Hoje fala-se muito em desinformação e do malefício das redes sociais. Mas na verdade, desde que há informação escrita, desinformação sempre existiu, pelo menos desde os Sumérios. Desde que os seres humanos começaram a fazer registos escritos - como foi o caso dos Sumérios há mais de 5.000 anos - a manipulação e distorção da informação sempre foi usada como um instrumento de poder. Civilizações passadas frequentemente usavam inscrições para glorificar governantes e divindades, em que qualquer facto que fosse inconveniente era omitido. Por exemplo, os reis mesopotâmicos registavam as suas vitórias militares nas estelas, mas raramente mencionavam as derrotas. Os faraós eliminavam os nomes de governantes anteriores que desejavam apagar da história, como aconteceu com Hatshepsut, cujo nome foi deliberadamente raspado de monumentos.
Há várias evidências que os Romanos manipulavam em abundância a informação. Muitos autores escreviam para agradar ao imperador ou justificar as suas políticas. O conceito de "damnatio memoriae" também eliminava da história figuras consideradas indesejadas. A Idade Média viu o controlo rigoroso do conhecimento por parte da Igreja Romana, em que textos heréticos eram queimados. Os clérigos eram a elite letrada, o que lhes garantia o monopólio da informação. Mesmo depois da invenção da imprensa por Gutenberg no século XV, que levou muito mais longe e em maior escala o conteúdo dos textos escritos e copiados à mão pelos monges nos conventos, ainda assim os católicos conseguiram controlar as edições impressas por mais algum tempo, com a instituição do Index, que listava os livros proibidos e que eram apreendidos. Daí que a desinformação continuava a circular sob a forma de boatos, e pasquins panfletários, que inflamavam o debate político e religioso.
O que as redes sociais desta nova era digital fizeram foi democratizar a disseminação de informação, retirando das elites parte do controlo. Isso ampliou a velocidade e o alcance da desinformação, mas a essência permanece a mesma: o uso da comunicação para influenciar, manipular e enganar. O desafio contemporâneo é lidar com essa escala sem precedentes, onde cada indivíduo pode ser ao mesmo tempo consumidor e propagador de notícias falsas. A questão da velocidade da informação é central para entender o impacto da desinformação na era digital. Vivemos na era da internet e as redes sociais criaram um ambiente onde qualquer pessoa pode compartilhar conteúdo instantaneamente com milhões de outras. Essa aceleração tem consequências profundas. A tecnologia da inteligência artificial geradora de deepfakes - texto, imagem vídeo e som artificiais - torna ainda mais difícil distinguir o real do fabricado. O verdadeiro e o falso tornaram-se praticamente indistinguíveis. A manipulação digital consegue enganar até os mais céticos.
Se a história serve de guia, veja-se o caso de Bento de Núrsia, uma espécie de avatar da queda do Império Romano do Ocidente com sua civilização. Primeiro meteu-se numa gruta para se isolar do mundo. Ele viveu no século VI, um período em que o Império Romano do Ocidente já havia caído há algum tempo, e a Europa ainda estava mergulhada no caos, com invasões bárbaras, declínio económico e colapso das instituições. Sua decisão de retirar-se para uma gruta em Subiaco foi, paradoxalmente, um ato profundamente transformador. Bento retirou-se para uma vida de contemplação, mas a sua experiência, apesar de isolamento, acabou na fundação de uma comunidade monástica que se espalhou por quase toda a Europa Ocidental. Chegou ao ponto d instituir uma regra - Regra de São Bento - que depois foi adotada por todas as ordens monásticas que se lhe seguiram. Era baseada na oração, no trabalho, e na disciplina - a espinha dorsal do monasticismo ocidental.
Os mosteiros beneditinos, ao longo da Idade Média, tornaram-se verdadeiros guardiões da civilização. Preservaram manuscritos gregos e romanos, mantendo vivo o legado cultural e intelectual do mundo antigo num período de grande fragmentação e ignorância. Mosteiros fundados sob a Regra de São Bento disseminaram não apenas a doutrina de Cristo, mas também todo um saber já registado por escrito que abrangia tanto técnicas agrícolas, como os filósofos clássicos, bem como saberes científicos. A Ordem de São Bento, com as abadias e conventos, tornou-se um pilar da sociedade europeia que se prolongou por muitos séculos. Mesmo hoje, a Basílica de Monte Cassino, reconstruída após a destruição na Segunda Guerra Mundial, permanece como um poderoso símbolo de reconstrução e resistência cultural.
