quinta-feira, 12 de setembro de 2019

As Tribos de Dana e a Pedra de Scone

          ««Os filhos de Nemed que haviam partido por mar sob o comando de Ibath, filho de Bethach, rumaram ao norte. Navegaram ao acaso durante muito tempo, até que desembarcaram num país que se diz ser a Beócia. Aí foram muito bem recebidos pelos naturais, e segundo consta, foi aí que eles se iniciaram nas artes, nas técnicas, na magia e no druidismo. Começaram a ser chamados Tribos de Dana porque, por um lado os mais versados no druidismo eram três, e todos eles filhos de uma mulher-chefe chamada Dana. Um dia, uma grande frota vinda da Síria veio atacar os habitantes da Beócia. E as coisas correram para o torto. Tiveram de partir em barcos à vela. Até que chegaram às Ilhas do Norte do Mundo. Um dia, uma certa Eri, estando a contemplar o mar, a certa altura viu surgir na linha do horizonte uma embarcação prateada com um homem lá dentro. O homem desceu do barco, pôs os pés em terra, e apercebendo-se de Eri disse: "Mulher, será esta a melhor altura para me unir a ti?” Ela ficou estupefacta com o que acabara de ouvir. E quis saber quem ele era. Então ele respondeu: “Aquele que veio encontrar-se contigo é Elatha, filho de Indech, que é um dos chefes dos Fomore. Eri engravidou. Oito dias depois do parto o rapaz parecia que tinha quinze, e aos sete anos parecia que tinha catorze. Assim era Bress, filho de Elatha dos Fomore e de Eri das Tribos de Dana. Com o tempo as gentes das Tribos de Dana multiplicaram-se tanto que tiveram novamente de partir e voltar à Irlanda. Aparelharam cerca de trezentos barcos e partiram. Da vila de Falias levaram a Pedra de Fail. Quando chegaram colocaram a Pedra na colina de Tara.»»


Em todas as narrativas deste género, as etimologias são necessariamente metafóricas. Bress significa literalmente “sopro violento”, golpe guerreiro. Geoffroy Keating, na sua história da Irlanda, conta que depois da conquista da Escócia pelos escotos, ou seja, os irlandeses, a Pedra de Fail foi emprestada para a entronização do primeiro rei gaélico da Escócia, tendo depois ficado na posse da Abadia de Scone.

A Pedra de Scone (Na Lia Fàil em gaélico escocês) – também conhecida como a Pedra do Destino, e em Inglaterra referida como a Pedra da Coroação – é um bloco de arenito vermelho, com um anel de ferro em cada extremidade para ajudar ao transporte, que o rei de Inglaterra Eduardo I fez transportar para a sua própria coroação em 1296 na Abadia de Westminster, e que foi usada pela última vez em 1952 na coroação de Isabel II. Na foto seguinte vê-se uma reprodução de 1855: a cadeira na Abadia de Westminstar, onde a Pedra de Scone havia sido colocada. Mas esta pedra não deixa de ser objeto de controvérsia entre escoceses e ingleses, pois existe alguma dúvida sobre a pedra capturada por Edward I. Alguns teóricos afirmam que as descrições lendárias da pedra não correspondem à pedra atual.

No Tratado de Northampton, 1328, entre o Reino da Escócia e o Reino de Inglaterra, a Inglaterra concordou em devolver a Pedra de Scone capturada à Escócia; no entanto, tal não foi cumprido, multidões tumultuadas impediram que fosse removida da Abadia de Westminster. Assim, a Pedra de Scone permaneceu na Inglaterra por mais seis séculos, mesmo depois de Jaime VI da Escócia ter assumido o trono inglês como Jaime I de Inglaterra. Durante o século seguinte, os reis e rainhas Stuart da Escócia mais uma vez se sentaram na Pedra de Scone na coroação, mas na coroação como reis e rainhas da Inglaterra.

