sexta-feira, 25 de julho de 2025

A moralidade da política na habitação


A pior coisa que se pode fazer a um pobre é tratá-lo mesmo por pobre. É a indignidade em duplicado, é a marginalização completa. Mais do que a ideologia, é o interesse do país que importa. É claro, desde que se não coloque em causa a democracia pluralista, a justiça social e os direitos humanos. A matriz essencial do socialismo democrático português nunca aceitou fazer submergir a liberdade numa igualdade imposta pelo Estado que sempre foi o mantra dos partidos leninistas e trotskistas.

Hoje a área metropolitana de Lisboa está de novo confrontada com o problema das barracas porque os critérios que presidiram à grelha de avaliação dos vários governos divergiram dos critérios a nível autárquico. Ao nível central, em vez de ser a competência e a eficácia política dos autarcas, foram os critérios da bondade moral em relação aos pobres e aos imigrantes. Há uma tensão permanente entre a gestão pragmática e eficaz do território e a adoção de posturas morais ou simbólicas por parte de forças políticas, especialmente quando estão no poder central.

O problema da habitação remete-nos para décadas de políticas urbanas incompletas, de ciclos de realojamento que ora avançaram, ora estagnaram frequentemente por razões políticas, orçamentais e sociais. Por conseguinte, atualmente a discussão política gira em torno dos critérios morais // critérios de competência. Ora, só agora é que alguns acordaram para o facto de o populismo moral de esquerda poder ter efeitos contraproducentes. Bem-intencionados, mas incapazes de planear ou executar políticas estruturais. Atribuíram-se recursos sem estratégia de longo prazo, apenas com base em "sentido de justiça".

O retorno (ou persistência) das barracas, sobretudo nas periferias de Lisboa (como Loures, Amadora, Seixal), reflete várias falhas. Imigração desregulada, sem estrutura habitacional adequada. Mercado de arrendamento inacessível, que empurra os mais pobres para soluções informais. Estado e autarquias que falharam em garantir habitação digna, mesmo após décadas de programas como o PER (Programa Especial de Realojamento dos anos 90). Como no caso de Loures, foi um autarca comunista que esteve ao leme durante vários anos. Pode deduzir-se que a esquerda, por obsessão com a inclusão simbólica, negligenciou a gestão prática do território e da habitação. Pecou por uma contradição interna grave. Em nome dos pobres reproduziram-se situações indignas.

A moral substituiu a competência? O regresso das barracas na Área Metropolitana de Lisboa denuncia o fracasso estrutural do planeamento habitacional por sucessivos governos ao longo de anos. Apesar de programas públicos, o problema do acesso à habitação nunca foi verdadeiramente resolvido. Em vez de um planeamento urbano coerente, assistiu-se a uma acumulação de respostas pontuais, frequentemente reativas e sem continuidade. O aumento do turismo, a especulação imobiliária e a pressão migratória intensificaram o problema. Mas as autarquias e o governo central falharam em adaptar-se. A consequência foi o reaparecimento de construções precárias, muitas vezes em zonas limítrofes ou esquecidas do tecido urbano.

Nos últimos anos, em particular sob a influência dos partidos de esquerda, assistiu-se a uma espécie de substituição da avaliação de desempenho político pela consagração da “bondade moral”. Autarcas e responsáveis políticos passaram a ser escolhidos e mantidos com base na sua sensibilidade em relação aos pobres e aos imigrantes. O que em si, não sendo condenável, não teve a devida avaliação da sua capacidade executiva. A compaixão passou a justificar a inação. A tolerância converteu-se em permissividade. E a retórica da inclusão serviu, por vezes, para encobrir a falta de autoridade e a ausência de uma visão de futuro para os territórios. A transformação de bairros em zonas de convivência multiétnica e socialmente diversas, defendida como ideal, não foi acompanhada por infraestruturas adequadas, estratégias de integração nem mecanismos de controlo urbanístico eficazes.

O resultado foi uma nova geração de bairros precários, com más condições sanitárias e urbanas. E as tensões entre populações locais e recém-chegados não se fizeram esperar. E assim se perdeu a confiança na eficácia do Estado, o que alimentou o crescimento de forças populistas que exploram este vazio de autoridade e planeamento. O mais grave neste cenário é o paradoxo que se revela: em nome da defesa dos pobres, perpetuam-se condições de indignidade. O discurso que proclama inclusão torna-se cúmplice de formas encapotadas de exclusão, pois permite que comunidades inteiras vivam em guetos informais, à margem dos serviços públicos, sem segurança jurídica nem dignidade mínima. A esquerda, ao abdicar do realismo e da exigência, arrisca perder o monopólio da justiça social e abrir espaço à sua caricatura mais autoritária.

Por conseguinte, o problema das barracas não é apenas urbanístico. É sintoma de uma cultura política que precisa urgentemente de reencontrar o equilíbrio entre ética e eficácia. É possível e desejável manter uma política solidária e inclusiva, mas ela tem de assentar em critérios rigorosos de planeamento, autoridade e competência. Caso contrário, continuará a promover-se a ilusão de justiça social enquanto, na prática, se perpetuam as piores formas de desigualdade e abandono.


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