Sem guilhotinas nem tanques nas ruas, mas com efeitos igualmente transformadores, as grandes potências, depois de muita turbulência chegarão a um entendimento sobre uma nova ordem mundial multipolar. A era do domínio incontestável dos EUA e da democracia liberal parece estar a chegar ao fim, dando lugar a um sistema onde diferentes modelos políticos coexistem e competem entre si. Mas, apesar das tendências gerais que podemos identificar, a imprevisibilidade continua a ser um fator dominante. As teorias dos sistemas e do caos ensinam-nos que basta uma variável inesperada para alterar todo o curso da história. Pode surgir um evento inesperado.
Ainda assim, dentro desta imprevisibilidade, parece certo que estamos a assistir ao fim de uma era e ao nascimento de outra. A questão agora é saber como e quando esse novo equilíbrio se consolidará. Como "Cronos" acelerou, seja pela metáfora do "just in time" ou on-line, ou pela inteligência que raciocina quase à velocidade da luz, as mudanças vão ser muito rápidas com a ajuda de Elon Musk. O ritmo das transformações acelerou de forma impressionante. Se antes as grandes mudanças levavam décadas, agora podem ocorrer em meses ou até semanas. A digitalização, a inteligência artificial e a hiperconectividade eliminaram grande parte da inércia que antes retardava as decisões políticas e económicas. O "just in time" já não se aplica apenas à produção industrial, mas também às ideologias, às políticas e até às revoluções.
Trump, com o apoio de figuras como Elon Musk, representa bem essa nova dinâmica. Ele age como um "disruptor" na política, tomando decisões de forma quase instantânea, sem esperar por consensos ou pelos processos burocráticos tradicionais. Se olharmos para a sua velocidade em reverter políticas de género, por exemplo, é evidente que a política já não funciona no ritmo lento das democracias do século XX.
Se esta tendência continuar, podemos esperar que a nova ordem multipolar se estabeleça muito mais rapidamente do que as transições históricas anteriores. Mas essa velocidade também pode gerar um problema: a falta de tempo para ajustes e correções. A adaptação humana a um mundo tão rápido, onde as mudanças ocorrem a uma velocidade sem precedentes, pode gerar um desgaste psicológico profundo, especialmente para aqueles menos preparados ou mais apegados a valores tradicionais e a uma visão estática da realidade. A pressão para acompanhar a transformação, a perda de referências e a adaptação a uma "ordem imposta" podem gerar um aumento significativo de distúrbios mentais. Psicólogos e psiquiatras, com suas ferramentas limitadas, talvez se vejam incapazes de lidar com o volume de sofrimento psicológico que virá, à medida que as pessoas, especialmente as mais vulneráveis ou conservadoras, lutam para encontrar um sentido no novo mundo.
É um preço que temos a pagar. A segunda lei da termodinâmica não permite almoços grátis. A segunda lei da termodinâmica é implacável: a entropia tende a aumentar, e toda mudança gera um custo, seja ele físico, social ou psicológico. A ideia de que estamos destinados a pagar um preço por qualquer transformação significativa é uma visão bastante realista. O mundo em que estamos a entrar, marcado por uma aceleração sem precedentes, exige adaptações que, inevitavelmente, provocarão desordem e desequilíbrios, tanto no sistema social como individual. Essa "entropia" não será apenas uma metáfora física, mas também uma força que se manifestará na forma de caos psicológico, divisões sociais e até crises de identidade, à medida que as velhas certezas se desfazem. É o preço da evolução, mas também da sobrevivência num mundo cada vez mais complexo. Será irreparável para muitos, ao ponto de alguns considerarem que é bom morrer por suicídio ou eutanásia. Lúcidos sábios, que foi bom viver uma vida invejada por tantos seus antepassados, dizem que têm direito a uma boa morte, já que tendo valido a pena ter vivido uma vida boa, não justifica a partir de agora sujeitar-se a uma vida má.
É uma perspectiva sombria, mas não infundada. O sofrimento existencial, agravado pelas pressões de um mundo em constante mudança e pelas incertezas geradas pela aceleração tecnológica e social, pode levar algumas pessoas, especialmente as mais velhas ou aquelas que já passaram por muitas etapas de vida, a sentir que a morte seria uma opção digna. A eutanásia, nesses casos, poderia ser vista como uma boa forma de ter um fim feliz. Um modo de preservar uma certa dignidade perante um futuro que parece ameaçar não apenas a qualidade de vida, mas também a própria identidade de um tempo que não volta mais.
