segunda-feira, 19 de julho de 2021

O cérebro diferenciado: .




Ele e Ela estão a vestir-se para ir a uma festa de aniversário de uma amiga comum. Ela tinha comprado um vestido novo. Queria estar o máximo. Pegou dois pares de sapatos - um azul, outro dourado. E então foi perguntar-lhe: Qual dos dois fica melhor com este vestido? Ele sentiu um frio na espinha: Não sei, leva os que tu gostares mais. Ela, já impaciente, insistiu: Mas diz lá, qual é o par de sapatos que combina melhor com o vestido … o azul ou o dourado? O dourado! - Ele arriscou, nervoso. Achas que o azul destoa muito? E Ele desanimado, já de ombros descaídos: Não gostas do azul? Se não queres a minha opinião não perguntes!

Ele tentou resolver o problema e Ela não ficou satisfeita com a tentativa dele, uma atitude. Em bom rigor, Ela já tinha decidido que sapatos levar à festa, não precisava de uma segunda opinião. O que queria era a confirmação de que tinha feito a melhor escolha. Este é um diálogo que hoje em dia aparece em muitos livros ditos de "autoajuda", na tentativa de resolver os problemas mais comuns que existem na comunicação dentro de um casal. Se a mulher estiver a escolher que sapato usar e perguntar "azul ou dourado?", é importante que o homem saiba que não deve responder. Em vez disso, deve rebater com outra pergunta, como por exemplo: "Qual deles tinhas escolhido?" A maioria das mulheres é apanhada de surpresa por o homem ter uma atitude dessas, já que os homens costumam dar a sua opinião. É difícil encontrar um casal que não reconheça este tipo  de diálogo, porque alguma vez já terá passado pelo mesmo. Mas a verdade é que qualquer mulher não entende como pode aquele seu homem ser um burgesso, quando ela apenas lhe pediu uma mera opinião. 

Se quisermos saber ao certo, sem os preconceitos da tradição conservadora, nem a agenda identitária de escolas de uma sociologia alternativa, temos de ouvir o que os neurocientistas têm para dizer acerca das diferenças que existem nos cérebros dos dois sexos, e com relevância na diferença comportamental sem ser por influência das convenções sociais e culturais. Afinal, que diferenças existem entre os cérebros de homens e mulheres que se correlacionem com comportamentos específicos de género? Ora, é consensual entre neurólogos que o cérebro dos homens difere em alguns pontos do das mulheres em termos anatómicos e funcionais. O cérebro dos homens é mais assimétrico. Ou seja, tem as funções mais lateralizadas. Ao passo que no cérebro das mulheres, as mesmas funções, estão mais distribuídas pelos dois hemisférios cerebrais. Podem até chegar às mesmas conclusões cognitivas, porém, por caminhos diferentes. E embora o cérebro seja bastante plástico para se moldar às influências do meio ambiente, com aprendizagem e cultura, existe algum condicionamento filogenético. Ao longo da história evolutiva humana houve necessidade de enfrentar desafios adaptativos de superação das dificuldades no sucesso reprodutivo e na preservação da espécie.

Homens e mulheres veem o mesmo mundo com olhos diferentes. O homem estabelece relações com os objetos e organiza-os espacialmente, cartografa, mapeia, para depois os reconstruir de forma analítica, como se brincasse com legos. A mulher percebe o cenário de forma mais holística, mas nem por isso deixa de notar os detalhes. A prioridade masculina é perseguir resultados, objetivos, estatuto e poder, alcançar a "linha de chegada" e vencer a competição. As preocupações femininas são a comunicação, harmonia, igualdade, o amor e o relacionamento interpessoal. As diferenças são tantas, que parece surpreendente como um homem e uma mulher aceitam em algum momento viver juntos. O cérebro das meninas é estruturado para responder a pessoas e rostos, enquanto o dos meninos responde a objetos e à sua forma.

Se uma menina brinca com legos, geralmente faz uma construção baixa e comprida, imaginando pessoas lá dentro. Os meninos competem entre si para ver quem faz o prédio maior e mais alto. Eles correm, pulam, lutam e fingem ser aviões e tanques de guerra. Elas conversam. Uma nova colega é bem recebida pelas outras e todas se conhecem pelo nome. O menino recém-chegado é geralmente tratado com indiferença e só é aceite no grupo se o líder achar que pode entrar (isto é Mark Twain em Tom Sawyer e Huckleberry Finn). À despedida os rapazes ainda não sabem o nome do novo colega, mas já sabem se ele é bom a dar uns toques à bola, ou não. Se não, na próxima vai à baliza. As meninas aceitam melhor quem chega e são mais solidárias com coleguinhas que estejam com algum problema. Os meninos com frequência desprezam ou implicam com os mais choninhas.

