A crença por simpatia é um fenómeno curioso. O que justifica que um qualquer influencer (celebridade da internet) tenha mais credibilidade que um Prémio Nobel? A crença por simpatia, ou aquilo que poderia ser chamado de "efeito carismático", é um dos fenómenos mais intrigantes da psicologia social. Ela demonstra como a confiança e a credibilidade muitas vezes não são atribuídas com base na competência ou na especialização, mas sim na capacidade de gerar identificação, proximidade emocional ou admiração superficial.
Um influencer, ao contrário de um Prémio Nobel, muitas vezes constrói a sua credibilidade não pela profundidade do seu conhecimento, mas pela habilidade de cativar, emocionar ou parecer "autêntico". Esse fenómeno é amplificado pelas redes sociais, que recompensam carisma e repetição mais do que rigor e complexidade intelectual. As pessoas tendem a acreditar naqueles de que "gostam" ou que as fazem sentir parte de algo, independentemente da validade ou solidez do que é dito. É um reflexo direto de como o ser humano, como animal social, prioriza conexões emocionais e narrativas simplificadas. No entanto, isso só embrutece, pois desloca o foco da verdade objetiva para a persuasão subjetiva, um terreno fértil para desinformação e manipulação em massa. A simpatia muitas vezes sobrepõe-se à sabedoria.
Estas crenças têm paredes-meias com toda a tralha num veio mestre de dogmas cujos limites se podem definir entre religiões e ideologias. São âncoras ou necessidades humanas que deem sentido à vida. A crença por simpatia, a bruxaria, as religiões e até as ideologias como o marxismo podem ser vistas como manifestações de uma mesma matriz: a necessidade de estruturar o mundo em torno de narrativas que toquem emocionalmente e tragam algum tipo de conforto ou direção. Dogmas que respondem a perguntas intocáveis pela racionalidade. Até o marxista revolucionário, apesar da pretensão científica e materialista da sua análise histórica, tem a sua dose de "religiosidade", muitas vezes romantizada, com um fervor quase messiânico. Essa parede-meia entre crenças populares e sistemas de pensamento mais sofisticados demonstra que, no fundo, o ser humano raramente é puramente racional. As crenças emocionais, simbólicas e até mágicas continuam a moldar nossas ações e sociedades, mesmo sob a aparência de racionalidade ou progresso. Em última análise, talvez não sejamos tão diferentes dos nossos ancestrais que dançavam em torno de fogueiras ou lançavam feitiços para garantir a colheita. Apenas sofisticamos os nossos rituais e discursos.
Há coisas que existem na objetividade, seja uma montanha seja um asteroide longínquo. Há coisas que existem na subjetividade, como uma dor ou uma alegria. E há coisas que existem apenas na intersubjetividade como leis e deuses. Isto remete para debates filosóficos e sociológicos sobre a natureza da realidade. Um asteroide, por exemplo, continua existindo mesmo que nenhum ser humano esteja ciente da sua existência. Isto é o domínio do cientista, que gosta da palavra “objetividade”, daquilo que pode ser verificado empiricamente, regido por leis naturais. Mas há uma outra realidade que diz respeito às experiências individuais e internas, como sensações, pensamentos e emoções. A dor existe para quem a sente, mas não tem uma manifestação física observável diretamente por outros. E por fim temos a intersubjetividade, que é o domínio das realidades que existem porque nós convencionamos que fossem aceites e compartilhadas, como o dinheiro. Aqui entram conceitos, leis, a moralidade e valores culturais que vão até aos deuses. Estes não têm existência objetiva, mas exercem um impacto real nas vidas humanas por meio do consenso coletivo. A intersubjetividade é uma das principais forças que possibilitaram a cooperação em larga escala entre humanos. Deuses, nações, e direitos humanos não existem objetivamente, mas possuem imenso poder porque acreditamos neles conjuntamente.
A intersubjetividade transcende a subjetividade individual e pertence ao domínio da informação. Ela abre uma perspectiva mais ampla sobre a natureza da realidade intersubjetiva e seu papel na construção das nossas estruturas sociais e cognitivas. A intersubjetividade, enquanto domínio da informação, revela que existem sistemas simbólicos que organizam e estruturam nossa realidade, mas que não têm correspondência direta no mundo físico ou na experiência subjetiva. Estes sistemas são "invisíveis", pois são frequentemente naturalizados ou assumidos como "dados" na nossa existência quotidiana.
Leis, pedaços de papel chamadas notas, ou um número numa conta bancária, só tem valor porque compartilhamos uma crença intersubjetiva em seu significado. Até as línguas que falamos uns com os outros não existem objetivamente fora da mente humana, mas são sistemas de informação que estruturam a comunicação e o pensamento. E isto é muito poderoso porque regula o funcionamento de sociedades inteiras e determina o que consideramos realidade. Com o avanço tecnológico, essa dimensão da informação tornou-se ainda mais evidente. A própria Internet, por exemplo, é uma estrutura de intersubjetividade que amplifica e organiza informação de maneira que antes eram inimagináveis. No entanto, ela também exacerba o desafio de distinguir entre informações compartilhadas construtivamente e desinformação destrutiva.
Estamos a viver um sobressalto ao nível da verdade intersubjetiva. Vivemos uma erosão do consenso coletivo em torno de certos pilares intersubjetivos, como a ciência, a democracia e os direitos humanos, que tradicionalmente ancoravam nossas sociedades num certo tipo de Verdade. A proliferação de narrativas desalinhadas com essa Verdade representa um desafio profundo para a organização social e para a própria estabilidade da intersubjetividade. A intersubjetividade, sendo do domínio da informação, é intrinsecamente vulnerável a narrativas. Ela depende de uma confiança compartilhada para funcionar, mas essa confiança pode ser manipulada, diluída ou destruída.
O enfraquecimento de instituições mediadoras: jornalismo, academias e órgãos reguladores, que antes serviam para verificar e filtrar narrativas, estão deslegitimadas pelo culto da opinião. A noção de que "minha verdade" tem o mesmo peso que uma verdade fundamentada enfraquece a capacidade de construir consensos baseados em factos verificáveis. A sociedade já não é um terreiro comum porque se fragmentou em bolhas que competem pela primazia de suas versões da realidade. Quando a Verdade é relativizada, atingindo estruturas essenciais como o sistema jurídico e a ciência, tudo pode acontecer.
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