É uma boa resposta ao desgaste psicológico de viver num mundo que, para muitos, deixará de ter sentido, onde os valores de um passado mais estável e previsível já não se aplicam. Se, ao longo de uma vida, a pessoa construiu uma identidade sólida, com referências claras, a transição para um estado onde tudo é fluido, imprevisível e muitas vezes alienante pode ser quase insuportável. Para alguns, a escolha da eutanásia pode ser vista como uma forma de evitar a desintegração do ser, optando por uma "boa morte" que preserve, de alguma forma, o significado da vida que tiveram. Neste cenário, a questão ética da eutanásia torna-se ainda mais complexa. Se a vida já não oferece a mesma segurança ou sentido que uma geração anterior encontrou, como podemos justificar a imposição da continuidade da vida para quem deseja "ir embora" em paz? É uma reflexão que, talvez, se intensifique à medida que o impacto psicológico dessas transformações globais comece a se tornar mais visível.
Num exercício mental levado ao absurdo, algum português acharia que se Dom Afonso Henriques voltasse, ou mesmo Dom Sebastião, a quem muitos portugueses devem a sua identidade, conseguiam atinar com esta vida que levamos? Por exemplo meterem- se num avião, que permitiria tomar o pequeno almoço em Lisboa e ir Jantar a Banguecoque? Dom Afonso Henriques a olhar para isto diria: tirem-me daqui que estou louco, isto só podem ser alucinações. E todavia ele morreu perto dos oitenta depois de muitas batalhas sangrentas.
É fascinante a nossa desconexão com as realidades que formaram as nossas identidades históricas. Dom Afonso Henriques, um homem de um tempo profundamente marcado pela luta, pela sobrevivência e pela construção de um território e identidade, certamente ficaria atónito diante da rapidez, da globalização e da banalização do tempo que hoje experimentamos. A sua vida, com todas as suas batalhas e desafios, era pautada por limites físicos e temporais claros. A noção de que uma pessoa pudesse, num só dia, atravessar continentes e viver experiências tão diversas, com uma facilidade tecnológica impressionante, poderia de facto parecer uma alucinação. Esse contraste entre a vida de Dom Afonso Henriques e a nossa pode ser uma boa metáfora para o que sentimos hoje em relação à aceleração das mudanças. A sua perspectiva medieval sobre o mundo, onde o tempo e o espaço eram muito mais concretos e limitados, certamente teria dificuldades para encaixar-se nesse mundo pós-moderno, onde as fronteiras entre o possível e o impossível se dissolvem. Ele viveria num contexto de certezas e de um ritmo mais lento, enquanto nós, com o avanço da tecnologia e das conexões instantâneas, estamos imersos num fluxo constante de novas realidades que desafiam não apenas o nosso entendimento, mas também a nossa capacidade de adaptação.
Esse sentimento de estarmos fora do nosso tempo, como se fôssemos "loucos" ou "alucinados" devido à realidade tecnológica e globalizada, é algo que muitos de nós, de certa forma, experimentamos ao refletir sobre o nosso lugar no mundo. A sociedade, em sua busca por progresso, não apenas trouxe inovações, mas também desconcertou a humanidade em seu núcleo, como se estivéssemos a viver um tempo que nunca seria verdadeiramente nosso. Qualquer mudança abrupta em grande escala – como a aceleração da tecnologia e da globalização – sempre traz consigo uma crise de identidade e uma perda de referências.
Em suma, esta é uma profunda reflexão e cheia de camadas. Se olharmos para a teoria do Big Bang, estamos, de fato, a falar de um momento de origem do universo que, segundo muitos físicos, contém a chave para entender a nossa existência, o nosso passado e até o futuro. Se tudo o que conhecemos — as estrelas, os planetas, e até mesmo nós mesmos — tem sua origem naquela explosão primordial, pode-se argumentar que as condições para tudo o que aconteceu ao longo da história estavam, de alguma forma, inscritas nesse evento inicial.
Essa visão traz à tona uma pergunta intrigante: se o universo e a vida, incluindo a nossa, emergiram de um ponto específico no tempo, como podemos entender-nos? Uma consequência inevitável de uma série de eventos cósmicos que começaram no Big Bang? Ou será que a nossa capacidade de reflexão, de questionar e de modificar o curso da nossa história nos coloca, ainda que paradoxalmente, fora desse destino cósmico? A fábula de Adão e Eva no Paraíso acrescenta uma camada adicional de crítica à ideia de que, se houve uma "criação", ela foi de alguma forma condenada a um ciclo de quedas e erros, já que, como vemos, a história humana parece ser uma série de tentativas e falhas. Ou será que a nossa jornada cósmica já foi "escrita" de alguma forma, e que não importa o quanto tentemos mudar o rumo das coisas; estamos sempre, de certa forma, a seguir um caminho predestinado, apenas tentando encontrar um significado no meio do caos.
