sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O fascínio do esoterismo e das teorias da conspiração


“Vem aí o Diabo” – tem sido uma expressão paradigmática proferida com alguma regularidade por estes dias, no debate da campanha eleitoral em Portugal. Ainda que à primeira vista não tenha nada a ver com a religião, move-se, na tradição da nossa cultura judaico-cristã, intimamente ligada a essa tradição religiosa. Seu arquétipo é o dualismo entre o bem e mal, entre Deus e o Diabo, no cristianismo. Como o Diabo não pode executar todo o mal do mundo, necessita de assistentes – os chamados agentes do mal. 


O esoterismo tem uma longa tradição, e então o último terço do século XIX teve um auspício estrondoso, sobretudo nos salões de gente bem-pensante. Desde essa altura - sempre que o capitalismo e a sociedade ocidental sofriam um revés económico, uma crise financeira, a exposição a forças anónimas e à mão invisível dos mercados - as teorias da conspiração emergiam como cogumelos por todo o lado. E assim se geravam teorias para encontrar os culpados, ou seja, os bodes expiatórios. Ora, o bode expiatório de sempre eram os judeus por causa da sua faceta genética de serem os mais sábios a fazer dinheiro com dinheiro.

Por teorias da conspiração entende-se, no geral, todas as tentativas de explicação do que corre mal no melhor dos mundos possíveis. Estes modelos de compreensão do mundo, que são típicos de pessoas com traços psicológicos tendencialmente paranoicos, e com tendência a se organizarem em sociedades secretas por medo de serem perseguidos por essas forças anónimas do mal, atingiam o seu auge em alturas de recessão e crise.

Independentemente das causas, os esotéricos, pelo caráter epecial do seu pretenso conhecimento, um conhecimento da “verdadeira” verdade que não se deixa enganar pelas forças da ignorância e da cegueira, sentiam-se legitimados quando pertenciam a sociedades secretas, detentoras de conhecimentos privilegiados, só acessíveis a uns tantos eleitos pelo destino. Conhecimento velado por símbolos sagrados vedados ao comum dos profanos. Esta é a visão infantil, que apela a uma das falácias mais recorrentes: a da “autoridade” alegadamente “científica” (dado que a ciência e o método científico é hoje o método racional mais acreditado nas sociedades modernas), mas que se revestem ao mesmo tempo de uma obscuridade impenetrável. No confronto de ideias é assim a sua defesa contra a acusação de paranoia e irracionalidade.

As teorias da conspiração são um truque para reduzir uma realidade complexa a uma fórmula simplista. É o truque da manipulação psíquica com jogos que se alimentam do nosso vulnerável inconsciente, com distorções da perceção da realidade que não pode ser desmontada através da apresentação de factos, porque esse tipo de visão de mundo é construído de forma a não caber a aplicação do método factual.

Há um pântano que tem a ver com a má compreensão da complexa relação que sempre existiu entre o homem, a natureza e o sagrado ou divino. Ao tempo da peste na Europa medieval, os conspiradores eram atribuídos aos judeus e as bruxas. 


No tempo de Filipe o Belo aos Templários. Lançou o boato para que dessa forma pudesse sanear a dívida pública com os bens da Ordem imensamente abastada. 

No tempo do extermínio índio da América do Sul por Castela, foram os Jesuítas os culpados. No século XVII surge a expressão ciências ocultas, cujo sentido de oculto já vinha muito detrás. A Inquisição e a Contrarreforma fizeram o seu trabalho. O ocultismo suscitou um conjunto de ideias nefastas no seio eclesiástico e científico, que colocaram o esotérico no mesmo plano da heresia e da superstição. 

Depois da Revolução Francesa passaram a ser os maçons e outros grupos minoritários considerados excêntricos como os Iluminati o bode expiatório. Na Enciclopédia de 1756, sob orientação de Diderot, o autor qualifica de esotérico o que é secreto na filosofia da Antiguidade, como é o caso dos Mistérios gregos e da ordem mística dos pitagóricos. É nos meios maçónicos e nas sociedades ou ordens secretas mais ou menos próximas da Maçonaria que o termo aparece com mais frequência.

Um bode expiatório atualmente na América do Norte e na Europa são os migrantes do Sul, com a teoria que são eles que roubam os nossos empregos com os baixos salários. A extrema-direita do espetro político europeu aproveita-se deste fenómeno para expressar o seu repúdio pela democracia parlamentar. Em suma, para além do fator psíquico, para satisfação emocional narcisista, as teorias da conspiração que envolvem os judeus como bode expiatório, ainda hoje no Médio Oriente são úteis para justificar que estados económicos e políticos árabes sejam muito fracos, apesar da riqueza do subsolo no qual se assentam. Não existe problema económico, social ou de política externa, nem fracasso individual, que não se deixe explicar com esta simples fórmula.

Mas não podemos negligenciar os efeitos que a intersecção do mito com os arquétipos teve na ascensão da psicanálise no seio da psicologia. E da alquimia sobre as estruturas simbólicas fundamentais do inconsciente, e das estruturas antropológicas do imaginário coletivo. Pierre Riffard, no seu livro O Esoterismo, 1990, afirma que serão precisos vários séculos para que se dissipem os equívocos que rodeiam o termo, tanto no plano da etimologia, como no da sua utilização filosófica e histórica. Num dicionário francês esotérico, um adjetivo que aparece a partir de 1752, significa o que é obscuro nas obras da Antiguidade sem explicação. Opunham-se àquelas obras, principalmente de Aristóteles, a que ele chamava exotéricas.

Antoine Faivre, um historiador francês do esoterismo, maçon da Grande Loja Nacional Francesa, dirigiu desde 1979 a História das Correntes Esotéricas e Místicas da Europa Moderna e Contemporânea. Numa obra publicada em 1986 “Accès de l’ésoterisme ocidental”, Antoine Faivre lança alguma luz sobre os desvios desta conceptualização, bem como sobre as relações complexas e flutuantes que, segundo as épocas e o desígnio dos diferentes pensadores, ligam o esoterismo à questão da Tradição.

Há todo um manancial de teorias acerca das origens do esoterismo. A que tem mais adeptos, e considerada a mais antiga, é baseada nos mitos e mistérios do Egito. A geografia sagrada do Egito assenta numa interpretação simbólica, astrológica e mística. Osíris representa, nos diferentes mistérios, o iniciado, o rei do mundo regressado das trevas. O sentido escatológico e soteriológico do mito marcará profundamente a sapiência bíblica e o pensamento neoplatónico orientalizante de Alexandria, ramo determinante no esoterismo ocidental.

Por outro lado, há vários documentos escritos que testemunham a presença de religiões de mistérios, e de seitas iniciáticas na Grécia. Aqui são evocados oráculos, augúrios, cultos e mistérios, conforme especificidades locais. O mito de Orfeu e as práticas iniciáticas daí decorrentes, foram recebidos como legado de um esoterismo. Mistérios órficos comparáveis aos de Elêusis. Não pode ser negligenciada a sua contribuição para correntes determinantes do esoterismo: hermetismo, amor cortês, soteriologia dos mitos do Graal, e dos romances do século XII, platonismo renascentista, etc.


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