segunda-feira, 12 de julho de 2021

Desconstrução



O que Gustavo de Lima Pereira, jovem professor e intelectual que se consagra crescentemente em sua reflexão através de obras já de referência na área da especialidade sobre o tema dos refugiados, entre várias outras, e de intervenções notáveis no cenário do pensamento contemporâneo brasileiro, realiza na presente obra Democracia em Desconstrução: da tolerância à hospitalidade no pensamento de Jacques Derrida é radicalizar magistralmente a temática acima exposta. Seu livro rastreia a génese dos conceitos e categorias principais da tradição da filosofia política, a par das circunstâncias históricas, geopolíticas e biopolíticas da modernidade, até ao tumultuado atoleiro da contemporaneidade em sua agonia extrema que advém, em boa medida, exatamente da desproporção entre os factos e as teorias.» – Ricardo Timm de Souza.

A desconstrução é um conceito elaborado por Jacques Derrida, para desconstruir as certezas e as verdades do pensamento filosófico de toda a modernidade iniciada por Descartes com o Discurso do Método e toda a passagem pelo Iluminismo. A noção de desconstrução surge pela primeira vez na introdução à tradução de 1962 da "Origem da Geometria" de Edmund Husserl. A desconstrução não significa destruição completa, mas sim desmontagem, decomposição dos elementos da escrita. A desconstrução serve nomeadamente para descobrir partes do texto que estão dissimuladas e que interditam certas condutas. Esta metodologia de análise centra-se apenas nos textos.

Falar de desconstrução dentro da Teoria do Conhecimento (Epistemologia) é falar de Jacques Derrida. Nascido na Argélia em 1930 e falecido em Paris em 2004, está associado ao pós-estruturalismo, ainda que alguns discordem disso. Por ser judeu e sofrer com o antissemitismo, Derrida postula que as formações culturais e intelectuais humanas deveriam sofrer uma reinterpretação como elemento fundante de um novo conhecimento: “Não existem factos, apenas interpretações”.

A desconstrução do Método (científico) suscitou amigos e admiradores nos departamentos das Letras, mas revolta e polémica no mundo da Epistemologia e Filosofia da Ciência, visto como uma ameaça ao Cânone Ocidental no mundo das Letras, e ao paradigma clássico da objetividade em Ciência. A aplicação da desconstrução como 'novo método' de colocar em causa as leituras dos textos filosóficos como verdadeiros, passou a ser uma ameaça ao empreendimento científico em marcha do progresso, e às explorações dos fundamentos lógicos da matemática desenvolvidos do outro lado do canal da Mancha por Bertrand Russel e pelos epígonos de John Locke, David Hume e Stuart Mil. Para Derrida, as palavras não tinha toda a capacidade de exprimir tudo o que se queria. Em boa verdade isso era uma tese que Wittgenstein, um filósofo analítico discípulo de Bertrand Russel explorou no seu Tratado Lógico-filosófico, depois referenciado pelo Primeiro Wittgenstein, dado que depois da Publicação postumamente das suas Investigações Filosóficas se verificou que não era bem assim. O slogan do Primeiro Wittgenstein, numa tradução livre, era: "Do que as palavras não conseguem dizer temos que calar". Aquilo que dizemos e ouvimos só será de facto verdade quando o virmos como algo incompleto. E Jacques Derrida foi atrás, completando a frase dizendo: "e aceitarmos desconstruí-la".

Será a Verdade relativa? Muitos dos sociólogos da "Teoria das identidades de género", e adeptos de Derrida,  pensam que sim, declarando que a verdade de uma afirmação consiste na sua aceitação consensual no interior de uma comunidade. Como estudante de medicina sempre acreditei que a prevalência do positivismo na medicina, a ideia de estudar apenas as doenças desgarradas dos doentes, as patologias em si, sem valores, era uma afronta. Tratar as pessoas doentes como objetos de estudo, em vez de tratá-las como sujeitos, era algo inaceitável. A medicina, como ciência e como arte, não podia estar isenta de valores de maneira alguma. Dantes era assim, e agora?

A coisa mais impressionante agora é o normativismo das chamadas, com sentido pejorativo, "narrativas do politicamente correto". Quando ouço algum comentador dizer que não gosta da palavra "narrativas", escusa de dizer que é uma pessoa de direita. Na Academia, o termo “narrativa crítica” é frequentemente introduzido na descrição de um campo para assinalar que se orienta por questões normativas, particularmente as que envolvem uma forma de opressão ou outra. Assim, temos estudos jurídicos “críticos”, estudos raciais “críticos”, estudos aborígenes “críticos” e assim por diante.

Afirmei que a ambição da “ciência social crítica” era ter, não apenas uma ciência social guiada por comprometimentos normativos, mas também tornar esses comprometimentos explícitos. O maior problema é que, invariavelmente, falharam nesta segunda parte. Era óbvio que os autores - com a exceção de uns poucos professores de direito - não faziam qualquer ideia de como elaborar um argumento normativo. De facto, pareciam incrivelmente avessos a sequer alegar claramente que tipo de padrões normativos estavam a ser empregues. O resultado é livros inteiros que têm o objetivo de fortalecer a resistência à opressão do homem branco. O que é tal coisa? 

Há muito tempo, Habermas escreveu um ensaio crítico sobre Foucault, onde o acusou de “cripto" normativismo. A acusação era que, embora o trabalho de Foucault fosse claramente alimentado por um conjunto de preocupações morais, ele se recusava a dizer claramente quais eram os seus comprometimentos morais, utilizando em vez disso um vocabulário normativamente carregado, como “poder” ou “regime”, como dispositivos retóricos para induzir o leitor a partilhar as suas avaliações normativas, enquanto negava oficialmente que estava a fazer algo desse género. Ele era, portanto, um arauto da "crítica da razão cínica". O problema, em outras palavras, era que Foucault estava empurrando os seus valores enquanto fingia que não tinha valor algum. Uma teoria crítica genuína, segundo Habermas, não tem necessidade de se valer desse subterfúgio, devendo introduzir os seus princípios normativos explicitamente e defendê-los racionalmente. É impressionante o rasto de disparates de Foucault que nos dias de hoje ainda pairam nos circuitos mediáticos, e ainda levados muito a sério. De todo o modo, o que mais parece ter poder de atração, é precisamente aquilo que Habermas classifica como "cripto" normativismo, uma panóplia de termos esquisitos tais como: "pós-colonial"; "racializar"; "estigmatizar"; "queer"; "woke". E por aí adiante. 
Os seus adeptos sentem um comprometimento moral apaixonado com o fito de uma sociedade melhor e mais pura.


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