sexta-feira, 28 de março de 2025

O ativismo identitário


O ativismo identitário é muitas vezes alimentado pela frustração devido à perda da predominância no mundo da sua cultura, seja ao nível civilizacional, ou numa dimensão mais modesta ao nível nacional. Esses movimentos tanto contestam a globalização, que dissolveu as identidades nacionais através da uniformização enfraquecendo as estruturas locais e a sua autonomia. Geraram-se espécies de teorias da conspiração contra as elites financeiras e políticas, proclamando respostas e uma resistência mais radical. Gerou-se a crença de que se entrou numa guerra cultural, com restrições à liberdade de expressão. 

Criou-se assim um ambiente polarizado, com os globalistas de um lado e os identitários do outro, em conflito direto. A ascensão do ativismo identitário está alimentando o descontentamento popular, enquanto as elites tentam sustentar um sistema que, para muitos, parece estar a falhar. Isso se torna um campo fértil para o extremismo e a radicalização política. A grande questão é: qual será a resposta das sociedades europeias a esse confronto crescente entre identidade local e global? Será que haverá um compromisso ou reconciliação, ou todo o ocidente se tornará um campo de batalha cultural e político cada vez mais polarizado? Estamos a assistir a uma fragmentação não apenas económica e geopolítica, mas também cultural e política, traçando-se as linhas divisórias com maior nitidez à medida da aceleração destes tempos cibernéticos.

Os que defendem a globalização e o cosmopolitismo estão cada vez mais entrincheirados no velho progressismo, logo, estando a ser os conservadores do aqui e agora. Ainda acreditam no internacionalismo sindical e na integração transnacional, na abertura das fronteiras e na diversidade como forças positivas. No lado oposto estão os identitários nativistas, que veem essa agenda como uma ameaça existencial às tradições culturais e aos valores dos seus países, buscando preservar e fortalecer o valor da Nação, Cultura, Civilização. Este campo de batalha cultural não se restringe a questões de imigração ou soberania nacional, mas estende-se a todos os aspectos da sociedade: educação, liberdade de expressão, identidade de género e representatividade.

O campo de batalha estendeu-se aos órgãos de comunicação social 'mainstream'Os fora que se destinavam a espaços de diálogo e reflexão transformaram-se num campo de guerra ideológica, onde cada lado tenta impor a sua visão do mundo. O futuro pode, então, ser uma tensa luta entre a defesa do status quo, por um lado, e a resistência contra ele, por outro. Enquanto o globalismo busca um novo paradigma, os identitários querem retomar a autonomia e restaurar uma ordem que veem como perdida. Isso não é apenas uma luta política, mas também existencial, uma vez que toca diretamente a identidade das pessoas e a forma como elas se veem no mundo. Neste cenário, a radicalização pode-se tornar mais pronunciada, com movimentos de resistência se tornando cada vez mais organizados e poderosos. O risco é que essa polarização leve a uma instabilidade social e política, talvez até a conflitos mais violentos entre diferentes facções, ou até dentro de Estados. A Europa, com sua história de guerras internas e conflitos ideológicos, pode estar novamente à beira de uma nova era de confrontos, onde as linhas de batalha serão traçadas não apenas em fronteiras físicas, mas também em esferas culturais nos meios e plataformas digitais. Isso torna a questão do futuro ainda mais imprevisível.

As instituições europeias estão cada vez mais desconectadas da realidade e das preocupações das pessoas comuns. A União Europeia, que originalmente surgiu como um projeto de integração económica e cooperação política, tem sido vista por muitos como uma entidade burocrática distante e insensível às necessidades locais. A crescente fragmentação política e social da Europa reflete diretamente essa desconexão, já que a UE muitas vezes falha em responder às questões mais urgentes, como a crise migratória, o declínio económico, ou as ameaças à identidade cultural. A centralização do poder nas instituições de Bruxelas também gerou um sentimento crescente de alienação entre muitos cidadãos europeus, especialmente nas nações mais afetadas pela austeridade e pelos programas económicos impostos. A falta de flexibilidade para adaptar políticas a contextos locais tem alimentado uma desconfiança crescente, enquanto partidos populistas e identitários ganham força ao prometerem um retorno à soberania nacional e ao controlo local.

O Brexit é um exemplo claro de como essa dinâmica pode resultar em ruptura. Muitos britânicos sentiram que as decisões da UE estavam desconectadas das necessidades nacionais, e a saída do Reino Unido da União foi, em grande parte, uma tentativa de recuperar a autonomia e resistir à imposição de normas globais que percebiam como prejudiciais à sua identidade cultural e económica. Hoje, com o crescimento do nacionalismo e do populismo por toda a Europa, muitas dessas instituições estão sendo vistas como fracas e incapazes de manter a coesão do continente. A fragmentação política dentro da própria UE já é visível, com países como Hungria e Eslováquia adotando posturas cada vez mais autoritárias e se afastando dos princípios fundadores da União, enquanto movimentos como o RN na França, o AfD na Alemanha e outros ganham terreno. Neste contexto, a polarização apenas se aprofunda, e o papel das instituições europeias se torna cada vez mais insustentável. Elas estão perdendo sua capacidade de ser um ponto de união, e as desigualdades regionais, as questões identitárias e o desenho da globalização apenas agravou essa situação.

