sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Bezos – Pressionar o botão e já está



Na classificação da revista Forbes para as pessoas mais ricas do planeta, Jeff Bezos já tem ocupado o primeiro lugar com uma fortuna em 2017 avaliada em 112.000 milhões de dólares. Isto vale o que vale. Donald Trump não demorou a vir dizer que a Amazon, empresa fundada por Bezos e da qual é presidente, precisava de estar mais em dia com os seus impostos. Dizem, no entanto, que esta investida de Trump não tinha nada a ver com a verdade e que não passa de mais uma espécie de vingança política por parte de Trumpcódigos, mentiras e juramentos. Diz-se que a mentira é mais antiga que o homo sapiens. Isto é, antes dos animais falarem. No entanto, foi bom, desde que se começou a falar. Para além de termos a fraude e o engano, também temos os contos à volta da fogueira, as novelas e os romances, o cinema, em suma, o bom que a civilização tem.

O gosto pela mentira começa desde logo na criança sapiens, já para não falar no chimpanzé, que mal ensinado a utilizar uma linguagem de sinais tenta de imediato enganar os seus treinadores mentindo. Portanto, a mentira é um fenómeno pré-humano muito mais primitivo. Exceder os outros pela astúcia, faz parte da adaptação à sobrevivência regulada pelos genes. O juramento, portanto, também é muito antigo. Encontram-se juramentos em todos os povos e em todas as culturas. Nenhum contrato, nenhum tratado se celebra sem que haja um juramento. Esta é a circunstância em que religião, moralidade e lei, marcam claramente um ponto de encontro. Serve para dizer a verdade e nada mais do que a verdade, sem truques nem distorções através de elaborações fantásticas …

Esta é a terceira vaga pós-histórica da sociedade eletrónica de virtual para virtual, de máquina para máquina. Uma sociedade virtual, onde o indivíduo é controlado por implacáveis algorítmos, dependência de tal forma subtil que as seculares formas de comunicação parecem pré-históricas. É claro que como será muito difícil abolir a nossa base biológica da vida, vamos ter que enfrentar períodos de retrocesso, seja pela ação de fundamentalistas, seja mesmo por renascimento do primitivismo, para depois voltarmos a ter um maravilhoso mundo novo. Mesmo num mundo dominado por uma tecnologia que não veio de Marte, é nossa, a dada altura os seres humanos do futuro não vão aceitar, facilmente, as construções de sentido que remetem unicamente para a realidade virtual.

A segunda vaga foi quando se inventou a escrita há 5.000 anos, e se criou uma nova forma de objetividade. Os rituais de validação, e os juramentos em particular, vieram a poder fazer-se por outros meios: os documentos escritos. A escrita reduziu drasticamente a necessidade de interpretação de sinais, bem como o recurso a experiências paranormais de êxtase e de misticismo. No entanto, num mundo cheio de acontecimentos desconcertantes: escândalos e de fraudes, é difícil abandonar as antigas formas de construção do sentido.

Bezos, no que toca à sua empresa, é um porta-voz extremamente prudente. Quando se trata dos detalhes dos seus planos, ele é como uma esfinge. Guarda para si os pensamentos e as intenções e é um enigma na comunidade corporativa de Seattle e na indústria tecnológica como um todo. Ele raramente fala em conferências e não dá muitas entrevistas. Mesmo aqueles que o admiram, e acompanham a história da Amazon, tendem a pronunciar o seu nome de maneira errada: “Bei-zos” em vez de “Bi-zos”.

Bezos, em reuniões de trabalho na Amazon, ou quando recebe alguém para entrevistarecebe as pessoas à volta de uma mesa grande que foi feita de meia dúzia de tábuas que já foram portas, do mesmo tipo de madeira clara que Bezos usou vinte anos antes, no começo da Amazon em sua garagem. As mesas de portas costumam ser usadas como símbolo da eterna frugalidade da empresa. Muita coisa foi dita ao longo dos anos sobre as gargalhadas de Bezos, um relincho assustador dado com a inclinação do pescoço para trás de olhos fechados, “mais parecendo um rugido de hipopótamo em acasalamento misturado com o som de um martelo pneumático”. Uma maneira de rir que deixa qualquer pessoa desconfortável. De certa forma, a gargalhada de Bezos é um mistério que ainda não foi desvendado: ninguém espera que uma pessoa tão focada tenha uma risada assim. Muitos colegas insinuam que, de certo modo, isso é intencional. Longe vai o tempo em que Bezos apresentava um ar pálido e excesso de peso. Agora ele está em boa forma, transformou o seu físico da mesma maneira que fizera com a Amazon. Até a cabeça raspada de um cabelo a caminho do careca, lhe dá uma aparência elegante, a lembrar um dos seus heróis de ficção científica – Jean-Luc Picard de Star Trek: The Next Generation. 



A Amazon ocupa uma dúzia de prédios despretensiosos a sul do lago Union, em Seattle — um lago pequeno e de água doce proveniente de um glaciar, ligado por canais ao estreito de Puget a oeste, e ao lago Washington a leste. O lugar abrigava uma grande serração no século XIX, e antes disso era ocupado por acampamentos indígenas. A paisagem bucólica deixou de existir há muito tempo, substituída por uma densa área urbana onde se espalhavam ‘start-ups’ biomédicas, um centro de pesquisa sobre o cancro e prédios da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington. Do lado de fora, não há nada que identifique ou destaque os edifícios modernos e baixos que abrigam os escritórios da Amazon. Mas basta entrar no edifício DayOne North — onde fica o alto comando da empresa na avenida Terry com a rua Republican para ser recebido pelo logotipo sorridente da Amazon na parede atrás do longo balcão da receção. Num lado do balcão está uma tigela com biscoitos para os cães dos funcionários que os levam para o trabalho (um raro agrado numa empresa que cobra o estacionamento e os lanches consumidos pelos funcionários).

Perto dos elevadores há uma placa preta com letras brancas informando os visitantes que eles acabaram de entrar no reino de um CEO filósofo. Os costumes internos da Amazon são bastante peculiares. Apresentações em PowerPoint e slides nunca são usados em reuniões. Em vez disso, pede-se aos funcionários que escrevam narrativas de seis páginas apresentando suas ideias em prosa, pois Bezos acredita que isso estimula o pensamento crítico. Para cada novo produto, eles redigem documentos no estilo de um comunicado para a imprensa. O objetivo é descrever uma iniciativa proposta da mesma forma que um cliente ouviria pela primeira vez. As reuniões começam com cada um lendo o documento em silêncio, e logo depois a discussão tem início — exatamente como os exercícios de pensamento produtivo, realizados na sala do diretor da River Oaks Elementary.

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