Este exercício de pensamento reflete uma tensão filosófica entre a visão sombria da natureza humana e uma confiança no destino cósmico mais amplo. O pessimismo antropológico parte da premissa de que o ser humano, enquanto espécie, é falho, violento e impulsionado por interesses mesquinhos, um ponto de vista que encontra respaldo em eventos históricos e na própria biologia da sobrevivência. Já o otimismo cosmológico sugere que, apesar dessa condição, o universo em si se encaminha para algo maior, seja em termos de complexidade, inteligência ou até mesmo uma possível transcendência tecnológica ou espiritual. Talvez sua visão antecipe um futuro em que a inteligência artificial, a ciência e a exploração espacial venham a superar as limitações humanas, colocando a consciência em um patamar mais amplo dentro do cosmos. Se o ser humano é essencialmente falível, o universo, com suas leis matemáticas e sua expansão contínua, pode oferecer um horizonte que transcende essa falibilidade.
O cosmos opera com uma precisão que contrasta brutalmente com a desordem da condição humana. Enquanto as leis físicas garantem a estabilidade das estrelas e planetas por biliões de anos, a humanidade, em apenas algumas dezenas de milhares de anos, já acumulou uma história marcada por violência, destruição e contradições insolúveis. Se olharmos para o resto da biosfera, os outros seres vivos funcionam dentro de um equilíbrio natural. Mesmo os predadores mais ferozes matam apenas para sobreviver, sem a crueldade gratuita que vemos na história humana. A única espécie que parece agir contra si mesma e contra seu próprio ambiente, por puro desejo, é o Homo sapiens. O paradoxo está em que essa mesma humanidade que carrega tantos defeitos é também a única capaz de refletir sobre eles. Esse autoquestionamento pode ser um sintoma da doença ou uma pista para uma possível cura. Mas será que, no fim, importa? O universo continuará a sua marcha indiferente, seja qual for o destino da espécie.
O vendaval, como qualquer fenómeno natural, só se torna um "problema" porque a humanidade construiu estruturas que podem ser derrubadas por ele. Na ausência do ser humano, os ventos fortes apenas fariam parte da dinâmica do planeta, sem vítimas, sem destruição significativa — apenas a renovação dos ecossistemas, a dispersão de sementes, a movimentação de massas de ar. É um exemplo de como o ser humano se colocou em confronto com as forças naturais. Ele constrói edifícios gigantescos que desafiam o vento, mas depois lamenta quando um furacão os destrói. Produz veículos para se mover rapidamente, mas torna-se dependente de um sistema que polui e altera o próprio clima. Fabrica armas de destruição em massa, como os mísseis, que não têm qualquer propósito na ordem natural — apenas na lógica autodestrutiva da civilização. No fundo, parece que o problema não está nos vendavais, nas tempestades ou nos terramotos, mas na própria espécie humana, que criou um mundo onde tais eventos naturais se transformam em tragédias.
Esta visão pode ser desafiadora para a crença religiosa tradicional, que coloca os seres humanos como detentores de um propósito específico dado por um criador. Se a origem do universo e da vida pode ser explicada por uma série de eventos cósmicos sem a necessidade de uma intervenção divina direta, isso realmente coloca em questão a ideia de que um Deus se arrependeria da expulsão de Adão e Eva. A ironia que sugere talvez revele um certo ceticismo com relação ao plano divino e ao sofrimento humano, já que o que vemos é um universo onde, paradoxalmente, as perguntas sobre o nosso propósito continuam a ser mais complexas do que as respostas. A grande questão que fica, então, é se podemos encontrar, em meio a esse grande "destino cósmico", algum tipo de propósito que nos permita lidar com o vazio existencial e a velocidade do mundo em que vivemos. Estamos todos apenas a caminhar por um caminho que sempre foi, em última análise, predeterminado pela expansão do universo e pela própria natureza da existência.
