Transições de fase -- é um conceito da Física. Uma transição de fase ocorre quando um sistema passa de um estado para
outro. É o caso da água: quando passa do estado líquido para gasoso; do estado líquido para sólido; ou sólido para líquido; e assim sucessivamente. Tem a ver com alterações qualitativas no
comportamento coletivo dos seus constituintes. Pomos água a
ferver, e há um momento em que vemos o vapor de água surgir e a seguir o líquido borbulhar. É a transição de fase líquida para gasosa. O mesmo acontece com a magnetização de materiais. Acima de certa temperatura (ponto de Curie), os átomos deixam de estar
alinhados. É a supercondutividade ou superfluidez, onde surgem propriedades
emergentes com quebra espontânea de simetria. Esses comportamentos coletivos
são muitas vezes descritos por modelos estatísticos. É o caso do Modelo de Ising.
Como é que isto se aplica à Sociedade? Os modelos físicos
estatísticos hoje também são usados para simular e compreender fenómenos
sociais. Aplicam-se sobretudo ao estudo dos comportamentos coletivos: revoltas; modas; bolhas económicas; polarização em política. Alguns conceitos chave: agentes sociais são o equivalente das partículas. Os agentes interatuam entre si, tal como as forças locais, seja como amigos, grupos tribais, etc. E então os Estados podem passar de umas fases para outras: umas vezes dá-se por consenso; outras vezes dá-se por conflito.
Tipifica as transições abruptas: uma pequena mudança nas condições legais, ou um escândalo político, pode provocar uma mudança súbita e drástica no comportamento coletivo. O modelo de Schelling, precursor neste campo, mostra como a segregação urbana pode emergir mesmo que cada agente só tenha uma moderada relação com a vizinhança. O sistema evolui para uma fase de segregação sem que seja essa a intenção de cada pessoa a título individual.
O Prémio Nobel da Física de 2016 foi atribuído a David Thouless, Duncan Haldane e Michael Kosterlitz. Eles receberam o prémio pelas suas descobertas sobre transições de fase topológicas e fases exóticas da matéria, como: Supercondutores de filmes finos (2D), Isoladores topológicos, Estados quânticos de Hall fracionário. O Nobel de 2016 não foi atribuído pela aplicação à sociologia, mas sim por descobertas fundamentais na física da matéria condensada com técnicas matemáticas que depois inspiraram outras áreas, incluindo sociologia, ciência das redes, economia, e inteligência artificial.
A Primavera Árabe foi analisada como uma transição de fase social -- uma acumulação de tensão até um ponto crítico. O mesmo acontece com as bolhas financeiras, que são tratadas como transições de fase com flutuações crescentes perto do "ponto crítico". A grande contribuição dessas ideias foi a possibilidade de hoje se poderem modelar os comportamentos coletivos: como é o caso dos adeptos de futebol nos estádios. Volto à frase muito repetida: o todo não é a simples soma das partes. Assim como na Física, são as tais propriedades emergentes das coisas complexas. Os modelos físicos da Ciência da Complexidade tem a ver com o reconhecimento de padrões, limiares críticos, e os riscos do colapso sistémico.
Vamos, então, aplicar o modelo de transição de fase social à ascensão do Chega em Portugal. Recorremos à lógica do modelo de Ising adaptado ao comportamento político. É para tentar compreender a ascensão rápida, aparentemente súbita, do Chega. É assim uma mudança de fase política, com base num modelo físico simples. Fazendo uma analogia básica do modelo, em que ao elemento na Física (Ising) – corresponde a interpretação sociopolítica, temos: 1) Spin Si=±1S_i = \pm 1 »» opinião do indivíduo; 2) Interação JJ »» Pressão social: influência dos pares (família, amigos, media local); 3) Temperatura TT »» Grau de tolerância social / pluralismo / liberdade individual; 4) Campo externo HH »» Propaganda mediática ou indignação coletiva (corrupção, insegurança).
