Richard Rorty, um dos principais representantes do novo pragmatismo, buscou integrar as ideias de Quine e Sellars, adaptando-as para a sua visão pragmatista da filosofia. Embora ele não tenha seguido à risca todos os detalhes das abordagens de Quine e Sellars, Rorty utilizou elementos de suas críticas ao empirismo e ao fundacionalismo para desenvolver a sua rejeição à busca de fundamentos epistemológicos fixos. Rorty reconheceu que Quine e Sellars, de maneiras complementares, desmontaram que o conhecimento humano não poderia ser fundado em dados sensoriais "puros" ou verdades inquestionáveis. Ele usou essas ideias como base para propor uma visão pragmatista radical. Rorty sugeriu que não precisamos de fundamentos epistemológicos (como uma teoria objetiva da verdade ou da justificação). Em vez disso, a verdade é aquilo que "funciona" dentro de um contexto linguístico e social. Assim como Sellars, Rorty enfatiza que tudo o que chamamos de conhecimento é mediado por práticas discursivas e normativas, e não por um acesso direto à realidade. Embora Rorty combine Quine e Sellars, ele vai além de ambos, ao abandonar completamente a ideia de que a filosofia precisa buscar uma teoria do conhecimento ou uma definição objetiva da verdade.
Para Rorty, todo o conhecimento é uma questão de vocabulário ou linguagem, e não há um ponto de vista "neutro" a partir do qual possamos comparar nossas crenças com a realidade. Ele rejeita o realismo tradicional e propõe que a verdade é um termo pragmático: aquilo que é útil para uma comunidade discursiva. Essa posição é influenciada por Sellars, que mostrou que nossa percepção do mundo é sempre filtrada por conceitos linguísticos. Enquanto Quine ainda trabalhava no contexto da ciência como critério para justificar crenças, Rorty rejeita até essa noção. Ele argumenta que a ciência é apenas mais uma narrativa ou prática linguística entre outras, sem estatuto privilegiado. A ciência, para Rorty, é bem-sucedida porque funciona no contexto de nossos problemas e interesses, não porque revele uma "verdade última" sobre o mundo. Rorty também desafia a visão tradicional da filosofia como a busca por fundamentos. Para ele, a filosofia deveria ser como uma literatura, servindo para criar novas maneiras de falar e pensar, em vez de tentar resolver problemas epistemológicos insolúveis.Quine ainda mantém um compromisso com o naturalismo científico, tratando a ciência como o melhor método para compreender o mundo. Rorty rejeita essa ideia, argumentando que a ciência não tem mais "autoridade" do que outras práticas discursivas. Sellars tenta preservar um papel normativo para a razão e as justificações, enquanto Rorty abandona completamente a ideia de critérios universais para avaliar crenças. Rorty é profundamente influenciado por Quine e Sellars, mas leva as suas ideias a um extremo pragmatista, transformando-as numa rejeição completa da epistemologia tradicional e da busca por fundamentos filosóficos. Ele combina o holismo de Quine e a crítica ao "mito do dado" de Sellars numa visão que privilegia a linguagem, a contingência histórica e o pluralismo discursivo. Sua abordagem radical redefine o papel da filosofia, convidando-a a abandonar a busca por verdades universais e a abraçar a sua natureza criativa e transformadora.
As ideias de Richard Rorty continuam a ser influentes, mas também bastante controversas, tanto dentro quanto fora da filosofia. Sua abordagem radical ao pragmatismo, particularmente sua rejeição da busca por verdades objetivas ou fundações universais, divide opiniões. A recepção de suas ideias varia amplamente entre diferentes escolas de pensamento e disciplinas. Rorty é visto como um dos principais renovadores do pragmatismo americano, ao lado de figuras como John Dewey e William James. Ele popularizou a ideia de que a filosofia deve abandonar a epistemologia tradicional em favor de um foco nos usos práticos da linguagem e da cultura. Académicos pragmatistas contemporâneos reconhecem sua importância ao ampliar o debate para incluir questões culturais e literárias.
Rorty é frequentemente associado ao pós-modernismo, devido à sua rejeição da objetividade universal e sua ênfase na contingência histórica. Essas ideias ecoam em disciplinas como literatura comparada, estudos culturais e teoria crítica, onde a filosofia de Rorty é frequentemente celebrada por sua ênfase no pluralismo e na criatividade discursiva. Sua visão de que a filosofia é uma conversa contínua, e não uma disciplina em busca de verdades absolutas, influenciou áreas como ciência política, teoria social e estudos culturais. Ele é apreciado por propor uma integração mais fluida entre filosofia e humanidades.
