quinta-feira, 15 de julho de 2021

Uma crónica sob os auspícios dos Estudos baseados na Teoria (pós-moderna)




Está a haver uma grande preocupação por parte da maioria dos líderes democratas da União Europeia com a escalada mais recente de populistas de extrema-direita, em que um dos nomes neste momento mais falado é Viktor Órban, um político húngaro que, desde 2010, serve como primeiro-ministro o seu país. Os da direita liberal e os conservadores europeus, que nos finais do século XX e início do século XXI se alinharam pelas ideias dos Direitos Civis, que vinham sendo propostas pelos liberais de esquerda, tinham conseguido acantonar essa minoria sem expressão, uma extrema-direita de má reputação, xenófoba e racista.

Mas, de repente, a culpa passou a ser transferida para os grupos dominantes de homens brancos por serem todos racistas, heterossexuais e homofóbicos. Este ressentimento preconceituoso, em relação a poderes históricos, não caiu bem nas intuições humanas de reciprocidade. Certamente há uma série de causas para a atual vaga populista de extrema-direita, que nada têm a ver com os famigerados estudos e ativismos justicialistas. Mas, naturalmente, estudos pós-coloniais, estudos de género, estudos queer, etc., também têm contribuído, por reatividade, para esta deriva autoritária.

O ativismo LGBTI continua a incomodar muita gente, embora de forma contida, ou envergonhada. E é claro que os sintomas colonialistas e suprematistas de cinco séculos não desaparecem da noite para o dia. Mas esse ativismo tornou-se na última década de tal modo vertiginoso que o caldo azedou também do lado esquerdo do espetro político, sobretudo pensadores liberais e marxistas ou ex-marxistas. Tentativas autoritárias de ditar aquilo em que as pessoas devem acreditar sobre género e sexualidade passou a ser insuportável mesmo à esquerda. A linguagem em que as pessoas em geral se devem expressar para respeitar determinadas crenças em nome da Justiça Social sem ofensa, criaram rapidamente uma resistência hostil a esse tipo de ditadura do apelidado “politicamente correto”, sem ofensa. Caiu o Carmo e a Trindade nas hostes pós-modernistas quando a esquerda liberal na sua crítica explicitou que as pessoas não deviam ser avaliadas pela raça, pelo sexo ou pela sexualidade.

A ciência sabe que existe variação humana e que a natureza tende a ser confusa. Muito do que é verdade sobre o mundo nada tem a ver connosco. E muito do que é verdade sobre nós é verdade sobre nós como humanos e não como membros de qualquer cultura particular. As teses pós-modernistas cobrando à História, com as suas exigências justicialistas, também estão a servir de combustível para a política revanchista de extrema-direita. As instituições que os pós-modernistas vão atacando, ao sentir que estão a perder prestígio, acabam por ser deixadas à mercê de nacionalistas e populistas de direita, estes sim, representando uma ameaça ainda maior. Se bem que estas ideias pós-coloniais estejam situadas na extrema-esquerda, convém lembrar que há uma esquerda liberal que não se identifica com a sua Teoria, para além de ter segurado o impulso identitário dos suprematistas brancos.

No entanto, não se pode confundir liberdade de pensamento com liberdade epistemológica; ou liberdade de expressão com liberdade de conhecimento. As diferenças de opinião dirimem-se com factos e dados objetivos. A condição subjetiva de vítima não é suficiente para obter uma verdade.

Sob o signo da Modernidade - liberalismo, racionalismo e empirismo - caminharam juntos na defesa dos direitos humanos. Acolheu a diversidade de pontos de vista, mas sem relativismo. E os avanços no sentido do progresso foram sendo dados acreditando em reformas e não em revoluções. Educação pública, saúde gratuita, intervenção do governo na economia, votos para a s mulheres foram todos alcançados, geralmente de forma pacífica por atos de reforma. 

Fé, revelação, tradição, dogma, autoridade, o brilho extático da certeza subjetiva, são tudo receitas para o erro e devem ser descartados como fontes de conhecimento. Os pós-modernistas perverteram o ceticismo num cinismo corrosivo ao defenderem o regresso a narrativas locais regressivas. Foi com a Modernidade que se chegou à conclusão de que muitas das atividades do colonialismo, atrocidades como a escravatura e genocídios, estavam erradas.

Vemos um impulso fundamentalista significativo nos estudos e ativismo pós-colonial. Algo não precisa de ser verdadeiro para ser respeitado. Este é o tipo de relativismo epistemológico e moral que os fundamenta. Tal relativismo serve de suporte ao argumento de que não é aceitável criticar algumas das suas ideias, muitas delas rotuladas, lato senso, politicamente corretas. As ideias pós-modernistas, dizem os seus defensores, não valem pela sua solidez racional, mas pelo discurso certo de modo a não ofender e discriminar posições identitárias. Pessoas de diferentes grupos de identidade nunca conseguem entender-se plenamente. Essa é a essência do conhecimento pós-moderno.

