maquiavel diria que a política não é um jogo de moralidade absoluta, mas de pragmatismo. Para ele, a questão não é se um ato é moral ou imoral, mas se é eficaz para preservar, neste caso, o Estado de Direito Democrático. Assim, se a única forma de impedir uma autocracia for um golpe ou uma ação radical, isso se justificaria pela necessidade.
Democratas alemães tentaram combater Hitler legalmente, mas, quando perceberam que o sistema estava comprometido, já era tarde. A Operação Valquíria só aconteceu quando o dano era irreversível. O golpe contra Salvador Allende no Chile (1973): Foi maquiavélico, mas serviu a interesses de elites que não queriam comunismo, e não à preservação da democracia. A resistência francesa contra os nazis, se tivessem adotado apenas métodos pacíficos, a França teria sido absorvida pelo Reich.
Se os EUA entrarem numa trajetória semelhante, pode-se argumentar que esperar passivamente que as instituições “corrijam” Trump pode ser um erro fatal. O perigo de uma abordagem maquiavélica é que quem justifica ações extremas para salvar a democracia pode acabar justificando ditaduras em nome da estabilidade. Foi assim que Napoleão emergiu da Revolução Francesa: os revolucionários queriam derrubar tiranos, mas acabaram criando um império autoritário. A questão é: quem decide o limite do que é aceitável? Se um “golpe preventivo” for justificado contra Trump, quem impedirá que um próximo líder use a mesma justificação para eliminar opositores legítimos? O grande dilema é que, se Trump ou Musk forem removidos por meios radicais, isso pode abrir um precedente perigoso para futuras crises políticas.
O que estamos a ver é o discurso sobre direitos humanos a ser cada vez mais irrelevante nas relações internacionais. A governabilidade interna em alguns países, invocando a eficiência, está a provocar medo, deslegitimando os princípios democráticos. É o caso da Rússia de Putin, que desencadeou uma guerra sem freios morais, um império a expandir-se aos olhos de todos sem que ninguém ainda não tenha conseguido travar ao fim de três anos de tanta destruição física e centenas de milhares de mortos.
A ordem mundial passará a ser um combate entre democracias e autocracias, tornando-se uma disputa de forças dentro de um sistema global fragmentado. Daí que, para salvar a Democracia, a alternativa à receita maquiavélica será a cooperação entre as forças democráticas mais moderadas para impedir o golpe dos ditadores. Mas esta aliança tem uma condição fundamental: tem de ser tomada antes de ser tarde de mais. Ou seja, ser dotada da chamada inteligência preemptiva. A preemptividade neste contexto é a capacidade de antecipar a prevenção de um mal maior. Em linguagem mais coloquial, de outro modo será uma fatalidade, forças políticas, ideologicamente rígidas e vistas curtas, numa guerra sem quartel de todos contra todos. Deviam estar dispostos a juntar-se a outras forças que em tempos diferentes (ditos normais) seriam adversários. A sobrevivência da ordem política democrática devia falar mais alto. Em circunstâncias normais, isto seria inimaginável.
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