quarta-feira, 23 de julho de 2025

Parentalidade frágil


Vamos abordar a questão que começa agora a ser mais falada em certos fóruns de discussão sociológicos - a fragilidade da parentalidade contemporânea e a fraqueza de carácter que dela decorre ou com ela se cruza. 
Três problemas candentes: 1) O colapso da autoridade do professor; 2) O fetiche contemporâneo da autoestima infantil; 3) O papel disruptivo do smartphone no ambiente escolar. A autoridade do professor desautorizada por pais ansiosos num sistema permissivo. 

Nas últimas décadas temos assistido à erosão da figura do Professor enquanto autoridade legítima. Passou a ser um sucedâneo de uma espécie de “prestador de serviços” feito para agradar ao aluno e aos pais do aluno. A consequência direta disso foi a formatação de alunos sentindo o direito de contestar tudo, até mesmo a disciplina e os critérios de avaliação. E a intervenção dos pais na escola passou a ser agressiva para com o Professor. As Direções Escolares sentiram-se politicamente pressionadas ao ponto de muitas vezes terem sacrificado o professor para evitar mais conflitos. Resultado: o Professor perdeu o estatuto simbólico que detinha, o de ensinar a juventude a saírem da sua ignorância e adquirirem conhecimentos para a vida futura. Mas em vez disso produziram-se pessoas com grande sensibilidade emocional, mas com baixa robustez moral. E essa sensibilidade tem-se transformado em narcisismo ressentido.

O que se entende por "parentalidade frágil"? A parentalidade frágil refere-se a um estilo de educação dos filhos marcado pela insegurança, permissividade excessiva, falta de autoridade ou de consistência emocional por parte dos pais. Está associada a pais demasiado protetores, que tentam evitar qualquer sofrimento aos filhos, mesmo o necessário para um crescimento empoderado. Pais emocionalmente ausentes ou distraídos com a atual dependência digital. Pais que delegam a educação aos professores na escola, ou ao Estado, e depois quando algo corre mal exigem satisfações. Pais que não impõem limites claros, com medo de “traumatizar” a criança. Ou medo de serem vistos como autoritários. É uma parentalidade muitas vezes reativa, não proativa, que responde aos impulsos dos filhos, não os orientando com firmeza.

Então, como é que esta fragilidade parental contribui para a fraqueza de carácter? Uma infância sem limites consistentes, sem frustrações toleráveis, e sem modelos de autoridade respeitável, tende a produzir adultos emocionalmente imaturos, incapazes de esforço continuado, com baixa resiliência e grande egocentrismo emocional. Os efeitos podem incluir incapacidade de lidar com a crítica ou o fracasso. Dificuldade em assumir responsabilidades. Tendência para o narcisismo ou vitimização crónica. Rejeição de normas comuns em nome de uma “autenticidade” mal entendida. A consequência é uma erosão do carácter. Não se trata de rigidez moral na crítica que se lhes faz, é estrutura sólida que é preciso ter para ser firme, ter capacidade de escolha ética, e resistência à pressão do grupo.

Ora, isto está a ser uma dor de cabeça para os governantes ocidentais. Há vários planos onde isto se manifesta. Na Escola: Professores cada vez mais impotentes perante alunos e pais que não respeitam a cadeia hierárquica de autoridade. As escolas tornam-se espaços de gestão comportamental, não de aprendizagem. Na Opinião Publicada e Académica: Cultura de ressentimento e cancelamento que não tolera o contraditório. A liberdade de expressão sofre porque tudo é potencialmente “ofensivo”. No Trabalho: Dificuldade crescente em formar equipas com espírito de sacrifício, sentido de dever e capacidade de trabalhar sob pressão. O hedonismo emocional choca com o realismo das exigências profissionais. Democracia e cidadania: Cidadãos sem carácter forte facilmente manipuláveis nas redes sociais. A fragilidade afetiva cria populismos emocionais. Os cidadãos não querem ouvir verdades difíceis, apenas promessas reconfortantes. O tribalismo digital substituiu o debate cívico.

Quais são as raízes deste fenómeno? Não há uma só causa, mas algumas linhas podem ser apontadas: declínio da autoridade tradicional sem substituto funcional; excesso de foco na autoestima infantil, sem correlação com o mérito real; hedonismo pós-moderno que evita o sofrimento como imperativo ético; pais que fazem questão de dizer que tratam os filhos como "amigos", por trauma do passado de uma infância demasiado rígida; individualismo extremo, em que os deveres, perante o coletivo, são vistos como opressão.

Praticamente esta cultura começou a instalar-se no ocidente a partir de meados de 1960. A educação evitou expor as crianças à frustração, supondo que isso podia ser traumatizante. Mas a neurociência moderna tem mostrado que a capacidade de lidar com a frustração é crucial para o desenvolvimento de um cérebro saudável. O córtex pré-frontal, que é responsável pelo autocontrolo, planeamento e empatia, passa por um processo de maturação que se desenvolve desde o início da adolescência até à sua plenitude numa idade que varia entre os 20 e os 25 anos. A exposição progressiva a limites e frustrações, desde a infância, é essencial para essa maturação. Crianças que não aprendem a tolerar o "não", ou a saber esperar, tendem a desenvolver maior impulsividade, ansiedade e baixa tolerância ao stress.

A dopamina está ligada à motivação e à recompensa. Quando tudo é dado de imediato o sistema dopaminérgico habitua-se a picos fáceis. Isso prejudica a capacidade de projetar objetivos de longo prazo e de perseverar, ou seja, de ter força de carácter ou como se costuma dizer "força de vontade". A chamada "gratificação adiada" está ligada a maior sucesso escolar, e mais tarde maior sucesso profissional. 

Allan Bloom, em "The Closing of the American Mind" (1987), já denunciava que a juventude ocidental não procurava a verdade, mas apenas autenticidade emocional. Alguns departamentos das ditas humanidades das universidades, sobretudo americanas e francesas, tornaram-se coniventes. Transmitindo o sentido da tolerância, mas não das virtudes exigentes (coragem, temperança, justiça). Daí ter dado origem a uma geração "aberta" no discurso, mas fechada em relação ao transcendente pragmatismo do esforço intelectual para a vida real nua e crua.

Christopher Lasch, em "The Culture of Narcissism" (1979) -- viu antes do tempo o que hoje chamamos de “adultos frágeis”. Centrados em si mesmos, em busca constante de validação externa, sem estruturas internas sólidas para lidar com o fracasso e com a crítica. Assim, a parentalidade tornou-se emocionalmente difusa e funcionalmente ineficaz para a estabilidade familiar. 

Hannah Arendt, em "Entre o Passado e o Futuro" e "A Crise na Educação" -- argumenta que educar não é libertar a criança do sacrifício, mas assumir que o sacrifício é uma espécie de eufemismo do sentido de responsabilidade por deixar aos descendentes um mundo melhor do que aquele que foi recebido: “O facto de as crianças serem novas no mundo é razão suficiente para que precisem de adultos dispostos a introduzi-las no mundo tal como ele é, e não tal como gostariam que fosse.” Segundo Arendt, educar é conservar e transmitir uma herança que a criança, por si, não pode criar nem julgar. A recusa em exercer autoridade sobre os filhos é uma fuga à responsabilidade, não uma prova de respeito. A crise educativa do Ocidente é uma crise da coragem adulta, em que estão a ser formados cidadãos frágeis, consumidores compulsivos de dopamina, tanto ao nível das drogas químicas como da droga digital. Isso minou a cultura democrática, fortaleceu a lógica tribal das trincheiras ideológicas. 

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