As ideias de Justiça Social na Teoria pós-moderna – ao contrário do que se passava, e ainda se passa, com as ideias pensadas no seio da nossa cultura chama da Modernidade, em que o conhecimento é estruturado numa epistemologia realista, objetivada numa biologia da natureza – veem as ideias da Modernidade como sendo fruto de um conhecimento criado artificialmente por uma mente hegemónica de origem europeia, que se autointitulou de “Humanista” por alegar defender os valores humanos individuais e universais. Ora, a Teoria pós-moderna valoriza a identidade de grupo mais do que tudo o resto que o liberalismo moderno diz que valoriza. A verdade em si não existe, diz o pós-modernista, apenas existem as verdades de cada um, que dependem dos valores de uma determinada cultura. Tudo isto parece muito contraditório, mas enfim,

Transcrevo aqui na íntegra a página do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, no que diz respeito ao Programa de Doutoramento em Pós-colonialismos e Cidadania Global, que teve início em 2004-2005 e foi acreditado pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) em 2020, por 6 anos. O programa é oferecido bienalmente, abrindo assim uma nova edição cada dois anos. As edições de 2013/2014, 2015/2016 e 2017/2018 foram financiadas pela FCT.



O
Programa de Doutoramento em Pós-colonialismos e Cidadania Global,
«Aborda a herança colonial e os desafios pós-coloniais nas sociedades contemporâneas, com incidência especial no espaço de língua oficial portuguesa. O seu objetivo é proporcionar formação avançada, da perspetiva da crítica pós-colonial, sobre a complexidade das relações políticas, sociais e culturais no mundo de hoje. O seu horizonte epistemológico baseia-se na discussão sobre a possibilidade de novas formas de conhecimento suscetíveis de abranger a diversidade e a pluralidade híbrida das diferentes formas de estar no mundo. O pressuposto básico é que a narrativa da modernidade não só não esgota a complexidade e heterogeneidade do mundo e dos modos de conhecer o mundo como, historicamente, reprimiu e silenciou narrativas rivais remetendo-as a uma posição subalterna no quadro de relações de poder desiguais e, muitas vezes, violentas. A tarefa em mãos consiste, pois, na produção de conhecimento contextual e posicional capaz de equacionar possibilidades alternativas, como base para o emergir de uma cidadania verdadeiramente global fundada na superação da injustiça cognitiva.

O mundo moderno foi configurado de modo decisivo pela expansão colonial. Além disso, o fim dos impérios coloniais não pôs fim à colonialidade, isto é, à persistência de relações de poder e perceções da diferença que continuam a ser dominadas decisivamente pelo modelo colonial, como demonstram, por exemplo, as atuais estruturas da globalização hegemónica. A crítica do eurocentrismo proporcionada pelo pensamento pós-colonial constitui uma base sólida para a exploração de novas condições de articulação de epistemologias alternativas e para um questionar das narrativas dominantes que têm dado forma à nossa compreensão do mundo, abrindo, assim, a possibilidade de promover uma cooperação igualitária entre investigadores do “Norte” e do “Sul” do sistema-mundo.

O pensamento pós-colonial é, por definição, transdisciplinar. Entende-se a si próprio como um pensamento fronteiriço capaz de transgredir as fronteiras disciplinares e de desestabilizar as dicotomias estabelecidas. Em conformidade, o programa de doutoramento, situado firmemente na interface entre as ciências sociais e as humanidades, está estruturado de modo a percorrer transversalmente um espectro amplo de áreas do saber, dos estudos literários e culturais à sociologia, à história, à antropologia e à ciência política. Esta abordagem plural reflete-se produtivamente no modo como o programa concebe o paradigma pós-colonial. Na verdade, a forma plural “Pós-colonialismos” pretende chamar a atenção para o facto, quase sempre negligenciado, de que a primeira modernidade, a modernidade ibérica, e os impérios a que deu origem se desenvolveram historicamente em sentidos que, em muitos aspetos, não são abrangidos pelas teorias pós-coloniais dominantes de raiz anglo-saxónica. O efeito de invisibilidade assim gerado redunda num vasto “desperdício da experiência” (Boaventura de Sousa Santos), no sentido em que as especificidades desses contextos, explícita ou implicitamente classificados como subalternos, não são tidas em conta ou tendem a ser assimiladas pela narrativa padrão, redundando numa redução da complexidade muitíssimo problemática.

Ao pôr em destaque um amplo conjunto de questões tornadas invisíveis pelos paradigmas hegemónicos, o programa concebe-se a si próprio como o espaço reflexivo e autorreflexivo de uma formação para a complexidade. A metáfora da tradução descreve adequadamente o objetivo perseguido pelo programa de se confrontar com a diversidade da experiência e as diferentes abordagens ao conhecimento de uma forma suscetível de proporcionar condições de articulação e inteligibilidade mútua sem sacrificar a diferença em nome de uma assimilação cega. Ao mesmo tempo, ao centrar-se no contemporâneo através da atenção que dá às questões relacionadas com o Estado, a sociedade e a cultura no sistema-mundo atual, o programa concebe a noção de contemporâneo como a constelação de uma semântica densa do tempo histórico e, assim, recorre em permanência à contextualização histórica.»

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