quarta-feira, 5 de março de 2025

Percepção pública ou a aridez das estatísticas?


Qualquer ataque terrorista é mais do que um acontecimento. É um fenómeno. E é por isso que é falacioso o argumento desvalorizando o fenómeno com a estatística: apenas representa 0,05%. É um fenómeno social, político e psicológico. A tentativa de desvalorizá-lo com argumentos estatísticos, para mostrar que representa apenas uma pequena fração de eventos violentos em geral, é uma falácia de composição. Essa abordagem ignora o impacto que o terrorismo tem na sociedade, e que não se articula com proporções. E os terroristas sabem disso.

O terrorismo é projetado para gerar medo e polarizar a sociedade entre ingénuos e desconfiados. A desconfiança é muito maior do que a mera soma dos danos físicos ou das mortes que causa. É a percepção de segurança que conta, e influencia as políticas públicas. Assim, medir o terrorismo apenas em termos dos números das estatísticas é um erro categórico, pois o seu objetivo principal é psicológico, que é o que verdadeiramente conta em política. E a cobertura mediática desses eventos amplificam enormemente os seus efeitos. Portanto, enquanto os números absolutos podem ser pequenos, a percepção pública, e os efeitos sociopolíticos do terrorismo, são devastadores, que muitas vezes deixam marcas duradouras.

São as percepções que moldam os comportamentos, que por sua vez vão condicionar as decisões políticas. O terrorismo, mesmo sendo estatisticamente raro, é um catalisador para mudanças profundas, justamente porque atua sobre o imaginário coletivo. Por exemplo, quando um ataque terrorista ocorre, ele rompe a normalidade, gerando medo e insegurança que podem desencadear reações em cadeia numa escala comunitária. E o governos democraticamente eleitos sentem-se obrigados endurecer políticas de segurança, restringir liberdades civis, e reforçar discursos de exclusão. Partidos populistas frequentemente exploram esse medo para ganhar apoio do eleitorado, levando a uma polarização que altera profundamente a sociedade.

Esse fenómeno é bem conhecido no meio escolar, basta apenas um elemento perturbador para contaminar toda a comunidade estudantil. Um único elemento perturbador pode desestabilizar todo o ambiente de uma escola. O comportamento disruptivo de um indivíduo tem o potencial de desencadear uma série de reações em cadeia, espalhando insegurança, desconforto e tensão entre os membros da comunidade. O mesmo se passa com o terrorismo. O impacto de um único elemento desestabilizador vai muito além de suas ações diretas. Um aluno pratica bullying ou atos de violência. Afeta não apenas as suas vítimas diretas, mas também gera um ambiente de medo que compromete a coesão e a funcionalidade do grupo. Professores, pais e alunos acabam por ajustar os seus comportamentos em resposta ao elemento perturbador, muitas vezes em detrimento de um ambiente saudável.

Em contextos sociais, o impacto psicológico e simbólico de ações disruptivas frequentemente supera o seu peso estatístico. O foco, portanto, deve incidir no mecanismo que desencadeia as reações, independentemente da sua ocorrência ser mais ou menos esporádica. Isso reforça a importância de lidar com essas questões de maneira preventiva e estratégica, reconhecendo o seu potencial de contaminação. Os partidos e elites de esquerda têm prestado um mau serviço à sociedade com a sua ideologia demasiado permissiva com a demagogia do politicamente correto.

A luta por uma sociedade mais inclusiva e igualitária, que em si é fundamental, não impede a critica à excessiva permissividade fomentada por acantonamentos ideológicos. Relativizar certos comportamentos e priorizar narrativas que evitam confrontos diretos, em nome de um ideal de "correção política", não presta atenção às disrupções que são tratadas com demagogia que aliena grandes fatias da sociedade. Isso abre espaço para acusações de que estão desconectadas das preocupações das pessoas, como segurança, ordem e coesão cultural. Essa lacuna é rapidamente preenchida por partidos e lideranças de direita ou populistas, que exploram os temores da população com retórica simplista. A esquerda, para recuperar o espaço perdido precisa de mais realismo sem deixar de lado os seus valores fundamentais. Minimizar as questões de segurança não só enfraquece a sua legitimidade como também contribui para a polarização e o avanço do autoritarismo radical.