Numa discussão, por exemplo, o homem consegue argumentar com lógica, manejando as palavras (hemisfério esquerdo), mudando em seguida para soluções espaciais (lobo frontal do hemisfério direito), sem se deixar levar pela emoção. O corpo caloso do cérebro masculino, a comunicação entre os dois hemisférios, é mais reduzido que o do feminino. Não opera tão bem, em simultâneo, a emoção com as outras funções racionais. O cérebro emocional da mulher é bem mais robusto que o do homem. É por isso que as mulheres conseguem desempenhar bem as suas tarefas e chorar ao mesmo tempo. A mulher pode-se emocionar durante uma discussão com o homem, e ainda assim prosseguir. Isso é mais difícil de acontecer com o homem. Ele, ou passa logo para a agressão, para a violência, ou então simplesmente vira costas à discussão, recusa continuar a discutir e vai jogar uma partida de gamão, para descontrair. Assim, não corre o risco de se descontrolar. Como o cérebro feminino pode "ligar" a emoção a outras funções, é possível ver uma mulher chorar e descascar umas batatas, porque se for cebola o homem também chora. O homem vai na estrada, e às tantas tem um furo. Tem de trocar um pneu. Não chora, mas pragueja, o palavrão dá-lhe força e energia. É um desafio à sua capacidade de resolver problemas. E não entra em pânico se descobre que não tem o macaco na mala, ou, tendo tudo pronto, eis que desaba uma bátega de água, ou granizo, ficando todo encharcado. Quando chega a casa, atrasado para o jantar, com as mãos sujas e o corpo molhado, a mulher e os filhos à sua espera para jantar com ar de enfado, e ele em ocasiões destas já não a praguejar, já descarregou toda a sua energia, e, por isso, apresenta-se todo sorridente, dizendo que está tudo bem, nada de drama, podia ter sido muito pior. Orgulhoso de ter vencido mais uma batalha.

Há milhares de anos que se sabe que os homens não são grandes faladores, principalmente se comparados com as mulheres. As meninas não só começam a falar mais cedo que os meninos, como, aos três anos, têm mais ou menos o dobro do vocabulário deles – e falam quase corretamente. Se o menino tiver uma irmã mais velha, os pais notam que a diferença é flagrante. E não tarda, todos à mesa, a irmã e a mãe a atropelarem-no, não o deixando falar. Pergunta-se: "Então como é que vão os estudos, Zequinha?" E quem responde é a mãe ou a irmã: "Ele vai bem, mas é um grande malandro!". Quando alguns homens se juntam para assistir a uma partida de futebol, a conversa resume-se a: "alguém quer mais cerveja?" Mulheres, quando se reúnem em volta da televisão, aproveitam para pôr a escrita em dia.

Os pais deixam a filha mais nova ir com o irmão mais velho ao baile. No dia seguinte, à mesa, os pais perguntam que tal foi o baile. Ela começa a fazer uma descrição muito circunstanciada – quem estava na festa, quem disse o quê para quem e como as pessoas estavam vestidas. E os pais perguntam ao filho: "E tu, não dizes nada?" - "Hum . . . nada de especial". Não podemos ignorar que os homens evoluíram como caçadores e não como comunicadores. Durante a caça, só utilizavam sinais não-verbais e muitas vezes ficavam horas e horas em silêncio à espera da presa. O homem moderno, quando vai pescar com os amigos, também fica muito tempo imóvel, sem falar. Os pescadores gostam de estar juntos, ao lado uns dos outros, mas não veem necessidade de dizer seja o que for, a não ser fumar. Reunião de mulheres é diferente: se estiverem caladas, é sinal de problema grave. Homens só aceitam mais proximidade quando o compartimento do seu cérebro onde fica a comunicação se abre - depois da terceira caneca de cerveja. 

