quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Passeando por Braga e arredores de antigamente


Não será boa ideia andar pelas estradas dos arredores de Braga quando o trânsito não flui. Mas é preciso arriscar. Vamos então passar pelo Núcleo Museológico de Dume, onde avultam vestígios arqueológicos da Basílica Sueva do tempo de São Martinho, o de Dume, onde se encontra o Sarcófago do mesmo. Tomámos o caminho de Frossos na estrada para Tibães, e não resistimos parar quando vimos a Capela de São Frutuoso de Montélios. É de destacar o contributo que São Martinho e São Frutuoso deram, durante o domínio suevo e visigótico (séc. V a VIII) à fundação de dois dos mais antigos mosteiros documentados no atual território português: O de Dume e o de São Salvador de Montélios. 




Esta capela é um exemplar único da arte romano-bizantina no país e é considerado um dos mais fascinantes monumentos da Alta Idade Média da Península Ibérica. A data de construção não está esclarecida. Se durante algum tempo se pensou estar diante da capela-mausoléu de São Frutuoso, hoje são mais fortes os argumentos que apontam para uma cronologia a rondar os inícios do século X, quando o culto do bispo foi renovado, no âmbito do repovoamento de Afonso III. O Convento de São Francisco, do século XVII, manteve a capela como anexo. Apresenta uma planta centralizada, de quatro absides articuladas em redor de um cruzeiro quadrangular. À sua volta existia um conjunto monástico bem maior, centro religioso da região neste período, mas que terá sucumbido, muito provavelmente no início do século XVI, quando se procederam às obras de reedificação do Mosteiro por parte dos franciscanos. O debate entre "visigotistas" e "moçarabistas" estendeu-se ao restauro do conjunto. Numa primeira fase, e sob o comando de João de Moura Coutinho, o monumento foi intervencionado tendo como modelo as construções tardo-antigas de Ravena. Para isso, chegaram a reproduzir-se elementos decorativos, iguais a outros aparecidos aquando da desmontagem de numerosas construções adjacentes. Apesar das posteriores tentativas, o restauro nunca foi concluído, ficando a obra inacabada ao nível das coberturas e de alguns enchimentos das paredes, facto ainda hoje bem visível para quem visita a capela. Na sua pequenez, Montélios é um dos mais fascinantes monumentos altimedievais peninsulares, simultaneamente aparentado com obras mediterrânicas dos séculos V-VI e IX-XI. Independentemente dos rumos futuros da historiografia, permanecerá como obra incontornável nos estudos dedicados à Alta Idade Média ocidental.

Começando pelo lado menos simpático de São Martinho de Dume, é preciso dizer que ele se notabilizou no combate à heresia do Priscilianismo. E foi, de facto, eficaz na conversão das elites suevas ao rito católico, em detrimento do que haviam escolhido primeiro: o rito Ariano, tem a ver com Ário, o presbítero cristão de Alexandria dos primeiros tempos do cristianismo primitivo. O arianismo não subscrevia a Santíssima Trindade. Jesus então, seria subordinado a Deus Pai, sendo Ele (Jesus) não o próprio Deus em si e por si mesmo. Segundo Ário, só existe um Deus e Jesus é seu filho e não o próprio Deus. Ao mesmo tempo afirmava que Deus seria um grande eterno mistério, oculto em si mesmo, e que nenhuma criatura conseguiria revelá-lo, visto que Ele não pode revelar a si mesmo. "O Deus de Ário é, assim, um Deus desconhecido, cujo ser se acha oculto em eterno mistério". Em 325, no Concílio de Niceia, o arianismo foi condenado como heresia. Ele também manteve um controlo apertado sobre as tradições celtas, pagãs aos olhos dos católicos. Daí ter emitido uma espécie de carta apostólica paulista “De Correctione Rusticorum”.




Hoje, o “Túmulo dito de São Martinho de Dume” encontra-se no Museu Arqueológico de Dume, situado na paróquia de Dume em Braga, depois de terem sido feitas escavações arqueológicas no local entre 1987 e 1991. Foram então colocadas a descoberto importantes vestígios da época de São Martinho de Dume. Era aí que se situava uma basílica cristã que havia sido mandada construir pelo rei suevo Charrarico, em meados do século VI. Ao lado também faz parte o Mosteiro fundado por São Martinho de Dume, em cima de parte do que havia sido uma villa romana. 