Realistas e naturalistas filosóficos, como Hilary Putnam e Thomas Nagel, criticaram Rorty por abandonar qualquer compromisso com a verdade objetiva. Eles consideram a sua posição excessivamente relativista, com o risco de levar ao ceticismo generalizado sobre o conhecimento e a ciência. Muitos filósofos da ciência criticam Rorty por equiparar a ciência a outras práticas discursivas, sem conceder-lhe nenhum estatuto privilegiado. Embora ele não negue o sucesso da ciência, a sua posição relativista é vista como subestimando a sua capacidade de fornecer explicações robustas sobre o mundo. Alguns pensadores pragmatistas, como Richard Bernstein, consideram que Rorty distorce ou simplifica o pragmatismo clássico ao se concentrar exclusivamente na linguagem e ao abandonar questões éticas e políticas mais profundas. Rorty foi criticado por teóricos marxistas e críticos sociais por sua relutância em engajar-se numa crítica materialista das estruturas de poder. Ele era cético em relação a projetos emancipatórios que reivindicassem uma base objetiva para a sua legitimidade, o que o distanciou de algumas correntes da Teoria Crítica.
Rorty permanece uma figura central em debates sobre pragmatismo, filosofia da linguagem e epistemologia, e suas ideias continuam a ser estudadas e debatidas em muitas universidades. Sua ênfase na linguagem, na contingência e no pluralismo teve um impacto profundo, especialmente na filosofia anglo-americana e nos estudos interdisciplinares. Sua abordagem é frequentemente vista como excessivamente relativista ou como uma espécie de "desistência" da filosofia, especialmente por aqueles que ainda consideram a busca por fundamentos epistemológicos e fundamentos morais como uma tarefa importante. A ascensão de perspectivas realistas contemporâneas, como o novo realismo e o realismo especulativo, desafiou a relevância do relativismo pragmatista de Rorty. As ideias de Rorty continuam a ser amplamente debatidas e inspiradoras, mas polarizam os filósofos e pensadores contemporâneos. Ele é celebrado por sua originalidade e visão interdisciplinar, mas criticado por abandonar compromissos tradicionais da filosofia, como a busca por objetividade e fundamentos robustos. Seu impacto é particularmente forte na filosofia política, nos estudos culturais e na teoria literária, mas é recebido com ceticismo em disciplinas mais voltadas para o realismo ou a ciência.
Muitos cientistas e filósofos de orientação realista criticaram Rorty, acusando-o de relativismo e de negar a noção tradicional de verdade, especialmente no contexto da ciência. Essa percepção decorre principalmente da sua visão pragmatista radical, que rejeita a ideia de a verdade ser objetiva, universal, e independente das práticas humanas. Rorty rejeita a noção clássica de verdade como correspondência entre uma proposição e a realidade. Para ele, "verdade" é um termo útil dentro de comunidades discursivas, mas não implica uma relação direta com um "mundo objetivo". Ele argumenta que a ciência não revela verdades absolutas, mas sim constrói narrativas ou vocabulários úteis para resolver problemas específicos. Ao enfatizar que a verdade é contingente e depende de contextos históricos e sociais, Rorty é relativista, sugerindo que "todas as crenças são igualmente válidas". Embora ele rejeite essa leitura, a sua recusa em propor critérios universais de verdade reforça essa percepção. Muitos cientistas veem a posição de Rorty como uma ameaça à autoridade da ciência, especialmente em tempos de crise como as mudanças climáticas e o aumento do negacionismo científico.
Filósofos como Thomas Nagel e Hilary Putnam acusaram Rorty de minar a confiança na ciência ao tratar a verdade científica como uma construção linguística, e não como um reflexo da realidade. É associado ao pós-modernismo, um movimento acusado de relativismo e de rejeitar a verdade objetiva. Embora ele próprio rejeitasse alguns aspectos do pós-modernismo, a sua crítica ao realismo, e a ênfase na contingência e no pluralismo, são vistas como alinhadas a essa tradição. Putnam argumentou que Rorty exagerava ao tratar a ciência apenas como uma prática social entre outras. Embora Putnam reconhecesse que toda a linguagem é contingente, ele defendia que o sucesso prático da ciência reflete um tipo de correspondência com a realidade, o que Rorty considerava irrelevante. Para Putnam, a abordagem de Rorty arrisca dissolver a distinção entre verdade e consenso social, o que pode abrir espaço para a manipulação ideológica. Nagel criticava a tendência pragmatista de Rorty por desconsiderar a noção de objetividade. Para Nagel, a ciência busca explicações que transcendem a perspectiva humana, e relativizar essa busca compromete o progresso científico.