Mercê da grande plasticidade do nosso cérebro, uma boa parte do que somos hoje depende de muita adaptação no passado, em que o cérebro, na sua relação com o meio ambiente, se foi moldando conforme o condicionalismo das contingências e circunstâncias. Enquanto o homem ia caçar, a mulher ficava no acampamento para cuidar da prole e do grupo. Enquanto o homem para caçar tinha de ficar em silêncio para não espantar a caça, a mulher para cuidar e educar tinha de falar. Daí não ser de admirar que a mulher tenha uma área cerebral para a linguagem mais desenvolvida e distribuída pelos dois hemisférios cerebrais. A plasticidade do cérebro acompanha a aprendizagem e caminha em paralelo com ela. Enquanto no homem a resposta do cérebro ao stress, para o preparar para a luta, se processa mais ao nível do córtex pré-frontal direito, que vai estimular as suprarrenais e produzir mais cortisol; na mulher a resposta ao stress faz-se mais através do aumento da atividade do sistema límbico e amígdalas cerebrais, que estão mais relacionadas com os receios, e as emoções destinadas à proteção da família.
Voltando ao episódio da introdução deste artigo, o casal tinha sido convidado para a festa de aniversário e perdera-se no caminho. Um percurso que levaria no máximo vinte minutos de carro, transformou-se num pesadelo. Depois de uma hora às voltas, voltaram para casa e faltaram ao encontro. Ao passarem pela terceira vez pela mesma paragem de autocarro, ela arriscou: a gente devia ter virado à direita na paragem. Vamos parar e perguntar. Mas ele é teimoso, e continua a dizer que está tudo sob controlo. Mas nós já estamos meia hora atrasados. Vamos parar e perguntar! Olha, eu sei o que estou a fazer! Queres pegar tu no volante? Não, eu não quero conduzir, mas não quero andar aqui às voltas toda a noite. Tudo bem. Então, que tal a gente voltar para casa? E então ela remata assim: Estás como o Moisés, que andou 40 anos perdido pelo deserto, e não chegou a pôr os pés na terra prometida porque se recusou a pedir informações a Jeová. Se fosse ela, não teria tido nenhum problema em perguntar a alguém. O problema é que ele não pode admitir que não conhece o caminho. A mulher não se importa de admitir que errou porque, em seu mundo, isso é visto como forma de aproximação e demonstração de confiança. Mas para o homem isto é admitir um grande falhanço.
Agora o casal está deitado na cama e ele, silencioso, concentra o olhar no teto. Ela também silenciosa, porém, não para quieta com os pés, inquieta, portanto: "Ele faz de conta que eu não existo . . . Acho que já não gosta de mim . . . Será que está envolvido com outra?" E ele entretido com a mosca a andar no teto de um lado para o outro, com a cabeça para baixo, e intrigado porque é que a mosca não cai, contrariando a lei da gravidade.
O homem evoluiu para guerrear e resolver problemas. Ele é um caçador e precisa descansar junto da lareira, depois de uma grande jornada arriscada, esta é a história verdadeira. O problema começa quando a mulher reclama que ele não lhe dá atenção. Ao lado de um homem calado, com o olhar perdido, sempre há uma mulher se sentindo desprezada. A orientação do cérebro de caçador, e o condicionamento social, impedem o homem de demonstrar medo ou dúvida. É por isso que, quando se pede a um homem ajuda para resolver um problema, ele diz "vou pensar" ou "deixa comigo". E é exatamente o que faz: fica em silêncio a pensar. Só volta a falar ou demonstrar animação quando encontra a resposta. A conversa do homem passa-se dentro da cabeça, dada a sua grande dificuldade em verbalizar.

Hoje já temos a Ressonância Magnética Funcional para ver isso. Uma boa notícia: temos capacidade para adquirir novas habilidades necessárias para enfrentar os novos desafios do momento. O cérebro feminino já vem estruturado para usar a fala como principal forma de expressão, e essa é uma vantagem. O homem, com vários compromissos pela frente, diz: "Tenho muito em que pensar, vemo-nos mais tarde." A mulher verbaliza, menciona todas as suas tarefas, pensando nas opções em voz alta, mas sem estabelecer prioridades. Para a mulher, pensar em voz alta é um modo de agradar e compartilhar, mas o homem não entende isso. Fica nervoso, impaciente e tenta organizar as coisas.

Ele tem a impressão de estar a ser submetido a um interrogatório policial, e não fica nada satisfeito. Ele só quer que não lhe massacrem o juízo. Um homem já com anos de experiência de casado, antes que ela comece uma discussão sobre o seu "mutismo", já consegue utilizar estratagemas como: “Então como correu o dia?” Ela então fala, entrando em muitos atalhos, minúcia de detalhes. E ele mortinho que ela se cale e o deixe em paz. Ele só quer um pouco de sossego! E ela: "Fui ao supermercado e parti o salto do sapato no paralelo da passadeira". E ele: "E tu foste ao supermercado de saltos altos? É um perigo! Porque não foste de sapatilhas? É mais seguro!". Ela pensa: "Porque é que ele é um chato?" Quando um homem fala, usa de modo geral frases curtas, com ar de estrutura. Geralmente, há um início simples, uma ideia clara e uma conclusão. É fácil entender o que ele quer dizer. Mas se a mulher começar a misturar uns assuntos com outros, ele passa a baralhar tudo e perde-se. E é por isso que elas dizem que eles nunca as entendem. É importante que a mulher aceite que, para se fazer entender, ou convencer um homem, deve apresentar com clareza um pensamento, ou uma ideia de cada vez, uma coisa de cada vez para ele ter que pensar.


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