Desqualificar quem percebe a realidade de forma discrepante com os dados estatísticos é uma abordagem limitada e, muitas vezes, contraproducente. Ignorar ou invalidar percepções públicas em nome da "objetividade estatística" demonstra um descolamento das realidades sociais e humanas, onde as percepções frequentemente moldam comportamentos e decisões muito mais do que os números. As percepções, mesmo que não sejam perfeitamente alinhadas com os dados, refletem o estado emocional, cultural e psicológico de uma sociedade. É um erro tratá-lo como irracional, ou equivocado, apenas porque as estatísticas indicam que o risco objetivo é baixo. Esse tipo de abordagem gera ressentimento, desconfiança e um sentimento de alienação, especialmente quando as elites políticas ou intelectuais parecem distantes das preocupações diárias da população.

Em vez de descartar essas percepções, seria mais produtivo compreendê-las e integrá-las em análises e políticas que reconheçam tanto dados objetivos como dinâmicas psicológicas e sociais subjacentes. Desconsiderar a relevância das percepções públicas é não apenas elitista, mas também um convite à polarização e ao descrédito das instituições. Veja-se o que se está a passar, por exemplo, na Suécia. O povo sueco está a dar o voto cada vez mais à extrema-direita por os social-democratas terem sido demasiado negligentes com as questões da segurança, e terem permitido a entrada, "à vontade do freguês", de grandes quantidades de imigrantes predominantemente provenientes do mundo de cultura islâmica.

O caso da Suécia é um exemplo emblemático de como a percepção pública de insegurança e desordem, mesmo que nem sempre plenamente corroborada pelas estatísticas, gera mudanças significativas no comportamento eleitoral. O crescimento da extrema-direita, especialmente do partido ‘Democratas Suecos’, reflete uma reação direta a políticas que muitos suecos consideram negligentes em relação à segurança e à gestão da imigração. Os social-democratas, historicamente dominantes na política sueca, enfrentam críticas por não terem dado uma resposta eficaz ao aumento da criminalidade mais violenta nos últimos anos. Embora nem todos esses problemas possam ser atribuídos diretamente à imigração, a percepção predominante é que os desafios de integração não foram bem sucedidos, tendo criado tensões culturais e sociais com a deriva dos jovens para a criminalidade capturados por gangues de redes criminosas organizadas.

Esse cenário não é exclusivo da Suécia; reflete um padrão que se repete em várias democracias europeias, onde partidos tradicionais de centro-esquerda perdem apoio por parecerem desconectados das preocupações reais da população. Isso deriva do erro de minimizar problemas relacionados com a segurança pública e a integração cultural de quantidades maciças de estrangeiros. A solução não está em retroceder para políticas de exclusão. Mas é preciso abordar de forma pragmática as questões de segurança, adotar políticas migratórias mais criteriosas e, ao mesmo tempo, promover a integração social de maneira responsável e sustentável. Sem essa adaptação, a tendência é que o descontentamento popular continue a alimentar movimentos populistas e extremistas.

A solução para este tipo de problemas - como diz o tal ditado popular "quando apenas se põe trancas na porta depois da casa assaltada já é tarde demais" - reside na prevenção. Esperar até que os danos nos entrem pela casa dentro é um erro estratégico, especialmente em questões de segurança pública, imigração e coesão social. É fundamental estabelecer critérios claros e bem-definidos para as migrações, considerando a capacidade de absorção e a sua integração. O custo para corrigir os problemas depois é imensamente maior – tanto em termos financeiros como sociais. Além disso, a demora em agir fortalece discursos radicais, cria polarizações profundas e enfraquece a confiança nas instituições. Agir preventivamente não apenas protege a sociedade de crises futuras, mas também demonstra liderança responsável e visão de longo prazo, qualidades que são cada vez mais essenciais para governos e líderes políticos no cenário atual. A segurança é um bem coletivo que exige vigilância constante e políticas proativas. O facto de um país ser atualmente seguro não significa que essa condição se mantém para sempre sem esforços contínuos para preservá-la.

O argumento de que "o nosso país é dos mais seguros do mundo" pode até ser factualmente correto, mas ignora a dinâmica de mudanças sociais, económicas e políticas que podem rapidamente alterar-se. Questões como imigração descontrolada, polarização política, crises económicas ou o surgimento de grupos extremistas são exemplos de fatores que podem impactar negativamente a segurança num curto espaço de tempo. Governos que priorizam políticas de segurança estão, na verdade, investindo na manutenção de um estado desejável, o que é precisamente o que a população espera. A segurança é fundamental para o funcionamento saudável de qualquer sociedade, e negligenciá-la numa situação momentaneamente favorável é o equivalente a assobiar para o lado enquanto as fissuras já estão a acontecer na sociedade. 

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