quinta-feira, 20 de agosto de 2020

A arte por procuração


Isto é a História a fazer-se em direto. Esta é uma instalação artística, em termos pós-modernos. Foi há dias no Brasil, cruzes e balões vermelhos que a ONG brasileira Rio de Paz colocou na praia de Copacabana, como protesto e homenagem aos 100 mil mortos da Covid-19 no Brasil, hoje já são muitos mais. Impressionante, o efeito visual desta instalação, tanto mais o número de mortos provocado pela pandemia, que é imenso.


As condições de visibilidade da arte pós-moderna é radical. Isto não é apenas uma imagem; isto é realmente assim, e é representativo de um momento único que, ele próprio, faz parte da História a fazer-se. São espantosas as imagens – artísticas, poéticas, denunciadoras – das ruas e praças, num dia vazias no dia seguinte cheias de manifestantes, ora contra, ora a favor.  

O Modernismo, que foi determinado pelos pensadores do Iluminismo, com o domínio da razão e o avanço desmedido da ciência e da tecnologia, não se pode eximir às suas responsabilidades por este turbilhão que se está a arrastar a par e passo e a empurrar a História para o precipício. A ciência nesta matéria tem prosseguido procurando colmatar lacunas em dois tipos de caminhos: um deles prende-se com a própria natureza da ciência, que consiste numa atitude perpétua de pesquisa da verdade; o outro tem mais a ver com a necessidade constante de arrumar o seu espaço no plano conceptual, e limpá-lo dos sempre velhos preconceitos periodicamente a aflorar em refluxos. Nenhuma busca pode ter recompensa mais agradável, nem objetivo mais admirável, do que o apaziguamento da paixão pela verdade, numa saga eterna pela compreensão do Mundo.

Esta representação aqui, de Krzysztof Wodiczko, um artista polaco, estava num museu americano, mas foi imediatamente retirada aquando do tiroteio na Flórida em 15 de fevereiro de 2018. Este autor é conhecido pelas suas projeções de slides em grande escala, nas fachadas dos edifícios e monumentos. Realizou mais de 80 dessas projeções públicas na Austrália, Áustria, Canadá, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Irlanda, Israel, Itália, Japão, México, Polónia, Espanha, Suíça e Estados Unidos. Combinando arte e tecnologia, destaca as questões culturais do nosso tempo, conotadas com a marginalidade execrável. 



O conceito de Pós-modernismo é um pouco esotérico, porque parece um albergue espanhol. E, no entanto, tirando académicas dos estudos culturais, poucos se assumem como tal, ainda que a crítica os considere parte nesse albergue. E a dificuldade começa por ser uma classificação dependente de uma outra coisa que se dá pelo nome de Modernismo. Portanto, o Pós-modernismo é uma designação parasitária do Modernismo. E então caímos na situação caricata de não sabermos definir Pós-modernismo se não soubermos primeiro o que é o Modernismo. Como a definição de Modernismo também ela mete os pés pelas mãos, apetece dizer que o Pós-modernismo é o enfant terrible do Modernismo.

Sendo assim, se o Pós-modernismo corresponde a um período identitário da história cultural do Ocidente, que abrange artes e pensamento, podemos dizer que não augura nada de cogente (raciocínio sólido e verdadeiro do ponto de vista filosófico). Deste ponto de vista, o Pós-modernismo é muito mal visto porque corresponde à derrocada do pensamento iluminista positivista, em que a perseguição da verdade foi deitada para trás das costas. Assim, a verdade, não merecendo mais o esforço, e o cabo dos trabalhos, em procurá-la, é como se não existisse: "O que é essa coisa da verdade?" 

O triste desfecho dos ideais utópicos na primeira metade do século XX com duas guerras mundiais e a explosão do contentor com todos os ismos lá dentro: como comunismo socialismo, fascismo, nazismo -desempenhou um papel desagregador de todas as crenças precedentes, em particular as crenças do Iluminismo que haviam dado lugar à independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa. O mesmo aconteceu com os avanços em vários domínios científicos, com as teorias da Relatividade e Incerteza quântica, que Thomas Kuhn consagrou com a sua teoria dos paradigmas, que deitaram por terra os pressupostos anteriores do progresso em ciência. Pelo contrário, cada paradigma é um mundo fechado que determina o que é pensável. Os paradigmas tornavam-se incomunicáveis entre si. É o que ele designou por incomensurabilidade. Mas o que sucedeu foi que os próprios cientistas das ciências duras, não deram importância nenhuma a Kuhn, tendo sido outros de disciplinas alheias, os chamados pós-modernistas, pós-estruturalistas, a pegar na ideia de Kuhn.

Neste quadro de Max Ernst – A Virgem Abençoada castigando o Menino Jesus com palmadas no rabo, perante três testemunhas – André Breton, Paul Eluard e o Pintor, 1926, em que Max Ernst elogia Santa Maria, mãe de Deus, inscreve-se no espírito Dadá. Os surrealistas fizeram um complô com Sigmund Freud, uma espécie de franquia (franchising), em que Freud faz uma concessão àqueles rapazes na exploração do inconsciente humano. 


O prazer das palmadas é uma blasfémia da Trindade, encarnada pelos três personagens. Enquanto a aura do Menino cai por terra, a de Maria mantem-se em equilíbrio. O quadro impressiona, ainda mais um castigo na presença de testemunhas, que pode representar o olho de Deus que tudo vê e nada faz pelo seu filho. Aqui quem agride é Ela, e não Ele, uma espécie de contradição nos termos. Ou, o amor de mãe é o mesmo, só que por outros desígnios. E ainda mais nos dias de hoje, em que o castigo físico a crianças, ainda que por parte de uma mãe com propósitos educativos, é crime. 