Muitos teóricos sociais, como Terry Eagleton, criticaram Rorty por evitar um compromisso com fundamentos éticos e políticos. A ausência de critérios objetivos para justificar lutas por justiça ou igualdade é vista como enfraquecendo movimentos progressistas. O marxismo, por exemplo, depende de uma análise objetiva das estruturas económicas e do poder, o que contrasta com a abordagem de Rorty baseada em narrativas contingentes. Com a ascensão da chamada "era da pós-verdade", onde factos objetivos são frequentemente ignorados em favor de crenças pessoais ou políticas, críticos argumentam que o relativismo de Rorty pode ser usado para justificar a manipulação da verdade. Essa preocupação ganhou força com o aumento do negacionismo climático e do ceticismo em relação às vacinas, onde a confiança no consenso científico é crucial. Embora Rorty não defendesse tais posições, sua rejeição de uma verdade objetiva é interpretada por alguns como uma base filosófica para essas práticas.
Michel Foucault e outros pensadores pós-modernos, como Jacques Derrida, compartilhavam com Rorty a crítica ao essencialismo e à verdade objetiva. Embora Rorty não se considerasse um pós-moderno, suas ideias alimentaram movimentos académicos e ativistas que questionam a autoridade epistémica tradicional. A extrema-esquerda usou-o para desafiar instituições como a ciência que são vistas como aliadas da dominação social. Curiosamente, Rorty também rejeitou o marxismo clássico, considerando-o excessivamente ligado à ideia de uma ciência da história ou de uma verdade objetiva sobre a luta de classes. Ele via a própria posição como mais flexível e adaptada ao pluralismo democrático. Embora Rorty fosse um defensor da democracia liberal e crítico da direita, algumas ideias relativistas podem ser manipuladas por narrativas de extrema-direita, especialmente no contexto contemporâneo da "pós-verdade".
A rejeição de verdades universais foi usada pela extrema-direita para justificar posições negacionistas, como o ceticismo em relação à mudança climática e à pandemia. Argumentos de que "toda a narrativa é relativa" ou que "os especialistas têm agendas políticas" ecoam, ainda que de forma deturpada, as ideias pragmatistas de Rorty. Embora ele defendesse a ciência como uma prática útil, a falta de um fundamento absoluto deixou espaço para sua instrumentalização. Movimentos de extrema-direita, como o trumpismo nos EUA, exploraram a desconfiança em relação à objetividade para promover "factos alternativos". A ideia de que a verdade é contingente foi distorcida para minar o consenso em torno de factos básicos. Curiosamente, a extrema-direita também se apropriou da crítica ao universalismo como forma de reforçar identidades particulares (nacionalistas, religiosas ou étnicas). Essa postura ressoa com a rejeição de Rorty ao essencialismo, mas é utilizada para justificar exclusão, em vez de solidariedade.
Paul Feyerabend, conhecido por seu livro Against Method, é frequentemente associado a um relativismo mais radical que o de Rorty, especialmente na filosofia da ciência. "Tudo vale" e "Adeus á Razão": eram os seus slogan preferidos. Feyerabend argumentava que não existe um método científico único ou superior; diferentes práticas culturais podem produzir conhecimento válido. Essa postura associa-se a Rorty, negando a ideia de uma ciência universal. Feyerabend levou essa ideia ainda mais ao extremo. Sua posição foi usada por críticos da ciência ocidental, tanto na extrema-esquerda (como movimentos anticoloniais) quanto na extrema-direita (como negacionistas científicos). Rorty e Feyerabend rejeitavam a ideia de uma "fundamentação" para a ciência, mas Rorty era mais moderado, tratando a ciência como útil e prática, enquanto Feyerabend enfatizava a equivalência entre diferentes formas de conhecimento.
Michel Foucault, um dos principais pós-modernos, compartilha com Rorty a rejeição de verdades universais, mas a sua ênfase está nas relações de poder subjacentes ao conhecimento. Para Foucault, o que consideramos "verdade" é uma construção social moldada por interesses de poder. Essa visão dialoga com a crítica de Rorty à objetividade, mas é dirigida mais para a política. Movimentos de extrema-esquerda adotaram Foucault para questionar instituições como o sistema penal, a psiquiatria e a ciência, vistas como mecanismos de dominação. Rorty não tinha o foco político explícito de Foucault. Ele via a filosofia como uma ferramenta para promover solidariedade e liberdade, enquanto Foucault estava mais interessado em desvelar as estruturas de poder.