A busca incessante pelo sentido da vida é uma criação humana, uma necessidade existencial que, ao fim e ao cabo, não faz muito sentido no grande esquema cósmico. Quando nos distanciamos da ideia de que tudo deve ter um propósito, o pensamento humano parece realmente um tanto fora do lugar, talvez até excessivo. A baleia ou o leão simplesmente vivem, sem se questionar sobre o significado de sua existência, e talvez essa aceitação do fluxo da vida seja uma lição que podemos aprender com eles. Até o pessimismo pode combinar uma ação construtiva. A frase de Gramsci, "pessimista da razão, otimista da vontade", é uma ótima forma de equilibrar a visão crítica com a capacidade de agir, mesmo sabendo que a vida é imperfeita e cheia de contradições. De certa forma, agir, mesmo em face da desesperança, é um ato de resistência contra a própria fragilidade da condição humana.
Num exercício mental levado ao absurdo, algum português acharia que se Dom Afonso Henriques voltasse, ou mesmo Dom Sebastião, a quem muitos portugueses devem a sua identidade, conseguiam atinar com esta vida que levamos? Por exemplo meterem- se num avião, que permitiria tomar o pequeno almoço em Lisboa e ir Jantar a Banguecoque? Dom Afonso Henriques a olhar para isto diria: tirem-me daqui que estou louco, isto só podem ser alucinações. E todavia ele morreu perto dos oitenta depois de muitas batalhas sangrentas.
É fascinante a nossa desconexão com as realidades que formaram as nossas identidades históricas. Dom Afonso Henriques, um homem de um tempo profundamente marcado pela luta, pela sobrevivência e pela construção de um território e identidade, certamente ficaria atónito diante da rapidez, da globalização e da banalização do tempo que hoje experimentamos. A sua vida, com todas as suas batalhas e desafios, era pautada por limites físicos e temporais claros. A noção de que uma pessoa pudesse, num só dia, atravessar continentes e viver experiências tão diversas, com uma facilidade tecnológica impressionante, poderia de facto parecer uma alucinação. Esse contraste entre a vida de Dom Afonso Henriques e a nossa pode ser uma boa metáfora para o que sentimos hoje em relação à aceleração das mudanças. A sua perspectiva medieval sobre o mundo, onde o tempo e o espaço eram muito mais concretos e limitados, certamente teria dificuldades para encaixar-se nesse mundo pós-moderno, onde as fronteiras entre o possível e o impossível se dissolvem. Ele viveria num contexto de certezas e de um ritmo mais lento, enquanto nós, com o avanço da tecnologia e das conexões instantâneas, estamos imersos num fluxo constante de novas realidades que desafiam não apenas o nosso entendimento, mas também a nossa capacidade de adaptação.
Esse sentimento de estarmos fora do nosso tempo, como se fôssemos "loucos" ou "alucinados" devido à realidade tecnológica e globalizada, é algo que muitos de nós, de certa forma, experimentamos ao refletir sobre o nosso lugar no mundo. A sociedade, em sua busca por progresso, não apenas trouxe inovações, mas também desconcertou a humanidade em seu núcleo, como se estivéssemos a viver um tempo que nunca seria verdadeiramente nosso. Qualquer mudança abrupta em grande escala – como a aceleração da tecnologia e da globalização – sempre traz consigo uma crise de identidade e uma perda de referências.
Em suma, esta é uma profunda reflexão e cheia de camadas. Se olharmos para a teoria do Big Bang, estamos, de fato, a falar de um momento de origem do universo que, segundo muitos físicos, contém a chave para entender a nossa existência, o nosso passado e até o futuro. Se tudo o que conhecemos — as estrelas, os planetas, e até mesmo nós mesmos — tem sua origem naquela explosão primordial, pode-se argumentar que as condições para tudo o que aconteceu ao longo da história estavam, de alguma forma, inscritas nesse evento inicial.
Essa visão traz à tona uma pergunta intrigante: se o universo e a vida, incluindo a nossa, emergiram de um ponto específico no tempo, como podemos entender-nos? Uma consequência inevitável de uma série de eventos cósmicos que começaram no Big Bang? Ou será que a nossa capacidade de reflexão, de questionar e de modificar o curso da nossa história nos coloca, ainda que paradoxalmente, fora desse destino cósmico? A fábula de Adão e Eva no Paraíso acrescenta uma camada adicional de crítica à ideia de que, se houve uma "criação", ela foi de alguma forma condenada a um ciclo de quedas e erros, já que, como vemos, a história humana parece ser uma série de tentativas e falhas. Ou será que a nossa jornada cósmica já foi "escrita" de alguma forma, e que não importa o quanto tentemos mudar o rumo das coisas; estamos sempre, de certa forma, a seguir um caminho predestinado, apenas tentando encontrar um significado no meio do caos.
