quinta-feira, 24 de julho de 2025

Mahsa Amini


Em setembro de 2022, Mahsa Amini, jovem curda de 22 anos, foi presa pela "polícia da moral" por supostamente usar o hijab de forma “imprópria”. Morreu dias depois sob custódia, com sinais de espancamento. Isso gerou uma revolta espontânea em todo o país inspirada no movimento das mulheres curdas da Síria e do Iraque. Tornou-se um grito de libertação civil que englobou a luta contra toda a forma de repressão. Milhares de jovens saíram à rua. Os protestos ocorreram em mais de 80 cidades, inclusive em redutos conservadores. O regime reagiu com repressão brutal. Centenas de mortos (ONGs estimam mais de 500). Milhares de presos, incluindo crianças. Algumas execuções por “corrupção na Terra”, uma acusação ampla usada contra opositores. Mesmo sob brutalidade, o protesto deixou uma mensagem: "O medo está a ser vencido, e a ruptura entre povo e regime é profunda". 
O Irão é, hoje, um país onde um povo moderno vive sob um regime arcaico, e a tensão entre essas duas forças cresce a cada ano. Resta saber quanto tempo essa contradição poderá ser sustentada.



A morte de Mahsa Amini não foi só uma tragédia — foi um símbolo da opressão diária vivida pelas mulheres. Mulheres de todas as idades tiraram o véu nas ruas, queimaram hijabs, cortaram os cabelos. Foram gestos de desobediência civil com risco de prisão, tortura ou morte. Lideraram os protestos com coragem, mobilizando também homens e minorias étnicas. Mesmo sem uma revolução imediata, o movimento “Mulher, Vida, Liberdade” mudou o imaginário nacional. O véu deixou de ser apenas um tecido: tornou-se símbolo da dominação. O número de mulheres que se recusam a usá-lo é cada vez maior, mesmo com ameaças e punições. O regime não consegue mais conter a luta. O colapso pode não vir por um golpe, mas por um longo desgaste ético, simbólico e social.

A Guarda Revolucionária é um Estado dentro do Estado. Foi criada por Khomeini em 1979 para proteger a revolução islâmica, de forma independente das Forças Armadas regulares. Tornou-se uma força militar, ideológica e económica. Controla o programa de mísseis, a inteligência externa (Força Quds) e a repressão interna. Controla grandes conglomerados industriais, de construção, telecomunicações e o petróleo. Está por trás de Khatam al-Anbiya, maior empresa de engenharia do país (infraestrutura, gás, barragens, estradas). Fundos paramilitares e fundações islâmicas (bonyads), isentos de impostos, que drenam recursos estatais. Estes guardas ganham com o contrabando e o mercado negro, que cresce justamente devido às sanções. Interesse direto na manutenção do conflito com o Ocidente. Quanto mais o país é isolado, mais os "Guardas" lucram e reforçam a sua posição interna.

Por conseguinte, o regime aguenta-se com repressão sofisticada, que é brutal. A elite religiosa e militar se protege mutuamente. Não há instituições democráticas funcionais nem uma oposição estruturada. O povo resiste, mas está isolado, cansado e empobrecido. Ainda assim, o regime perdeu a legitimidade junto a boa parte da população, especialmente entre os jovens. Os protestos de 2022 foram mais profundos do que os anteriores. As mulheres estão na linha da frente, e isso mostra que a luta agora não é só política, é existencial e civilizacional.

Desde 1979, sob o regime dos aiatolás, as mulheres foram colocadas em posição legal inferior. São obrigadas a usar hijab (véu islâmico) em público, mesmo contra a sua vontade. Não podem cantar ou dançar em público. São discriminadas em tribunais. O testemunho de uma mulher vale metade do de um homem. Elas precisam de permissão do marido para viajar. Em heranças, recebem metade da parte dos homens. Mesmo com altos níveis de escolaridade, a mulher iraniana enfrenta barreiras legais e sociais para atuar livremente na sociedade.

Mas elas não se curvaram, e vão resistindo continuamente desde os anos 1980. O regime permitiu o acesso feminino à educação (por razões demográficas e técnicas), mas isso fortaleceu as mulheres. Hoje, mais de 60% dos estudantes universitários no Irão são mulheres. Elas se organizaram silenciosamente em áreas como literatura, medicina, direito e arte. Desde os anos 1990, muitas começaram a testar os limites, usando lenços mais leves, maquiagens discretas, roupas coloridas. Em 2017, surgiram as "Jovens da Revolução", jovens que tiraram o véu em público e postaram nas redes. Essa rebeldia quotidiana abriu caminho para movimentos maiores.

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