Grandes civilizações, mesmo em seu declínio, podem deixar sementes de renovação. Estes exemplos de reflexão podem ser interpretados como os repositórios de sementes civilizacionais em tempos de crise. Veja-se também o caso da rede social dos Templários, um quase subproduto das Cruzadas, e o que isso veio a dar. Um exemplo impressionante de como uma organização pode surgir em tempos tumultuosos e deixar um legado que transcende o seu próprio tempo. Embora os Templários sejam frequentemente associados às Cruzadas, a Ordem do Templo tornou-se muito mais do que um braço militar e religioso. Veio a tornar-se uma colossal rede financeira, política e social, que ainda ecoa nos dias de hoje.
Se a história serve de guia, veja-se o caso de Bento de Núrsia, uma espécie de avatar da queda do Império Romano do Ocidente com sua civilização. Primeiro meteu-se numa gruta para se isolar do mundo. Ele viveu no século VI, um período em que o Império Romano do Ocidente já havia caído há algum tempo, e a Europa ainda estava mergulhada no caos, com invasões bárbaras, declínio económico e colapso das instituições. Sua decisão de retirar-se para uma gruta em Subiaco foi, paradoxalmente, um ato profundamente transformador. Bento retirou-se para uma vida de contemplação, mas a sua experiência, apesar de isolamento, acabou na fundação de uma comunidade monástica que se espalhou por quase toda a Europa Ocidental. Chegou ao ponto d instituir uma regra - Regra de São Bento - que depois foi adotada por todas as ordens monásticas que se lhe seguiram. Era baseada na oração, no trabalho, e na disciplina - a espinha dorsal do monasticismo ocidental.
Os mosteiros beneditinos, ao longo da Idade Média, tornaram-se verdadeiros guardiões da civilização. Preservaram manuscritos gregos e romanos, mantendo vivo o legado cultural e intelectual do mundo antigo num período de grande fragmentação e ignorância. Mosteiros fundados sob a Regra de São Bento disseminaram não apenas a doutrina de Cristo, mas também todo um saber já registado por escrito que abrangia tanto técnicas agrícolas, como os filósofos clássicos, bem como saberes científicos. A Ordem de São Bento, com as abadias e conventos, tornou-se um pilar da sociedade europeia que se prolongou por muitos séculos. Mesmo hoje, a Basílica de Monte Cassino, reconstruída após a destruição na Segunda Guerra Mundial, permanece como um poderoso símbolo de reconstrução e resistência cultural.
Grandes civilizações, mesmo em seu declínio, podem deixar sementes de renovação. Estes exemplos de reflexão podem ser interpretados como os repositórios de sementes civilizacionais em tempos de crise. Veja-se também o caso da rede social dos Templários, um quase subproduto das Cruzadas, e o que isso veio a dar. Um exemplo impressionante de como uma organização pode surgir em tempos tumultuosos e deixar um legado que transcende o seu próprio tempo. Embora os Templários sejam frequentemente associados às Cruzadas, a Ordem do Templo tornou-se muito mais do que um braço militar e religioso. Veio a tornar-se uma colossal rede financeira, política e social, que ainda ecoa nos dias de hoje.
Os Templários criaram uma infraestrutura impressionante, incluindo fortalezas, rotas seguras e uma rede de comunicação entre a Europa e o Oriente. Atuaram como banqueiros internacionais, criando um sistema de depósitos e transferências que é considerado um precursor dos modernos bancos. Um peregrino podia depositar dinheiro num ponto da Europa e sacá-lo na Terra Santa. Essa rede funcionava como uma "internet medieval", permitindo que informações e recursos fluíssem entre regiões distantes. Ao longo do tempo, os Templários acumularam riqueza, terras e influência política, tornando-se mais do que uma ordem militar. Sua rede os tornou indispensáveis para monarcas, mas também os transformou em alvo de inveja e suspeita.