Portanto, entre 2000 e 2010 havia uma alta temperatura social – o discurso dominante era o do centro moderado. Apesar da crise de 2008–2012, o sistema partidário resistia relativamente bem; os indivíduos tinham diversidade de opiniões, mas sem rutura macroscópica; Não havia ainda campo externo forte a favor do Chega (i.e., sem "H" visível). Portanto, o sistema encontrava-se em fase desordenada estável: pluralismo com predominância moderada. Mas entre 2015 – 2019 há uma acumulação de tensão social com vários fatores acumulando "energia" no sistema: Escândalos de corrupção (BES, PT, Sócrates); Crise da habitação e sensação de desigualdade; Percepção de impunidade das elites; Questões identitárias (imigração, segurança, “ideologia de género”). Tudo isso começa a baixar a temperatura social TT → menor tolerância à diferença → mais polarização. O Sistema aproxima-se do ponto crítico. Pequenas perturbações passam a ter grande efeito coletivo.
A entrada do Chega na Assembleia (2019) foi um evento germinal, que funcionou como "núcleo de condensação"; O discurso de Ventura alinhou-se com frustrações latentes → campo HH externo forte; A presença mediática ampliou o efeito magnético: "vizinho vota Chega → eu também posso votar"; Baixo T + campo H elevado + J alto (pressão de grupo) leva à formação de uma maioria emergente nos subgrupos (zonas suburbanas, operariado, classes médias ressentidas). Transição de fase: de pluralismo disperso para um bloco organizado de oposição radical. Agora o Chega já não é marginal: tornou-se uma fase social cristalizada, com zonas de alta concentração (Alentejo, zonas rurais, periferias urbanas). A sua força depende agora de dois fatores: Manutenção de H (indignação, discurso populista); Baixo T (sentimento de medo, insegurança, falta de alternativas). Se T aumentar (confiança institucional, bons resultados económicos, justiça eficaz), o sistema pode reverter. Mas se H crescer (novo escândalo, crime mediático), o sistema pode alastrar, que é o domínio da fase “Chega”.
Assim, a ascensão do Chega pode ser vista como uma transição de fase sociopolítica, em que a combinação de frustração acumulada, percepção de desordem e falta de mediação eficaz criou as condições para um salto súbito de comportamento coletivo. O modelo ajuda a perceber que não há necessidade de maioria de convencidos, basta uma massa crítica organizada e uma rede de contágio emocional. A reversão não será gradual. O que tem de acontecer é uma nova transição de fase. Exigirá mudança nas condições globais do sistema, não só no discurso.
Recapitulando -- Cada pessoa tende a alinhar-se com os vizinhos (efeito
social) mas pode também resistir por convicção individual (ruído térmico). Cada
agente observa os seus vizinhos e atualiza a sua opinião conforme a maioria, com
probabilidade dependente de TT (ruído social): Se o vizinho médio for
favorável, maior chance de mudar para +1+1; Mas quanto maior o “T” (temperatura
social), mais livre é o indivíduo para divergir em sociedades
pluralistas. Se T→0T \to 0, todos copiam o vizinho → conformismo total. Se T→∞T \to \infty, cada um faz o que quer → caos social / desordem.
Com o tempo, duas possíveis fases sociais: Fase ordenada: a maioria pensa igual → consenso ou hegemonia cultural. Condições ideais para o apoio das massas à revolução; ou o apoio a um líder carismático (um caudilho, um ditador). Fase desordenada: opiniões divididas, sem padrão → pluralismo, polarização, o que em democracias maduras estabelece a incerteza eleitoral. O sistema pode mudar de fase se T (ruído social) ou H (influência externa) forem ajustados além de certo ponto crítico. Neste cenário pequenas mudanças levam a mudanças macroscópicas (é o exemplo da água que, a 100 °C, subitamente vira vapor.
Numa população com opiniões equilibradas, mas com muita pressão social (baixo T), pode surgir consenso forçado (fase ordenada). Mas se se introduzir um canal mediático pluralista ou liberdade de expressão (subida de T), pode surgir diversidade. Um pequeno escândalo político (mudança de H) pode reverter rapidamente a opinião de uma maioria → transição súbita. Este tipo de modelo ajuda-nos a perceber como sociedades complexas podem ser instáveis mesmo quando aparentemente estáveis. Tal como nos materiais físicos, há sempre uma tensão entre ordem e liberdade. É o que se está a passar agora nos EUA com Donald Trump e o Wall Street Journal - ao divulgar uma carta alegadamente enviada por Donald Trump a Jeffrey Epstein, um gestor de fortunas norte-americano, e que foi acusado de abuso sexual, acabando por morrer na prisão ainda em circunstâncias mal esclarecidas.
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