segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Noticiário



Somos usufrutuários de um mundo endossado por uma catrefada de cínicos. O noticiário até nos engana nesta nossa inocência infeliz. Se tivesse que levar isto a sério: Sócrates, o Ex-Primeiro Ministro Socialista que está a braços com a justiça, ao vir a terreiro aproveitar-se do caso “Tancos” para continuar a "malhar no Ministério Público", e com isso dar um ar de vir defender o Partido Socialista, iria desconfiar que também assim em vez de ajudar só prejudica o partido. Mas isso é maquiavelismo intencional, para se vingar no atual líder do partido, por não o ter defendido publicamente face à má fama pública de Sócrates por causa dos seus problemas enredados na Justiça. Isto ajuda a incitar ainda mais a população contra a classe política, incapaz de entender esta nutrição económica dos políticos que sufocam habilmente a boa-fé das pessoas. Considerações sobre as possibilidades de se criar um mundo mais justo? Está quieto – como dizia a minha avó – olha que a sopa arrefece.

“Um chefe é um negociante em esperanças”. Nas citações acontece sempre isto, eu digo: "parece que esta frase foi proferida algures por Napoleão", e há sempre alguém mais erudito que vem corrigir: "Napoleão por sua vez estava a citar ou Maquiavel, ou Cícero, ou até Aristóteles". Seja como for, belas frases assentam sempre bem ao "atual". Quando os governantes prestam grande atenção à opinião pública, ou tomam em consideração as opiniões de grupos de pressão, estão a adaptar-se às tendências e a tentar satisfazer a procura em vez de a orientar. Mas esta lê-se em Sófocles, em ‘Édipo em Colono’: “Não se ordene o que não se consegue fazer cumprir”.

Infelizmente, a maioria prefere que sejam outros a tomar conta de si, não interessa agora se é por preguiça, por fraqueza, ou por ignorância. Porque é que as pessoas tendem a apreciar um Führer? Este é um dos grandes mistérios da condição humana que ainda está por desvendar. Um cínico que eu cá sei, e cujo nome não me apetece agora pronunciar, afirma: "na política os princípios são um estorvo e a hipocrisia uma virtude". E na verdade, se calhar tem de ser assim, pois esta opinião vigora no seio de todos os partidos políticos que dizem que a democracia tem muitos defeitos, mas ainda assim é melhor que todas as outras alternativas. E a democracia não se consegue fazer sem partidos. E os partidos não conseguem aguentar-se sem aquelas pessoas que estão sempre disponíveis "para trepar o pau ensebado da ambição".

Não são só as notícias dos mitos urbanos que me fazem arrepiar. Sinto-me empolgado, arrepiado, com narrativas do estilo: “quando a luz da nossa galáxia passa próximo de outra galáxia, a sua trajetória é desviada”. E eu olho para o céu azul e vejo esse desvio no corpo daquela grande massa situada a 136 mil anos-luz da Terra, que é a mais próxima de nós. Quer dizer, se eu sei que um ano-luz corresponde a aproximadamente 9. 461. 000. 000. 000 Km; e se sei que a distância entre o centro da Terra e o centro da Lua é de apenas 384. 403 Km: "veja lá meu comandante, quanto prego a fundo no meu aviãozinho para palmilhar tantos milhões de quilómetros . . . "


Tendo lido Timothy Garton Ash em “Liberdade de Expressão”, a páginas tantas fala-nos dos regimes que “legislam a História”, sendo mais notórios evidentemente os regimes ditos totalitários, mas nem por isso os democráticos estejam isentos, como por exemplo na Alemanha a proibição da negação do Holocausto, ou as chamadas “leis da memória” que proliferaram em todo o continente europeu a partir de 1990, quer seja para genocídios, quer seja para salvaguardar os Direitos do Homem e os Direitos Civis e Políticos. É claro, diz ele, neste mundo confuso temos de ser coerentes, num sentido ou noutro, pois se juntássemos todos os tabus que há no mundo, não restaria muito de que pudéssemos falar. Uma coisa é um professor de história ensinar o que tem de ensinar aos seus alunos ainda não-adultos. Outra coisa são as pessoas enquanto bloguistas palavrosos. Na sala de aula, as crianças devem ser educadas de modo a tornarem-se adultos soberanos, e não tratados como se já o fossem. Mas os homens e as mulheres adultas não devem ser tratados como crianças.