No início do século XIV, a ordem foi abruptamente suprimida pelo rei Filipe IV da França e pelo Papa Clemente V. Acusações de heresia e práticas ocultas foram usadas como pretexto, mas a motivação principal era financeira e política. Apesar da sua queda, os Templários deixaram um legado duradouro. Sua estrutura de organização, práticas financeiras e mística influenciaram desde bancos modernos até sociedades secretas como a Maçonaria. Assim como as redes sociais de hoje conectam pessoas globalmente, os Templários criaram um sistema que transcendia fronteiras e consolidava poder. Tal como os donos das plataformas - Zuckerberg ou Musk - os Templários enfrentaram acusações de centralizar poder e riqueza, provocando reações negativas. As redes sociais contemporâneas moldam a cultura e a política global, assim como os Templários influenciaram a política e a economia medieval.
O exemplo dos Templários mostra que estruturas criadas em resposta a necessidades específicas - a proteção de peregrinos entre Lindisfarne e Jerusalém - podem evoluir para algo muito maior, redefinindo sociedades inteiras. Quanto maior o poder acumulado, maior a vulnerabilidade a reações adversas, especialmente em contextos de crise. As redes sociais modernas podem estar trilhando um caminho semelhante, com consequências ainda imprevisíveis.
O que é curioso é o facto dos seus herdeiros em Portugal, os da Ordem de Cristo, terem sido os precursores de uma outra rede comercial da pimenta, canela e cravinho, também denominada: era dos Descobrimentos. Quando os Templários foram oficialmente extintos pelo Papa Clemente V em 1312, Portugal, sob o reinado de D. Dinis, encontrou uma forma engenhosa de preservar os seus bens, redes e conhecimentos, ao transformá-los na Ordem de Cristo, estabelecida em 1319. Isso garantiu que o legado dos Templários continuasse vivo, agora sob a égide da Coroa portuguesa e com um novo propósito. Diferentemente de outros países europeus, onde os bens dos Templários foram confiscados, em Portugal D. Dinis negociou com o Papa a criação da Ordem de Cristo. A nova ordem herdou as terras, fortificações e até parte dos membros da antiga Ordem do Templo, mantendo assim a sua estrutura de poder e influência.
Sob a liderança de figuras como o Infante D. Henrique, a Ordem de Cristo desempenhou um papel central no financiamento e na organização dos primeiros empreendimentos marítimos portugueses. A emblemática cruz da Ordem de Cristo adornava as velas das caravelas que partiram em busca de novos mundos, tornando-a um símbolo da Era dos Descobrimentos. A ordem foi uma das principais beneficiárias da expansão portuguesa no Oceano Índico, fomentando o comércio de especiarias como pimenta, canela, cravo e noz-moscada. Esse comércio tornou Portugal uma potência global e construiu uma nova rede que conectava a Europa, a África e a Ásia, utilizando o conhecimento náutico e financeiro que remontava, em parte, aos Templários.
Assim como os Templários criaram uma rede internacional para proteger peregrinos e movimentar recursos, a Ordem de Cristo coordenou uma rede global para explorar e distribuir as riquezas das novas rotas comerciais. A organização hierárquica e centralizada da Ordem de Cristo facilitou o planeamento das explorações, enquanto a espiritualidade fornecia legitimidade ideológica à expansão. A cruz da Ordem de Cristo como símbolo universal é associada aos Descobrimentos e permanece como um dos ícones mais reconhecidos de Portugal. A Ordem de Cristo, mesmo após perder parte de seu poder com a secularização das ordens religiosas, deixou um impacto duradouro na política e economia portuguesa. O "DNA templário" caracterizou-se pelas redes, que podem ser vistas como protótipos da globalização moderna, conectando territórios distantes por meio do comércio, da comunicação e da religião.
Nada foi realmente perdido com a dissolução da ordem; seu legado foi transformado em novas instituições e redes comerciais. Mesmo no aparente colapso de impérios, como o romano, elementos fundamentais de sua cultura e estrutura ressurgem transformados em novas configurações sociais e políticas. A internet, as redes sociais e até os movimentos culturais contemporâneos podem ser vistos como transformações das interações humanas, cuja essência permanece a mesma: comunicar, organizar e influenciar. Lavoisier, ao capturar uma lei universal da natureza, forneceu um belo paralelo para a continuidade e transformação das ideias humanas ao longo do tempo.
