“Um chefe é um negociante em esperanças”. Nas citações acontece sempre isto, eu digo: "parece que esta frase foi proferida algures por Napoleão", e há sempre alguém mais erudito que vem corrigir: "Napoleão por sua vez estava a citar ou Maquiavel, ou Cícero, ou até Aristóteles". Seja como for, belas frases assentam sempre bem ao "atual". Quando os governantes prestam grande atenção à opinião pública, ou tomam em consideração as opiniões de grupos de pressão, estão a adaptar-se às tendências e a tentar satisfazer a procura em vez de a orientar. Mas esta lê-se em Sófocles, em ‘Édipo em Colono’: “Não se ordene o que não se consegue fazer cumprir”.
Infelizmente, a maioria prefere que sejam outros a tomar conta de si, não interessa agora se é por preguiça, por fraqueza, ou por ignorância. Porque é que as pessoas tendem a apreciar um Führer? Este é um dos grandes mistérios da condição humana que ainda está por desvendar. Um cínico que eu cá sei, e cujo nome não me apetece agora pronunciar, afirma: "na política os princípios são um estorvo e a hipocrisia uma virtude". E na verdade, se calhar tem de ser assim, pois esta opinião vigora no seio de todos os partidos políticos que dizem que a democracia tem muitos defeitos, mas ainda assim é melhor que todas as outras alternativas. E a democracia não se consegue fazer sem partidos. E os partidos não conseguem aguentar-se sem aquelas pessoas que estão sempre disponíveis "para trepar o pau ensebado da ambição".
Não são só as notícias dos mitos urbanos que me fazem arrepiar. Sinto-me empolgado, arrepiado, com narrativas do estilo: “quando a luz da nossa galáxia passa próximo de outra galáxia, a sua trajetória é desviada”. E eu olho para o céu azul e vejo esse desvio no corpo daquela grande massa situada a 136 mil anos-luz da Terra, que é a mais próxima de nós. Quer dizer, se eu sei que um ano-luz corresponde a aproximadamente 9. 461. 000. 000. 000 Km; e se sei que a distância entre o centro da Terra e o centro da Lua é de apenas 384. 403 Km: "veja lá meu comandante, quanto prego a fundo no meu aviãozinho para palmilhar tantos milhões de quilómetros . . . "
Lendo agora Paul Mason em “Um Mundo Livre e Radioso”, a propósito do que resta do Marxismo?
««[...] Não estou no típico ataque que se ouvirá àqueles que acreditam que os mercados são a derradeira forma de racionalidade, ou que as desigualdades de poder são naturais, ou que Marx era um imbecil, porque engravidou a empregada doméstica. Aquilo que me interessa é uma crítica marxista de Marx relativamente às questões que hoje enfrentamos: opressão das mulheres, as alterações climáticas, como compreender a complexidade, como abolir a escassez e como impor o controlo humano sobre máquinas pensantes através de uma abordagem ética global.[...]»»
Marx não tinha visto bem como a exploração das mulheres sustentava todo o sistema capitalista:
««[...] Marx disse que o valor do salário de um trabalhador reflete todos os recursos necessários para ele, ou ela, se se apresentar como trabalhador à porta da fábrica. Incluía-se aí todo o pão e toda a cozedura feita no setor comercial, toda a confeção de vestuário e toda a escolarização feita fora do lar. Porém, Marx nunca incluiu no cálculo toda a costura, o passajar, o cozinhar, a lavagem da roupa e a criação dos filhos, tarefas realizadas nos próprios lares não por empregadas, mas pelas mulheres “donas das suas próprias casas”. Ele tinha como modelo a família patriarcal com a mulher e os filhos em casa a sobreviver à custa do ordenado do seu trabalho fora de casa. E considerava esta instituição como uma instituição condenada a ser assim para sempre. Era lógico que o capitalismo não iria ter pejo de pôr a trabalhar todas as mulheres e crianças, mas desde que restasse algum tempo mínimo para o trabalho doméstico. Daí que Marx prestasse escassa atenção à maneira como o trabalho não remunerado das mulheres em casa, e como reprodutora e criadora da prole, contribuía para a riqueza e poder da elite que pagava esse trabalho a trabalhadoras do setor doméstico. Em suma, Marx não tinha compreendido quão importante era o papel do trabalho não remunerado das ditas “donas de casa”. [...]»»
Foi apenas da década de 1960 que alguém reparou que o comunismo não tinha topado essa opressão que se operava nas próprias casas da classe trabalhadora cujo beneficiário final continuava a ser o detentor do poder alimentado pelo mesmo sistema capitalista. E foi assim que uma geração de mulheres decidiu começar a lutar diretamente pela emancipação. Mas este movimento da História teve como consequência uma readaptação do capitalismo com o neoliberalismo a interferir no processo reprodutivo, privatizando e comercializando o trabalho reprodutivo. Isto só veio acirrar ainda mais a misoginia latente, exacerbando a violência doméstica quando o macho desatou a fazer coisas aos corpos das mulheres sem consentimento.
««[...] Pode apostar-se que muitos dos falhados que debitam bílis misógina nalgumas páginas da Internet trabalham para empresas onde lhes é quotidianamente pedido que afirmem o seu apoio à igualdade de oportunidades e abominem o sexismo. … Tendo em conta que cada forma de capitalismo, cada estado dos trabalhadores e cada movimento progressista reproduziu a opressão das mulheres, a experiência corrobora a ideia de que terá de ser prosseguido o caminho para lá da realização daquilo a que Marx chamou comunismo. [...]»»
Bom, a modernidade tem os seus problemas. E nós temos os nossos problemas porque a modernidade tem os seus problemas. Não que a TV seja a culpada. Ela é apenas a mensageira. A modernidade está em toda a parte. Mensagens contraditórias e paradoxais chegam-nos vindas de todos os lados: revistas, jornais… E quantos livros não foram já publicados nestes últimos anos a propósito da felicidade, e como alcançá-la? Mas há muita coisa boa na modernidade – só é preciso saber procurar.
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