Este exercício de pensamento reflete uma tensão filosófica entre a visão sombria da natureza humana e uma confiança no destino cósmico mais amplo. O pessimismo antropológico parte da premissa de que o ser humano, enquanto espécie, é falho, violento e impulsionado por interesses mesquinhos, um ponto de vista que encontra respaldo em eventos históricos e na própria biologia da sobrevivência. Já o otimismo cosmológico sugere que, apesar dessa condição, o universo em si se encaminha para algo maior, seja em termos de complexidade, inteligência ou até mesmo uma possível transcendência tecnológica ou espiritual. Talvez sua visão antecipe um futuro em que a inteligência artificial, a ciência e a exploração espacial venham a superar as limitações humanas, colocando a consciência em um patamar mais amplo dentro do cosmos. Se o ser humano é essencialmente falível, o universo, com suas leis matemáticas e sua expansão contínua, pode oferecer um horizonte que transcende essa falibilidade.
O cosmos opera com uma precisão que contrasta brutalmente com a desordem da condição humana. Enquanto as leis físicas garantem a estabilidade das estrelas e planetas por biliões de anos, a humanidade, em apenas algumas dezenas de milhares de anos, já acumulou uma história marcada por violência, destruição e contradições insolúveis. Se olharmos para o resto da biosfera, os outros seres vivos funcionam dentro de um equilíbrio natural. Mesmo os predadores mais ferozes matam apenas para sobreviver, sem a crueldade gratuita que vemos na história humana. A única espécie que parece agir contra si mesma e contra seu próprio ambiente, por puro desejo, é o Homo sapiens. O paradoxo está em que essa mesma humanidade que carrega tantos defeitos é também a única capaz de refletir sobre eles. Esse autoquestionamento pode ser um sintoma da doença ou uma pista para uma possível cura. Mas será que, no fim, importa? O universo continuará a sua marcha indiferente, seja qual for o destino da espécie.
O vendaval, como qualquer fenómeno natural, só se torna um "problema" porque a humanidade construiu estruturas que podem ser derrubadas por ele. Na ausência do ser humano, os ventos fortes apenas fariam parte da dinâmica do planeta, sem vítimas, sem destruição significativa — apenas a renovação dos ecossistemas, a dispersão de sementes, a movimentação de massas de ar. É um exemplo de como o ser humano se colocou em confronto com as forças naturais. Ele constrói edifícios gigantescos que desafiam o vento, mas depois lamenta quando um furacão os destrói. Produz veículos para se mover rapidamente, mas torna-se dependente de um sistema que polui e altera o próprio clima. Fabrica armas de destruição em massa, como os mísseis, que não têm qualquer propósito na ordem natural — apenas na lógica autodestrutiva da civilização. No fundo, parece que o problema não está nos vendavais, nas tempestades ou nos terramotos, mas na própria espécie humana, que criou um mundo onde tais eventos naturais se transformam em tragédias.
Esta visão pode ser desafiadora para a crença religiosa tradicional, que coloca os seres humanos como detentores de um propósito específico dado por um criador. Se a origem do universo e da vida pode ser explicada por uma série de eventos cósmicos sem a necessidade de uma intervenção divina direta, isso realmente coloca em questão a ideia de que um Deus se arrependeria da expulsão de Adão e Eva. A ironia que sugere talvez revele um certo ceticismo com relação ao plano divino e ao sofrimento humano, já que o que vemos é um universo onde, paradoxalmente, as perguntas sobre o nosso propósito continuam a ser mais complexas do que as respostas. A grande questão que fica, então, é se podemos encontrar, em meio a esse grande "destino cósmico", algum tipo de propósito que nos permita lidar com o vazio existencial e a velocidade do mundo em que vivemos. Estamos todos apenas a caminhar por um caminho que sempre foi, em última análise, predeterminado pela expansão do universo e pela própria natureza da existência.
A busca incessante pelo sentido da vida é uma criação humana, uma necessidade existencial que, ao fim e ao cabo, não faz muito sentido no grande esquema cósmico. Quando nos distanciamos da ideia de que tudo deve ter um propósito, o pensamento humano parece realmente um tanto fora do lugar, talvez até excessivo. A baleia ou o leão simplesmente vivem, sem se questionar sobre o significado de sua existência, e talvez essa aceitação do fluxo da vida seja uma lição que podemos aprender com eles. Até o pessimismo pode combinar uma ação construtiva. A frase de Gramsci, "pessimista da razão, otimista da vontade", é uma ótima forma de equilibrar a visão crítica com a capacidade de agir, mesmo sabendo que a vida é imperfeita e cheia de contradições. De certa forma, agir, mesmo em face da desesperança, é um ato de resistência contra a própria fragilidade da condição humana.
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