O termo “código”
deve ser dos mais abrangentes que há. Aplica-se de uma forma tão ampla que é
difícil em pouco tempo percorrê-los a todos. É provável que, desde o início do
comportamento humano reconhecível, a codificação tenha sido fundamental a todos
os grupos humanos, tal como o é agora. Viajando para trás no tempo, vamos até ao
primeiro homo sapiens, altura em que a nossa espécie deve ter começado a
falar. Por estimativa digamos que foi há 350 mil anos.
É claro que
enquanto crianças, antes de começarmos a falar, já conseguimos descodificar
algumas coisas que nos rodeiam. Mas convenhamos que é muito rudimentar.
Aprender uma língua é um processo codificado altamente complexo, que envolve
não apenas o domínio de um conjunto de sons, mas também as regras que os regem,
a par de todos os gestos, entoações e expressões faciais.
Desde o início dos
tempos, os humanos desenvolveram a capacidade de compreender o significado dos
padrões naturais que a natureza lhes apresentava. Um dos primeiros exemplos é o
da caça a animais selvagens. O caçador tinha de saber interpretar diversos
sinais referentes aos animais, desde os seus hábitos até às pegadas. Rastos,
pegadas, resíduos, cheiros – são todos índices de alguma coisa que por lá
passou deixando suas marcas.
Em todos os tempos, grupos humanos constituídos em
sociedade sempre recorreram a outros meios de comunicação diversos da linguagem
verbal, desde os desenhos nas grutas de Lascaux (As pinturas rupestres de
Lascaux, França, têm cerca de 17.000 anos), aos rituais, danças, músicas,
cerimoniais, jogos… Nós Petróglifos primitivos encontramos sinais de vários
tipos geométricos e pictogramas de figuras humanas e de animais, a que chamamos
arte rupestre. Manifestação artística em pinturas, esculturas, poética,
cenografia etc. E, quando consideramos a linguagem verbal escrita, esta também
não conheceu apenas o modo de codificação alfabética criado e estabelecido no
Ocidente a partir dos gregos. Há outras formas de codificação escrita,
diferentes da linguagem alfabeticamente articulada, tais como hieróglifos,
pictogramas, ideogramas, formas estas que se aparentam com o desenho.
Portanto, desde o
começo dos tempos que temos de saber descodificar o nosso ambiente físico para
sobrevivermos. A sobrevivência implica decifrar sinais como, por exemplo,
rastos de animais, saber ler a paisagem e o clima, e por aí fora até aos dias
de hoje, com sinais de trânsito, saídas de emergência, cartazes publicitários…
enfim, até sinais secretos característicos de muitos grupos humanos.
O nosso estar-no-mundo,
como indivíduos sociais que somos, é mediado por uma rede intrincada e plural
de linguagem, isto é, comunicamos também através da leitura e/ou produção de
várias formas: imagens, gráficos, sinais, setas, números, luzes... Através de
objetos, sons musicais, gestos, expressões, cheiro e tato, através do olhar, do
sentir e do apalpar. Somos uma espécie animal tão complexa quanto são complexas
e plurais as linguagens que nos constituem como seres simbólicos, isto é, seres
de linguagem. Em termos mais latos, o pensamento é entendido como um processo
simbólico. Não se trata apenas de exteriorizar o pensamento através de uma
língua falada, mas também de analisar os elementos e os processos simbólicos
reais e possíveis.
Santo Agostinho estudou
o signo na esteira do que já haviam feito os estoicos. E enquadrou-o em
dois planos: o semântico e o comunicacional. Ao apresentar-se diretamente
aos sentidos, o signo oferece mais que a sua presença, algo que não
passa pelos sentidos.
Hoje a semiótica
é uma ciência com os mesmos pergaminhos das outras ciências desde Ferdinand
de Saussure e Charles Sanders Peirce. Mas enquanto em Saussure
a semiologia é a ciência geral dos signos no contexto da
psicologia social e dos signos linguísticos, em Peirce tudo é integrável
no espaço ilimitado da semiosis desde que haja um intérprete. Em Peirce,
o signo é fundamentalmente um processo de mediação, e abre, portanto, para uma
dimensão de infinitude. Semiótica, ciência de toda e qualquer linguagem.
Há inegavelmente
diferenças entre a semiologia enquanto tradição da semiótica europeia contemporânea
e a semiótica enquanto tradição da semiótica anglo-saxónica contemporânea. Umberto
Eco fala mesmo de teóricos da primeira geração e teóricos da segunda
geração: "Os teóricos da primeira geração partem de Saussure e defendem
uma linguística da frase e do código. Os teóricos da segunda geração partem de
Peirce e caracterizam-se pela capacidade de articularem um estudo da língua
como sistema estruturado que precede as atualizações discursivas e um estudo
dos discursos e dos textos como produtos de uma língua já falada". As
diferenças objetivas entre semiologia e semiótica assentam em duas tradições
diferentes: a tradição linguística e a tradição filosófica.
Em síntese: existe
uma linguagem verbal, linguagem de sons que veiculam conceitos e que se
articulam no aparelho fonador, sons estes que, no Ocidente, receberam uma
tradução visual alfabética (linguagem escrita), mas existe simultaneamente uma
enorme variedade de outras linguagens que também se constituem em sistemas
sociais e históricos de representação do mundo.
