Reflexões com a companhia de Leonard Cohen
Está vindo por um buraco do céu / Daquelas noites na Praça Tiananmen
Está vindo da sensação de Que isso não é exatamente real
Ou é real, mas não está exatamente lá / Da guerra contra a desordem
Das sirenes noite e dia / Do fogo dos sem-abrigo / Das cinzas dos gays / A democracia está a chegar aos Estados Unidos
Em primeiro lugar não se educa uma criança como quem domestica um animal. O direito de educar está dentro do direito de criar. Assim, como quem cria são os pais, logo o direito original da nossa educação pertence aos nossos pais e não ao Estado. E é isso que está inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos; Declaração Universal dos Direitos da Criança; Constituição da República Portuguesa. Isto é o Direito, ao qual se tem de subordinar a Política, e obviamente o Estado. Quando o Estado se arvora em educador dos nossos filhos, sobrepondo-se ao direito dos pais, o Estado está a exercer abuso de poder. O Estado não se deve meter onde não é chamado. Pelo contrário, deve defender a liberdade de os cidadãos se educarem a si próprios. Porque uma coisa é educar; outra coisa bem diferente é ensinar. E não cabe ao Estado fazer qualquer tipo de engenharia social em prol da educação.
Compete ao Estado, é sua responsabilidade e obrigação cuidar do Ensino. Mas não se deve confundir com a obrigatoriedade do ensino de matérias de facto, de ciência, de valores consensuais estabelecidos na sociedade, com matérias de ideologia onde cabe tudo menos consenso. E ideologia nada tem a ver com tolerância e respeito pelas ideias do Outro. O que o Estado deve respeitar acima de tudo é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da Subsidiariedade, que subsumem o direito à liberdade.
A vida dos povos e a sua organização precisa de uma soberania. Mas a soberania está abaixo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e o Estado subordina-se ao Princípio da Subsidiariedade. Bem, para aprofundarmos tudo isto tínhamos que ler a Constituição. A dignidade da pessoa humana está acima da soberania do povo, e ainda mais quando a ideologia totalitária concebe "povo" como uma massa única com pessoas lá dentro, e o que importa é a massa e não as pessoas. Apesar de a Suíça, das democracias liberais em exercício, a mais antiga do mundo, ser virtuosa quanto à democracia direta, convenhamos que a que é praticável é a democracia representativa, quando na representação estão milhões de pessoas. Mas isso não significa que fica afastada a possibilidade de algum tipo de democracia participativa. Estou a referir-me à participação da chamada "Sociedade Civil". Não está no papel do Estado, representado pelos políticos na Assembleia da República, fazer tudo o que quer. [Ler o Artigo 2 da Constituição]
Está vindo por uma fenda na parede / Numa inundação visionária de álcool
Do relato surpreendente / Do Sermão da Montanha / Que eu não pretendo entender
Está vindo do silêncio / No cais da baía / Do corajoso, o ousado, o maltratado
Coração do Chevrolet / A democracia está a chegar aos Estados Unidos
Está a vir da tristeza na rua / Dos lugares sagrados onde as raças se encontram
Do espetacular homicida / Isso acontece em todas as cozinhas
Para determinar quem vai servir e quem vai comer / Dos poços da deceção
Onde as mulheres se ajoelham para rezar / Pela graça de Deus aqui no deserto
E o deserto longe / A democracia está a chegar aos Estados Unidos
Em conclusão, a função do Estado, através dos seus agentes do poder, não é formatar o pensamento. As questões de ordem moral não são questões para o Estado se meter na liberdade de opção dos cidadãos. Tanto mais que as questões de ordem moral não são questões científicas, nem de facto. Questões destas não podem ser codificadas em programas escolares, muito menos obrigatórios, e muito menos sujeitos a avaliação dos alunos. Porque, como já se disse, educar não é a mesma coisa que ensinar ou instruir a população.
Navegue em frente, navegue em frente / O poderoso navio do estadoKant é um dos pensadores Major das melhores referências da nossa civilização ocidental. E Kant disse que a pessoa humana é um fim e si mesmo. No âmbito da vida democrática os partidos políticos não podem esvaziar a participação que também pertence aos cidadãos de forma direta. Esta vida democrática, para além de ser circular e não linear, gira em três círculos principais: o círculo público da esfera civil; o círculo público da esfera estatal; e o círculo privado. Na esfera civil do círculo público é onde entra a chamada "Sociedade Civil" (Associações, Ordens, Sindicatos, etc.). E na esfera estatal do círculo público é onde cabe o aparelho político do Estado, e a quem o povo entrega a missão de fazer as leis do Estado de Direito, e de as aplicar e fazer cumprir através da legitimidade do poder.
Para as margens da necessidade / Passado os recifes da ganância
Através das rajadas de ódio / Navegue, navegue, navegue, navegue
Está a vir primeiro para a América / O berço do melhor e do pior
É aqui que eles têm o alcance / E a maquinaria para a mudança
E é aqui que eles têm a sede espiritual / É aqui a família está nas lonas
E é aqui que o solitário diz / Que o coração tem que se abrir
De uma forma fundamental / A democracia está a chegar aos Estados Unidos
Portanto, o Estado tem de medir muito bem a sua legitimidade quando se intromete no círculo privado. E muto menos se pode permitir intrometer com ditames acerca da esfera emocional das pessoas e dos seus comportamentos correlacionados. Neste passo da reflexão é oportuno referir que a imagem geométrica na qual podemos enquadrar as escolhas políticas dos cidadãos está longe de ser apenas uma linha horizontal que se estende entre o lado esquerdo e direito do espetro polítrico. Esta seria uma imagem linear. Mas esta questão para além de ter extensão num plano linear, também tem profundidade, a qual se move numa orientação vertical de baixo para cima, que é um eixo que corre de baixo para cima: da liberdade total até ao autoritarismo totalitário e iliberal. E este eixo tanto pode girar no lado esquerdo, como no lado direito do espetro político.
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