sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O esoterismo dos primeiros cristãos

Como acontece muitas vezes, comecei pela Wikipédia. Logo de início aparece uma nota a chamar a atenção para não confundirmos com “exoterismo”. Continuando a googlar, resolvi parar na Nova Acrópole, que se identifica assim: “A Nova Acrópole é uma Organização Internacional (O.I.N.A.), com sede em Bruxelas, que congrega as associações dos diferentes países que aderiram à sua Carta Fundacional e aos seus princípios de ação. A Nova Acrópole é uma associação internacional sem fins lucrativos, reconhecida pelo real decreto de 12 de fevereiro de 1990 n.3/12-941/S, segundo a lei de 25/10/19 do Reino da Bélgica”. Uma organização internacional que em Portugal tem vários centros espalhados por algumas cidades.

No sítio da Nova Acrópole de Lisboa, o programa de atividades apresenta: que no mês de julho, se havia realizado no dia 27, uma conferência proferida por José Carlos Férnandez (escritor e diretor da Nova Acrópole em Portugal), subordinada ao tema: “Os ensinamentos esotéricos de Jesus – Os textos gnósticos de Nag Hammadi”. Inscrição 30€; e no mês de setembro se realizará uma conferência no dia 21 proferida por Emília Ribeiro (formadora da Nova Acrópole Lisboa) sobre “As Cartas de Séneca a Lucílio”. Local: Biblioteca Municipal de São Lázaro (Rua do Saco, 1 / 1169-107 Lisboa. Freguesia de Arroios) Participação gratuita mediante inscrição.

A organização está firmada na existência de uma filosofia universal, que estaria por trás de todas as religiões e movimentos esotéricos. Intensifica os seus estudos não apenas na filosofia clássica, mas também na simbologia, e antropologia religiosa. A organização vem sendo consistentemente acusada, por académicos da ortodoxia científica, de fomentar o espírito de seita, como uma fachada para grupos extremistas de direita.

Seja como for, a organização bate-se pela promoção do ideal de fraternidade, respeito pela dignidade humana independentemente de raça, sexo, religião e culturas; pelo mor à sabedoria com o estudo comparado de religiões, filosofias, artes e ciências; desenvolver o melhor do potencial humano, promovendo a realização do ser humano como indivíduo e sua integração na sociedade e na natureza, como elemento ativo e consciente para melhorar o mundo. Além dos cursos regulares de filosofia em workshops, a organização também está envolvida em atividades sociais e filantrópicas. Assim como em campanhas de solidariedade e resgate de refugiados, limpeza de matas, parques, praias e monumentos. 


A história do cristianismo nos seus primeiros séculos foi bastante atribulada, se é que alguma vez o não foi. Incontestavelmente, o cristianismo primitivo é de essência judaica. E foi desta forma que o perceberam todos os contemporâneos gregos e romanos. Plínio o Jovem testemunha-o quando fala da seita abominável dos cristãos, numa carta dirigida ao imperador para denunciar práticas vergonhosas atribuídas sem fundamento aos discípulos de Jesus. Efetivamente, o cristianismo, sobretudo nos primeiros séculos da nossa era, é apenas uma mensagem, não constituindo ainda uma igreja universal dotada de uma doutrina obrigatória. Esta mensagem foi vivida de maneira nem sempre igual, segundo as motivações e as crenças de cada um.

No período em que Jesus andou a agitar as consciências dos Judeus, acerca da sua doentia leitura literalista da Bíblia, em vez de alegórica, a Palestina estava sob domínio romano. Roma não tolerava esses propósitos do Nazareno, não pela parte religiosa, isso era-lhes indiferente, mas porque punha em causa a autoridade e a ordem pública estabelecida. Daí que o tenham crucificado como um bandido, sem nunca poderem adivinhar o que viria a acontecer depois da sua morte, quando Roma se tornou o centro da cristandade.