Portanto, quando
dizemos linguagem, queremos nos referir a uma gama incrivelmente intrincada de
formas sociais de comunicação e de significação que inclui a linguagem verbal
articulada, mas absorve também, inclusive, a linguagem dos surdos-mudos, o
sistema codificado da moda, da culinária e tantos outros. Enfim: todos os
sistemas de produção de sentido através de códigos. Nessa medida, o termo
linguagem se estende aos sistemas aparentemente mais inumanos como as
linguagens binárias de que as máquinas se utilizam para se comunicar entre si e
com o homem, até tudo aquilo que, na natureza, fala ao homem e é sentido como
linguagem.
A vida está necessariamente ligada a uma
linguagem, a uma ordenação obtida a partir de um compartimento armazenador da
informação: o ADN. Desde a descoberta da estrutura química do código genético,
nos anos 50, aquilo que chamamos de vida não é senão uma espécie de linguagem,
isto é, a própria noção de vida depende da existência de informação no sistema
biológico. Sem informação não há mensagem, não há plano nem reprodução, não há
mecanismo de controle e comando. Portanto, os dois ingredientes fundamentais da
vida são: energia (que torna possíveis os processos dinâmicos) e informação
(que comanda, controla, coordena, reproduz e, eventualmente, modifica e adapta
o uso da energia). Sem a linguagem seria impossível a vida, pelo menos como a concebemos
nos dias de hoje. Nessa medida, não apenas a vida é uma espécie de linguagem,
mas também todos os sistemas e formas de linguagem tendem a se comportar como
sistemas vivos, ou seja, eles reproduzem, se readaptam, se transformam e se
regeneram como as coisas vivas.
Outro tópico a
considerar é o de fenómeno. Entende-se por fenómeno qualquer coisa que esteja
de algum modo e em qualquer sentido presente à mente, isto é, qualquer coisa
que apareça, seja ela externa, seja ela interna ou visceral, uma expectativa ou
desejo, quer pertença a um sonho, ou uma ideia geral e abstrata da ciência. A Fenomenologia
seria, segundo Peirce, a descrição e análise das experiências que estão em
aberto para todo o homem, cada dia e hora, em cada canto e esquina do nosso quotidiano. Fenómeno é tudo aquilo que aparece à mente, corresponda a algo real
ou não. Qualidade de sentir é o modo mais imediato, mas já mediatizado.
Sentimento é, pois, um quase-signo do mundo: nossa primeira forma rudimentar,
vaga, imprecisa e indeterminada de predicação das coisas.
Mas a qualidade (quale) é
apenas uma parte do fenómeno, visto que, para existir, a qualidade tem de estar
encarnada na matéria. A factualidade do existir está nessa corporificação
material. Falar em pensamento, no entanto, é falar em processo, mediação
interpretativa entre nós e os fenómenos. É o terceiro estádio da dialética: agir,
reagir, interagir e fazer são modos marcantes de uma síntese intelectual, o
pensamento em signos através do qual representamos e interpretamos o mundo.
Nessa medida, o
simples ato de olhar já está carregado de interpretação, visto que é sempre o
resultado de uma elaboração cognitiva, fruto de uma mediação que possibilita a nossa
orientação no espaço por um reconhecimento e assentimento diante das coisas que
só o signo permite.
O signo é uma
coisa que representa uma outra coisa: o seu objeto. Ele só pode funcionar como
signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa
diferente dele. Ora, o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do
objeto. Portanto, ele só pode representar esse objeto de um certo modo e numa
certa capacidade. Por exemplo: a palavra casa, a pintura de uma casa, o desenho
de uma casa, a fotografia de uma casa, o esboço de uma casa, um filme de uma
casa, a planta baixa de uma casa, a maquete de uma casa, ou mesmo o seu olhar
para uma casa, são todos signos do objeto casa. Não são a própria casa, nem a
ideia geral que temos de casa. Substituem-na, apenas, cada um deles de um certo
modo que depende da natureza do próprio signo. A natureza de uma fotografia não
é a mesma de uma planta baixa.
Ora, o signo só
pode representar o seu objeto para um intérprete. Ao representar produz na
mente do intérprete um quase-signo, naturalmente o objeto mediado pelo signo. Em
Peirce existe a noção de interpretante. Não é o intérprete do signo, mas um
processo relacional que se cria na mente do intérprete. A partir da relação de
representação que o signo mantém com o seu objeto, produz-se na mente
interpretadora um outro signo que dá o significado do primeiro signo.
Portanto, o significado de um signo é outro signo (seja este uma imagem mental,
uma palavra, ou mesmo uma emoção. Ao ouvirmos uma peça de música, se não somos músicos
profissionais, a audição dessa música não produzirá em nós senão uma série de
qualidades de impressão, isto é, sensações auditivas, viscerais e possivelmente
correspondências visuais a que podemos resumir numa emoção, e que os últimos filósofos analíticos deram o nome de qualia.
Sem comentários:
Enviar um comentário