sexta-feira, 25 de julho de 2025

As oscilantes mudanças do diapasão da opinião pública



Entre a opinião pública e publicada há uma espécie de diapasão que marca a moda do "ar do tempo". No entanto, ainda há analistas que não compreendem como é que a opinião pública, que até aqui afinava pelo diapasão do politicamente correto da extrema-esquerda, agora está a afinar pelo diapasão do populismo da extrema-direita.


A metáfora do "diapasão" que afina o "ar do tempo" é particularmente feliz porque remete para a ideia de uma ressonância entre diferentes esferas da sociedade (publicada, pública, política) que, de tempos a tempos, se ajustam a novas frequências, conforme a deslocação das forças dominantes. Durante anos, em muitas democracias ocidentais, a opinião publicada – ou seja, os meios de comunicação de referência, universidades, centros culturais e grande parte do sistema educativo – afinava por um diapasão progressista, com inclinação para causas ligadas à justiça social, igualdade de género, combate ao racismo, direitos das minorias, etc. Isto, embora nem sempre genuíno ou profundo, marcava o "politicamente correto", frequentemente associado à esquerda liberal ou mesmo à extrema-esquerda cultural.

Porém, o que muitos analistas não compreendem é que essa hegemonia cultural não era necessariamente acompanhada por uma adesão enraizada da população em geral. A opinião pública, embora parecesse alinhar, muitas vezes apenas "conformava-se", por medo de sanções sociais, vergonha ou ausência de alternativas articuladas. O advento das redes sociais e a crescente desconfiança nas elites mediáticas e políticas criaram as condições para uma "ressonância" com novas frequências – agora vindas da direita radical ou populista. A extrema-direita, ao romper com os tabus da linguagem e da "etiqueta pública", captou ressentimentos acumulados: económicos, identitários, morais. Explorou o desgaste de discursos considerados moralistas ou elitistas, bem como o sentimento de abandono por parte de segmentos das classes médias e populares.


A surpresa de certos analistas decorre de um erro de paralaxe: confundiram a opinião publicada com a pública. Não viram que, por baixo da superfície afinada pela cultura dominante, havia dissonâncias profundas. Agora, essas dissonâncias encontram expressão política e mediática alternativa, muitas vezes destrutiva, mas eficaz. Em suma: o "diapasão" do ar do tempo mudou de tom porque os instrumentos que antes ressoavam com um certo progressismo passaram a ecoar outras vibrações – menos polidas, mas mais visceralmente populares. A oscilação entre extremos ideológicos parece, assim, menos um erro de percurso e mais um reflexo das tensões não resolvidas de um corpo social que nunca esteve verdadeiramente em harmonia.

O que está a acontecer no Ocidente é, em larga medida, um momento sísmico de reequilíbrio cultural e político. A oscilação do pêndulo da opinião pública, que outrora pendia confortavelmente para os valores do liberalismo progressista, está agora a regressar, com violência acumulada, para o lado do conservadorismo, do nacionalismo e do populismo deixando a opinião publicada "mainstream" perplexa, fragilizada e, em muitos casos, à defesa.

Durante décadas, o campo progressista ocupou com relativa hegemonia os centros de produção simbólica: universidades, imprensa de referência, meios culturais, plataformas de visibilidade social. Isso gerou, por um lado, ganhos reais (direitos civis, inclusão, linguagem mais ética), mas por outro também um clima de vigilância e conformismo moral que, aos olhos de muitos cidadãos, se tornou sufocante. O cansaço da linguagem higienizada e da retórica identitária constante abriu espaço para a retórica crua e transgressora do populismo de direita, que se apresenta como "libertadora", embora muitas vezes o seja apenas no plano da linguagem e da reação emocional. Há uma clivagem crescente entre os grandes centros urbanos cosmopolitas (ainda dominados pela opinião publicada progressista) e as periferias geográficas e sociais, onde a opinião pública é cada vez mais conservadora ou até reacionária. O pêndulo balança porque há uma enorme tensão acumulada entre estas geografias culturais.

As redes sociais quebraram o monopólio da opinião publicada e criaram um ecossistema paralelo onde a emoção, o ressentimento e o tribalismo superam a análise, o contexto e o equilíbrio. O novo "ar do tempo" é moldado por algoritmos que amplificam a dissonância. E a velha imprensa, ao tentar adaptar-se, ou perde credibilidade ou reforça o seu isolamento. As sociedades ocidentais vivem um mal-estar difuso: medo da decadência, insegurança cultural, crise demográfica, angústia ecológica, disfunção institucional. A promessa iluminista de progresso contínuo parece falhar. Nessas circunstâncias, a opinião pública busca refúgio em discursos de ordem, identidade, segurança -- que são hoje oferecidos, de forma simplista, mas eficaz, pela nova direita radical.

A oscilação do pêndulo que hoje estremece a opinião publicada não é um mero episódio. É o sintoma de uma transição profunda, em que o consenso liberal/progressista do pós-Guerra Fria está a ser desafiado por novas forças políticas e culturais que ainda não encontraram o seu ponto de equilíbrio, mas que respondem a angústias reais, mesmo que com soluções perigosas. O desafio para quem pensa criticamente é não cair nem na condescendência elitista que despreza a opinião pública, nem na demagogia que desvaloriza o papel civilizacional da opinião publicada. O momento exige lucidez histórica, paciência estratégica e coragem intelectual.

Sem comentários:

Enviar um comentário