No dia de Natal de 1950, um grupo de quatro estudantes escoceses removeu a pedra da Abadia de Westminster para a levarem para a Escócia. Durante o processo de remoção, a pedra partiu em dois pedaços. Depois de enterrarem a maior parte da Pedra num campo de Kent ficaram ali acampados  por alguns dias até conseguirem a viagem para a Escócia. O governo britânico ordenou que se recuperasse a pedra, mas em vão. Uma grande busca não surtiu efeito. Os guardiões deixaram a pedra no altar da Abadia de Arbroath em 11 de abril de 1951, sob custódia da Igreja da Escócia. Quando a polícia de Londres finalmente foi informada do seu paradeiro, a pedra foi devolvida a Westminster. Tinham passado quatro meses. Posteriormente, circularam rumores de que haviam sido feitas cópias da pedra, e que a pedra devolvida não era a pedra original.

Em 1996, como resposta simbólica à crescente insatisfação entre os escoceses em relação ao acordo constitucional vigente, o governo britânico decidiu que a pedra deveria ser mantida na Escócia, regressando a Inglaterra apenas para as cerimónias da coroação. Em 3 de julho de 1996, foi anunciado na Câmara dos Comuns que a pedra seria devolvida à Escócia e, em 15 de novembro de 1996, após uma cerimónia de entrega na fronteira entre representantes do Ministério do Interior e do Ministério da Escócia, a Pedra de Scone foi transportada para o Castelo de Edimburgo. A pedra chegou ao castelo em 30 de novembro de 1996, dia de Santo André, onde ocorreu a cerimónia oficial de entrega. Atualmente, permanece ao lado das joias da coroa da Escócia.

Não se pode deixar de estabelecer uma relação entre esta maravilhosa Pedra de Fail e o misterioso “Assento perigoso” da Távola Redonda, assento reservado àquele que levasse a bom termo a aventura da conquista do Graal, portanto ao “Rei do Graal”.


          ««As Tribos de Dana partiram então das Ilhas do Norte do Mundo e navegaram para a Irlanda. Naquele tempo o rei da Irlanda era Eochaid, filho de Erc, da raça dos Fir Bolg. Mas o descanso não durou muito. Do mar vieram outras tribos e fizeram-lhes guerra. As batalhas decorreram na Planície de Lira, que passou a chamar-se Mag-Tured. O combate começou então violento e implacável. A certa altura os homens das Tribos de Dana começaram a repelir os Homens-Trovão, enquanto na planície se iam acumulando os cadáveres. Os Fir Bolg decidiram não abandonar a Irlanda e combater as Tribos de Dana até ao último homem em condições de pegar em armas. E foi nesta batalha derradeira que Nuada, o rei supremo das Tribos de Dana, ficou sem um braço. O médico Diancecht, com a ajuda do artesão Credné, fez um braço de prata para Nuada, dotado de todos os movimentos da mão em cada dedo e em cada articulação. A partir de agora Nuada passava a ser conhecido o Nuada do Braço de Prata. Diancecht pediu aos homens da Tribo de Dana que se reunissem em conselho para decidir da viabilidade de Nuada como rei. E Nuada deu razão a Diancecht, pois sem o braço natural não podia continuar a ser o rei. Então após acesa discussão, acabaram por escolher Bress, filho de Elatha, pois ele tinha sangue real, sendo filho de um príncipe dos Fomore. E assim Bress tonou-se rei da Irlanda durante sete anos, após a batalha de Mag-Tured ,em que as Tribos de Dana combateram e venceram os Fir Bolg. Sreng, filho de Sengann, reuniu-se com os Fir Bolg que tinham escapado ao massacre de Mag-Tured, e partiu para Connaught, de que tomou posse.»»


Connaught, no noroeste da Irlanda, condado de Galway, conserva a marca da lembrança dos Fir Bolg na tradição popular, ortografando em gaélico Connachta, que significa "dos descendentes de ConnDeste modo, os habitantes das ilhas de Aran são considerados os descendentes dos Homens-Trovão, e as fortalezas pré-históricas que se encontram nas três ilhas de Inis Mór, Inis Meáin e Inis Oírr, passam por ser obras destes longínquos antepassados, na verdade mais míticos que reais, mas capazes de vencer as barreiras do tempo graças ao poder do imaginário.



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