É muito plausível que, numa fase inicial de vulnerabilidade, a Europa passe por uma fragmentação das nações, onde cada país tente preservar o que é seu por si próprio, em vez de buscar solidariedade continental. Essa fragmentação pode resultar de várias pressões, desde as económicas até as sociais e culturais, e a resposta de cada nação será moldada pelas suas circunstâncias locais. Em uma Europa desgarrada e com sistemas políticos em crise, é natural que os países busquem se isolar ou procurar soluções próprias para problemas como a imigração, a segurança ou mesmo a economia. Cada nação, ou pelo menos aqueles que ainda conseguem manter algum grau de coesão interna, tenderá a buscar acordos bilaterais ou regionais, em vez de confiar numa União Europeia que parece cada vez mais desconectada das suas realidades diárias. Isso pode ser visto numa crescente onda de movimentos nacionalistas e populistas, que promovem a ideia de que cada país deve priorizar as suas próprias necessidades e deixar de lado compromissos mais amplos com a Europa unificada.

A polarização e o populismo estende-se à extrema-direita e extrema-esquerda. Esse radicalismo crescente, por parte de grupos nacionalistas, seja da direita ou da esquerda, é um reflexo da fragmentação social e da incapacidade dos sistemas políticos tradicionais de lidar com as crises económicas, culturais e identitárias. Na Alemanha a extrema-esquerda tem começado a adotar algumas das bandeiras nacionalistas que eram associadas mais à extrema-direita, o que é um fenómeno intrigante e paradoxal. Isso reflete, em parte, o enfraquecimento das fronteiras ideológicas tradicionais, onde a ideia de nacionalismo está a ser reinterpretada ou cooptada por vários grupos, dependendo da sua agenda. Para muitos, a ideia de pátria está sendo ressignificada, não necessariamente pela proteção do Estado/Nação tradicional, mas pela defesa de uma identidade cultural específica que se coloca contra influências externas.

O radicalismo nacionalista da extrema-direita e da extrema-esquerda pode, paradoxalmente, acabar por se unir em algumas questões, como a proteção da cultura nacional ou a defesa da soberania frente ao que eles consideram ser ameaças externas. Isso pode criar uma frente ampla de confrontação, onde os velhos alinhamentos ideológicos se tornam obsoletos e as tensões internas nos países europeus se tornam mais intensas. O mais grave é que, à medida que esses movimentos se intensificam, as instituições democráticas podem ser vistas por esses grupos como incapazes de representar a verdadeira vontade do povo. Isso pode gerar um desprezo pelas formas tradicionais de governo, como o sistema representativo, a liberdade de imprensa, e as instituições internacionais que antes promoviam consensos amplos. Nesse clima de radicalização e desconfiança, a resposta da sociedade pode ser o fortalecimento das posturas identitárias e, eventualmente, a militarização do discurso político, com a polarização se refletindo em conflitos nas ruas e estruturas sociais fragmentadas. O retorno ao nacionalismo pode também ser visto como uma reação defensiva ao que esses grupos percebem como um enfraquecimento das suas identidades devido à globalização e à migração.

A questão crucial, então, é até que ponto essa radicalização se manterá dentro dos limites do discurso ou passará para a ação violenta, como já vimos em movimentos extremistas no passado, que propõem rupturas totais com as instituições tradicionais. E, ao mesmo tempo, como os governos e as sociedades lidam com essa crescente ameaça à coesão interna. Enfim, está em marcha um movimento de contra-cultura em relação ao zeitgeist. Esse movimento é uma reação direta ao que muitos percebem como uma hegemonia cultural, ideológica e política que se manifesta de diversas formas, como a globalização, o progressismo identitário e as mudanças culturais rápidas. Diversidade inclusiva e mobilidade global, parece ser percebido por muitos como uma força que está a desestabilizar as identidades nacionais tradicionais. Em resposta a isso, há um movimento crescente de reafirmação identitária e cultural que busca resistir a esse processo de uniformização global.

Nacionalistas identitários questionam a perda de soberania nacional diante de pressões externas (como imigração em massa, comércio global, e influências culturais). Muitos desses grupos não só se opõem à globalização, mas também aos valores que consideram como parte do progressismo dominante, como a política de identidade, o multiculturalismo e as políticas ambientalistas, que veem como ferramentas para enfraquecer os valores tradicionais da civilização ocidental. Além disso também se manifesta em rebeliões culturais contra as instituições tradicionais e os grandes centros de poder, como os média dominantes, as corporações globais e, em alguns casos, o próprio sistema democrático representativo. Este movimento frequentemente busca desafiar a narrativa dominante, propondo alternativas à forma como o sistema global está a moldar as sociedades e os indivíduos.

O que estamos a ver é uma luta cultural onde, de um lado, há os defensores do status quo global, acreditando na inevitabilidade de um mundo mais interconectado e homogéneo; e, de outro, há uma oposição crescente, de várias frentes políticas e sociais, que acreditam que esse modelo está a destruir a autonomia cultural, a soberania nacional e até mesmo as próprias identidades que definem os povos. Este movimento não está restrito a uma única ideologia ou partido político; ele é multifacetado e inclui desde nacionalistas conservadores até certos grupos da esquerda radical que se opõem ao que consideram ser uma dominação de interesses corporativos globais. O importante a notar é que, à medida que essas divisões se tornam mais intensas, a polarização política e social se aprofunda, e o compromisso com as instituições tradicionais começa a diminuir.

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