Pelo lado dos Judeus, e quando falo dos Judeus refiro-me mais aos Saduceus, os que detinham o poder sacerdotal. Os Judeus estavam divididos em várias tendências: para além dos Saduceus formalistas havia os Essénios, que eram místicos; os Fariseus, que eram ressurreicionistas; os Nazarenos, que provavelmente eram uma fação dissidente dos 
Essénios; e os Zelotas, que eram partidários de uma luta armada independentemente da doutrina.

Portanto, o contexto inicial do cristianismo é puramente judaico, que se difundiu para fora da Palestina no amplo mundo das múltiplas sensibilidades de povos sob os domínios do Império Romano. E o caso mudou completamente de figura quando Constantino institucionalizou o Cristianismo como a religião oficial de Roma. Aqui chegados, os romanos não estiveram com meias medidas, culparam os Judeus pela morte de Jesus (Nesta altura mais Cristo do que Jesus por ser Deus). Estes romanos descendentes dos outros romanos que crucificaram Jesus, agora cristãos, não se podiam considerar a si próprios uns deicidas. Foi assim que nasceu o antissemitismo que tantas dores de cabeça nos tem dado aqui no Ocidente. Ciclicamente, aparentemente vindo do nada, o antissemitismo varre judeus com a força dos ventos ciclónicos. Por outro lado, é insustentável a versão de que Jesus é herdeiro de uma longa linhagem bíblica que remonta à Casa de David. E outra tese de que Jesus não era judeu, mas galileu, isto é da Galileia, forma cabalística da onomástica por via fonética, para insinuar que Jesus era gaulês, segundo as epístolas de São Paulo quando falava aos Gálatas.

No período de decadência, o Império Romano do Ocidente é já um melting-pot de tradições extremamente diversas e antigas, onde proliferaram seitas fanáticas que se digladiam violentamente entre si para a tomada do poder. Refiro-me ao que veio a resultar na estrutura mais política que religiosa do Vaticano, e que veio a ocupar o lugar deixado vago pela figura do imperador em Roma. O Catolicismo, passava a ser, por conseguinte, uma estrutura política carregada de absurdos teológicos.

Mas também havia seitas de cariz mais espiritual, que passaram a ser conhecidas através dos ditos evangelhos apócrifos, à volta do neoplatonismo ou gnosticismo, produtoras, portanto, do cristianismo esotérico. A bacia mediterrânica é um mosaico de povos semitas, egípcios e indo-europeus no período dos dois primeiros séculos desta era, chamado Helenístico, particularmente no Mediterrâneo Oriental, cujo epicentro é a cidade de Alexandria onde a língua franca é o grego. Da religião clássica dos gregos sobreviveram as religiões de mistérios: os rituais eleusianos sob o patrocínio da deusa-mãe Deméter; os mistérios de Ísis e Osíris; os zeladores da Cibele mostravam como Atis morria e renascia a cada primavera; os nostálgicos de Orfeu descreviam o universo como uma luta entre Ahriman e Ahura-Mazda; os servidores do tauróbolo demonstravam que Mithra tinha nascido numa gruta da terra-mãe que era virgem, e afirmavam que Mithra, após ter triunfado sobre o touro, símbolo das forças instintivas animalescas, havia-se convertido em Sol Invictus; os pitagóricos procuravam o número de ouro e colocavam nos astros a permanência passada e futura das almas; os neoplatónicos acentuavam o alcance da alegoria da caverna e valorizavam mais do que nunca o mundo das ideias puras; os gnósticos de todas as vertentes denunciavam a usurpação do Grande Arconte em detrimento da Pistis Sophia.

Para o Catolicismo todo e qualquer outro ponto de vista passa a ser considerado herético. E a história passou a saber o que significavam as heresias para os Católicos, e a conhecer como eram resolvidas. Em 382 a Igreja decretou a pena de morte para os hereges. E Santo Agostinho era a favor.