Tanto a extrema-esquerda quanto a extrema-direita aproveitaram aspectos do relativismo de Rorty, mas de maneiras diferentes: Extrema-esquerda usou as ideias de Rorty para questionar narrativas hegemónicas, para desconstruir o poder e promover o pluralismo cultural. No entanto, isso às vezes levou a uma rejeição exagerada da ciência e da razão, algo que Rorty provavelmente não endossaria. Extrema-direita: usou a desconfiança da verdade objetiva para minar instituições democráticas, promover teorias conspirativas e justificar "factos alternativos". Essa apropriação foi mais oportunista e menos alinhada com os valores democráticos de Rorty.
O ironismo em Richard Rorty é um conceito chave, especialmente no contexto de sua filosofia pragmatista. Ele o desenvolve para descrever uma atitude filosófica que está enraizada no ceticismo sobre a possibilidade de atingir verdades absolutas ou fundamentais, mas que também abraça a necessidade de se engajar com o mundo de forma prática e ética. O ironista, para Rorty, é uma pessoa que desconfia de todas as crenças e valores que considera absolutos, mas que ao mesmo tempo, não se entrega ao niilismo ou à indiferença. Ao invés disso, adota um compromisso com uma visão do mundo que é contingente e histórica. O ironista reconhece que as crenças e práticas em que acredita são apenas produtos de uma tradição cultural ou de uma determinada narrativa histórica. Não há nada de essencial ou universal nessas crenças; elas são "acidentais", mas, ao mesmo tempo, são as melhores opções que temos para viver uma vida significativa e moralmente boa.
Para o ironista, as suas crenças são instrumentos úteis, e não reflexões de uma verdade universal. Aceita a contingência de suas convicções, sem achar que isso diminui a validade delas para a vida quotidiana. O ironista desapega-se, não se leva a sério, é aquele que percebe que suas crenças não são absolutas. Aceita a ideia de que qualquer sistema de crenças é substituível, que as melhores opções podem mudar com o tempo, à medida que surgem novas narrativas e práticas. No entanto, isso não leva ao pessimismo ou à inação. Pelo contrário, o ironista continua a agir no mundo, a comprometer-se com suas ideias e com os outros, mas sempre com a consciência de que essas ideias são relativas e não definitivas. É um desafio, viver com a consciência da contingência.
O ironista de Rorty, apesar de ser cético sobre as grandes "verdades", não é um nihilista. Acredita que, por não haver uma verdade última, todas as práticas são igualmente válidas ou que devemos desistir de qualquer tipo de moralidade ou ação política. O ironismo de Rorty é uma forma de viver sem dogmas, mas mantendo a capacidade de engajar-se no mundo com um compromisso ético. O ironista também rejeita o fundacionalismo, ou a ideia de que existe uma base sólida e universal para a moralidade ou para o conhecimento. Em vez disso, o ironista aceita que nossas práticas, valores e crenças evoluem com o tempo e são sempre susceptíveis de serem modificadas à medida que novas perspectivas surgem. Para ele, a busca por uma fundação última e indiscutível é fútil e até perigosa.
Viver de forma irónica, então, não é um estado passivo, mas uma prática ativa que envolve um compromisso com o diálogo e com a tolerância. O ironista reconhece a pluralidade de visões de mundo, mas se engaja ativamente na construção de uma sociedade mais justa e democrática, dentro das possibilidades que o momento histórico oferece. O ironismo de Rorty é uma tentativa de equilibrar o ceticismo radical com o compromisso prático. Ele mostra uma maneira de viver ciente da contingência e da falibilidade humana, mas sem cair no relativismo niilista ou na paralisia cética. Para ele, viver ironicamente é aceitar que nossas crenças são provisórias e mudáveis, mas ao mesmo tempo agir com base nelas como se fossem as melhores opções disponíveis, enquanto permanecemos abertos a revisá-las quando necessário. Esse conceito de ironismo, portanto, reflete a flexibilidade e a adaptabilidade que Rorty queria para as pessoas e para as sociedades, incentivando um compromisso ético que não depende de fundamentos absolutos ou verdades definitivas, mas que continua a ser profundamente comprometido com as questões práticas da vida humana.
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