No início do século XIV, a ordem foi abruptamente suprimida pelo rei Filipe IV da França e pelo Papa Clemente V. Acusações de heresia e práticas ocultas foram usadas como pretexto, mas a motivação principal era financeira e política. Apesar da sua queda, os Templários deixaram um legado duradouro. Sua estrutura de organização, práticas financeiras e mística influenciaram desde bancos modernos até sociedades secretas como a Maçonaria. Assim como as redes sociais de hoje conectam pessoas globalmente, os Templários criaram um sistema que transcendia fronteiras e consolidava poder. Tal como os donos das plataformas - Zuckerberg ou Musk - os Templários enfrentaram acusações de centralizar poder e riqueza, provocando reações negativas. As redes sociais contemporâneas moldam a cultura e a política global, assim como os Templários influenciaram a política e a economia medieval.
O exemplo dos Templários mostra que estruturas criadas em resposta a necessidades específicas - a proteção de peregrinos entre Lindisfarne e Jerusalém - podem evoluir para algo muito maior, redefinindo sociedades inteiras. Quanto maior o poder acumulado, maior a vulnerabilidade a reações adversas, especialmente em contextos de crise. As redes sociais modernas podem estar trilhando um caminho semelhante, com consequências ainda imprevisíveis.
O que é curioso é o facto dos seus herdeiros em Portugal, os da Ordem de Cristo, terem sido os precursores de uma outra rede comercial da pimenta, canela e cravinho, também denominada: era dos Descobrimentos. Quando os Templários foram oficialmente extintos pelo Papa Clemente V em 1312, Portugal, sob o reinado de D. Dinis, encontrou uma forma engenhosa de preservar os seus bens, redes e conhecimentos, ao transformá-los na Ordem de Cristo, estabelecida em 1319. Isso garantiu que o legado dos Templários continuasse vivo, agora sob a égide da Coroa portuguesa e com um novo propósito. Diferentemente de outros países europeus, onde os bens dos Templários foram confiscados, em Portugal D. Dinis negociou com o Papa a criação da Ordem de Cristo. A nova ordem herdou as terras, fortificações e até parte dos membros da antiga Ordem do Templo, mantendo assim a sua estrutura de poder e influência.
Sob a liderança de figuras como o Infante D. Henrique, a Ordem de Cristo desempenhou um papel central no financiamento e na organização dos primeiros empreendimentos marítimos portugueses. A emblemática cruz da Ordem de Cristo adornava as velas das caravelas que partiram em busca de novos mundos, tornando-a um símbolo da Era dos Descobrimentos. A ordem foi uma das principais beneficiárias da expansão portuguesa no Oceano Índico, fomentando o comércio de especiarias como pimenta, canela, cravo e noz-moscada. Esse comércio tornou Portugal uma potência global e construiu uma nova rede que conectava a Europa, a África e a Ásia, utilizando o conhecimento náutico e financeiro que remontava, em parte, aos Templários.
Assim como os Templários criaram uma rede internacional para proteger peregrinos e movimentar recursos, a Ordem de Cristo coordenou uma rede global para explorar e distribuir as riquezas das novas rotas comerciais. A organização hierárquica e centralizada da Ordem de Cristo facilitou o planeamento das explorações, enquanto a espiritualidade fornecia legitimidade ideológica à expansão. A cruz da Ordem de Cristo como símbolo universal é associada aos Descobrimentos e permanece como um dos ícones mais reconhecidos de Portugal. A Ordem de Cristo, mesmo após perder parte de seu poder com a secularização das ordens religiosas, deixou um impacto duradouro na política e economia portuguesa. O "DNA templário" caracterizou-se pelas redes, que podem ser vistas como protótipos da globalização moderna, conectando territórios distantes por meio do comércio, da comunicação e da religião.
Nada foi realmente perdido com a dissolução da ordem; seu legado foi transformado em novas instituições e redes comerciais. Mesmo no aparente colapso de impérios, como o romano, elementos fundamentais de sua cultura e estrutura ressurgem transformados em novas configurações sociais e políticas. A internet, as redes sociais e até os movimentos culturais contemporâneos podem ser vistos como transformações das interações humanas, cuja essência permanece a mesma: comunicar, organizar e influenciar. Lavoisier, ao capturar uma lei universal da natureza, forneceu um belo paralelo para a continuidade e transformação das ideias humanas ao longo do tempo.
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