Lendo agora Paul Mason em “Um Mundo Livre e Radioso”, a propósito do que resta do Marxismo?


««[...] Não estou no típico ataque que se ouvirá àqueles que acreditam que os mercados são a derradeira forma de racionalidade, ou que as desigualdades de poder são naturais, ou que Marx era um imbecil, porque engravidou a empregada doméstica. Aquilo que me interessa é uma crítica marxista de Marx relativamente às questões que hoje enfrentamos: opressão das mulheres, as alterações climáticas, como compreender a complexidade, como abolir a escassez e como impor o controlo humano sobre máquinas pensantes através de uma abordagem ética global.[...]»»

Marx não tinha visto bem como a exploração das mulheres sustentava todo o sistema capitalista:

««[...] Marx disse que o valor do salário de um trabalhador reflete todos os recursos necessários para ele, ou ela, se se apresentar como trabalhador à porta da fábrica. Incluía-se aí todo o pão e toda a cozedura feita no setor comercial, toda a confeção de vestuário e toda a escolarização feita fora do lar. Porém, Marx nunca incluiu no cálculo toda a costura, o passajar, o cozinhar, a lavagem da roupa e a criação dos filhos, tarefas realizadas nos próprios lares não por empregadas, mas pelas mulheres “donas das suas próprias casas”. Ele tinha como modelo a família patriarcal com a mulher e os filhos em casa a sobreviver à custa do ordenado do seu trabalho fora de casa. E considerava esta instituição como uma instituição condenada a ser assim para sempre. Era lógico que o capitalismo não iria ter pejo de pôr a trabalhar todas as mulheres e crianças, mas desde que restasse algum tempo mínimo para o trabalho doméstico. Daí que Marx prestasse escassa atenção à maneira como o trabalho não remunerado das mulheres em casa, e como reprodutora e criadora da prole, contribuía para a riqueza e poder da elite que pagava esse trabalho a trabalhadoras do setor doméstico. Em suma, Marx não tinha compreendido quão importante era o papel do trabalho não remunerado das ditas “donas de casa”. [...]»»

Foi apenas da década de 1960 que alguém reparou que o comunismo não tinha topado essa opressão que se operava nas próprias casas da classe trabalhadora cujo beneficiário final continuava a ser o detentor do poder alimentado pelo mesmo sistema capitalista. E foi assim que uma geração de mulheres decidiu começar a lutar diretamente pela emancipação. Mas este movimento da História teve como consequência uma readaptação do capitalismo com o neoliberalismo a interferir no processo reprodutivo, privatizando e comercializando o trabalho reprodutivo. Isto só veio acirrar ainda mais a misoginia latente, exacerbando a violência doméstica quando o macho desatou a fazer coisas aos corpos das mulheres sem consentimento.

««[...] Pode apostar-se que muitos dos falhados que debitam bílis misógina nalgumas páginas da Internet trabalham para empresas onde lhes é quotidianamente pedido que afirmem o seu apoio à igualdade de oportunidades e abominem o sexismo. … Tendo em conta que cada forma de capitalismo, cada estado dos trabalhadores e cada movimento progressista reproduziu a opressão das mulheres, a experiência corrobora a ideia de que terá de ser prosseguido o caminho para lá da realização daquilo a que Marx chamou comunismo. [...]»»

Bom, a modernidade tem os seus problemas. E nós temos os nossos problemas porque a modernidade tem os seus problemas. Não que a TV seja a culpada. Ela é apenas a mensageira. A modernidade está em toda a parte. Mensagens contraditórias e paradoxais chegam-nos vindas de todos os lados: revistas, jornais… E quantos livros não foram já publicados nestes últimos anos a propósito da felicidade, e como alcançá-la? Mas há muita coisa boa na modernidade – só é preciso saber procurar.

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