Patrícios romanos tornaram-se bispos por uma questão económica, da mesma forma que nos séculos depois do primeiro milénio d.C. os lugares cimeiros na hierarquia católica eram muito cobiçados pelas famílias nobres. Mas a partir do momento em que o bispo de Roma afirmou a sua presença, e em que à volta dele se constituiu uma hierarquia ciosa das suas prerrogativas, o dogma tornou-se unitário, o ritual comum, a administração centralista. Já em conflito com os cristãos do oriente, que até ao século XI não se separam, a Igreja Romana devia afirmar a sua personalidade e para isso, não apenas manifestar um imperialismo conquistador, mas eliminar qualquer tentativa de heterodoxia, devendo fazer passar estas tentativas por heresias abomináveis.

Um evangelho apócrifo é o evangelho de São Tomé. Nele Jesus afirma: “se não vos conhecerdes, então estareis na pobreza”. Isto é gnóstico, em que o caminho de cada discípulo é despertar Cristo dentro de si, para chegar ao Pai. Todo o cerimonial cristão hoje praticado teve de introduzir, para sobreviver, elementos das religiões pré-cristãs. Um dos casos que conhecemos bem no Norte de Portugal e Galiza é o do Cristianismo Celta. Por outro lado, hoje sabe-se que os Nazarenos eram uma confraria iniciática, gnóstica, ligada ao cristianismo primitivo e relacionada com os Essénios. No Ato dos Apóstolos tanto Jesus como São Paulo são apelidados de Nazarenos. No entanto, não existem quaisquer indícios de haver na época uma cidade chamada Nazaré.


O cristianismo popular no caso da tradição celta, é preciso lembrar que as histórias escritas que se conhecem, em que o acervo principal diz respeito às sagas irlandesas, foram redigidas na era cristã, porque como sabemos, os celtas não tinham escrita nem queriam saber escrever. A sua tradição assentava na oralidade e numa forma especial de memória. É por essa razão que o conhecimento do druidismo, a religião que precedeu o cristianismo no noroeste da Península Ibérica, é necessário para compreender o cristianismo nas terras por onde os celtas andaram. Mas tiremos o cavalinho da chuva, porque pouco vamos saber o que era afinal o druidismo. A Igreja romana não podia tolerar a existência de comunidades célticas independentes e, de certa forma, autogeridas. E como o poder espiritual da Igreja romana se confundia cada vez mais com o poder temporal, a luta empreendida por Roma contra as cristandades célticas tomou um cariz político.

O cristianismo celta, com as suas particularidades bem marcadas, nasceu de circunstâncias muito precisas suscitadas pelo facto de a Irlanda ter ficado completamente fora do Império Romano e por essa razão não ter sido afetada nem pela romanização, nem pela primeira vaga missionária dos discípulos de Cristo. Todo o ciclo do Graal é efetivamente um ensaio de síntese entre tradição druida e tradição judaico-cristã. Tudo isso, apesar de envolto no nevoeiro dum imaginário desenfreado, deve, contudo, corresponder a uma certa realidade profunda. O primeiro ponto de concordância é de ordem histórica, ou melhor, mítico-histórica, ligado ao tema do Graal. Há na tradição gnóstica a personagem de José de Arimateia que no momento da descida da cruz teria recolhido o sangue de Cristo nu cálice de esmeralda talhado na pedra luminosa que se encontrava outrora na testa de Lúcifer.

A identidade e a especificidade de uma civilização, antiga ou moderna, só se torna reconhecível no caso de nela se encontrar uma tradição transmitida de geração em geração e que lhe sirva de testemunho essencial. Esta tradição agrega a memória de um povo ou de um grupo de povos que vivem em condições equivalentes ou semelhantes. Ora, ficou assente de forma definitiva na nossa cultura que a História, que é a história da humanidade, só é digna desse nome depois da escrita. Ou seja, sempre se privilegiou a escrita, por esta ser o meio mais seguro e mais fiel para conservar a memória do passado. É por isso que a tradição celta envolve uma grande dificuldade de abordagem quando se está limitado à tradição oral e aos vestígios materiais, seja em objetos das mais diversas utilizações, sejam em vestígios de monumentos e de traços simbólicos gravados nas pedras que o tempo preservou.

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