Em Tibães, o que lá está agora é do Estado, um final feliz resultado de muitas vicissitudes e recuperações. Lembro-me de ter andado pelo Mosteiro de Tibães em 1970/71, pela mão do nosso amigo Fernando Araújo, que agora muito me honra e anima com as visitas que me faz aqui. Fomos lá muitas vezes a bailaricos que eram consentidos generosamente “pro bono” pelas/os filhas/os da proprietária que eram nossas/os amigas/os. Já era bem nítida a delapidação, a ruína e abandono, mas nós não nos importávamos. Nessa altura, comentários acerca da preservação de joias com valor patrimonial incomensurável, não fazia parte das nossas preocupações. Nos tempos áureos Tibães chegou a ser um dos mais ricos e poderosos mosteiros do norte de Portugal, sobretudo na altura em que foi a Casa-Mãe de todos os mosteiros beneditinos. É preciso saber que o primitivo mosteiro viu as suas fundações nos finais do século X.



No regresso para casa, ainda tivemos tempo de passar pela rua do Raio para ver a Fonte do Ídolo de Bracara Augusta, do tempo do Império Romano inserida numa região chamada Galécia. A Fonte do Ídolo fazia parte de um santuário dedicado ao culto a Tongoenabiago, um deus da Fonte do Juramento. Consiste numa fonte de água com inscrições e figuras esculpidas num afloramento natural de granito. Uma inscrição indica que um indivíduo de nome Célico Fronto, natural de Arcóbriga, mandou fazer o monumento. Perto dessa inscrição encontra-se uma figura vestida com uma toga, que poderia representar o dedicante. Ao lado, sobre a fonte de água, encontra-se outra figura esculpida: um busto, erodido, dentro de um nicho de perfil clássico com uma figura de uma pomba no frontão. Perto dessa figura existe também outra inscrição com o nome do dedicante e o nome da divindade Tongoenabiago, que provavelmente é representada pela figura do nicho. 


O Balneário Pré-Romano de Bracara, hoje situa-se onde é a Estação de Caminhos de Ferro de Braga. Naquele tempo situava-se a 300 metros da que veio a ser a muralha da cidade romana de Bracara Augusta. Segundo os arqueólogos foi construído durante o período pré-romano. O balneário era semienterrado, típico da cultura castreja, de paredes em pedra e o teto em lajes de pedra que encaixavam nas paredes exteriores e numa viga central de madeira. O interior estava dividido em três zonas, uma sala de sauna, um forno e uma sala intermédia de transição. Entre a sala intermédia e a sala de sauna existe uma grande laje com uma abertura semicircular, abertura que permitiria a entrada e saída da sala de sauna. A laje destinava-se a reter o calor proveniente da sala de sauna. No exterior existe um pátio com uma pia. A água provinha de uma linha de água que descia do atual centro da cidade até ao rio Cávado. A água que corria no pátio era destinada a banhos frios e lavagens. Dentro do balneário, colocavam-se pedras de pequenas dimensões ou seixos no forno, onde eram aquecidas a fim de provocar, juntamente com água, os vapores que eram conduzidos para a sala de sauna. 




Para completar este roteiro finalizo com as Termas Romanas. Antigamente as Termas Romanas eram vastos edifícios públicos preparados para proporcionar aos habitantes ou visitantes da cidade a possibilidade de tomar o seu banho de acordo com as regras prescritas pela medicina da época. Segundo estas, o banhista devia começar por untar o corpo com óleos e praticar alguns exercícios. Entrava depois numa sala muito aquecida, o sudatório, onde transpirava abundantemente. Passava então ao caldário, sala ainda aquecida, onde podia lavar-se e retirar os restos de óleo. Depois de uma curta passagem pelo tepidário, mergulhava na piscina do frigidário, cuja água gelada lhe revigorava o corpo, sendo em seguida massajado e untado de óleos aromáticos. A área escavada das termas ocupa cerca de 850 metros quadrados. Estas termas eram, todavia, mais vastas, como se pode ver pela presença do hipocausto e piscina a sul, separados do restante corpo do edifício por um estreito corredor. De acordo com o espólio encontrado, terão sido construídas nos finais do 1º século desta era, restando desta fase o testemunho das quatro salas quentes cujos hipocaustos se encontram relativamente bem conservados. Não se conseguiu ainda definir o seu circuito interno nem a função de alguns dos seus compartimentos anexos. Em finais do século IV e início do século seguinte, o edifício sofreu uma grande remodelação e a sua superfície foi muito reduzida.



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