A definição do Cubismo como movimento é bastante posterior às primeiras pesquisas efetuadas por Pablo Picasso a partir de 1907 com "Les Demoiselles d'Avignon", a primeira criação cubista que Picasso não chegou a concluir. Aliás, essa de não concluir os trabalhos é um ferrete mítico que os críticos lhe colaram à pele. 


Nesta máscara da cultura Fang, como em tantas outras em que Picasso se inspirou, foi a ideia de simplificação das formas que mais fascinou Picasso, ou seja, a importância da captação dos elementos básicos do rosto para a elaboração do seu desenho. Essa ideia foi muito importante para a elaboração das teorias à volta do cubismo. Em Les Demoiselle d'Avignon percebemos, nas duas figuras da direita a semelhança com as máscaras. Também, é possível notar que nas cores do quadro há a predominância de tons terrosos, outra forte referência às cores das máscaras africanas.

Os pós-modernistas têm procurado interpelar a arte moderna nos museus para que expliquem a influência da arte africana em artistas como Picasso, Miró e Giacometti. Obras ocidentais com nome e data inspiradas em artistas intemporais, anónimos. Os multiculturalistas têm pugnado pela inclusão de culturas até então deliberadamente excluídas. E alguns foram ao ponto de inverter por completo a narrativa histórica eurocêntrica tradicional, sugerindo que a África e a Índia eram, na realidade, as fontes originais da cultura ocidental. Tal como a posição essencialista, que aderia à designação de mulheres como representantes da Natureza, da emoção e do corpo, o multiculturalismo parecia aceitar as culturas não ocidentais como mananciais da espiritualidade, do instinto e do irracional. 
 
A partir dos anos 50 do século XX a História da Arte encontra-se repleta de novas classificações. Mais do que nunca, o início do século XX é marcado pelas novas teorias científicas a intrometerem-se na arte. Juan Gris declara em 1923: "A matemática pictural conduz-me à física representativa". Vá-se lá saber o que isso significa. A partir de Juan Gris o real é deixado aos fotógrafos e os pintores cubistas dedicam-se à Relatividade de Einstein. 

Manifesto Futurista de Marinetti, publicado em fevereiro de 1909 no jornal francês Figaro, foi traduzido pouco tempo depois para o russo. Mas as suas posições nacionalistas, intervencionistas e, mais tarde, fascistas, assim como a apologia que faziam da guerra, suscitam a desconfiança e críticas severas por parte de outros artistas, como Midigliani De Chirico. O programa de Marinetti, que viaja incessantemente pela Europa, até à Rússia, pronunciando as suas conferências, recorrendo ao terrorismo verbal, inclui não apenas todas as disciplinas artísticas, mas também a vida dos próprios artistas, que devem tornar-se audaciosos e provocadores: "A beleza nasce da luta". Os futuristas, sobretudo Boccioni, inspiram-se na filosofia de Nietzsche e de Bergson

Kazimir Severinovich Malevitch, pintor abstrato russo de ascendência polaca e ucraniana, fez parte da vanguarda russa e foi o mentor do movimento conhecido como SuprematismoEm 1934 propõe um projeto (que será recusado) para o Monumento a Lenine, em que este era representado por um cubo. Já em dezembro de 1915, aquando da última exposição futurista, Tatline bateu-se com Malevitch, à boa maneira dos seus antepassados camponesas, por causa das suas composições suprematistas. Os primeiros Planites de Malevitch aparecem em 1923. Projetos sobre papel de vasos voadores, conjuntos ortogonais de paralelepípedos obtidos através da deslocação dinâmica do elemento de base do quadrado.


Composição Suprematista de Malevitch, de 1916, que em maio de 2018 foi vendida por 85,8 milhões de dólares na Christie's, batendo o recorde de uma obra de arte russa. O Malevitch foi comprado pelo sócio da Lèvy Gorvy,  Brett Gorvy, que estava sentado no corredor e a falar com um cliente através de auscultadores brancos ligados a um telemóvel. Gorvy — que foi presidente do departamento do pós-guerra e contemporâneo da Christie's durante mais de duas décadas, até que saiu para se juntar a Dominique Lévy no final de 2016 — bateu o atual copresidente do departamento, Alex Rotter, num duelo que terminou quando Gorvy ofereceu 76 milhões de dólares e Rotter não conseguiu subir mais alto, obrigando o leiloeiro Adrien Meyer a derrubar o martelo.


Esta é mais uma pintura a óleo em tela, de 1992, de Gerhard Richter, intitulada "Abstract Bild", e que foi leiloada, em outubro de 2012 em Londres, pela leiloeira Sotheby’s, por 26,4 milhões de euros, batendo recordes de venda para um artista vivo. A obra pertencia à coleção privada do músico Eric Clapton, e foi comprada por um anónimo, ao fim de uma renhida disputa entre dois candidatos. Gerhard Richter é um pintor alemão com 88 anos de idade, da Alemanha de Leste, e que se mudou para a Alemanha ocidental, Düsseldorf, em 1961. Aí descobriu o expressionismo abstrato. Sob todos os aspetos na sua arte, Richter assumiu uma distância cética de vanguardistas e conservadores no que respeita ao que deveria ser a pintura, escolhendo, em vez disso, testar os limites do que ele como artista poderia criar fora das convenções formais e do legado ideológico contraditório. O resultado, paradoxalmente, tem sido a mais completa "desconstrução" dessas convenções e, ao mesmo tempo, um dos mais convincentes exemplos de renovada vitalidade na pintura dos finais do século XX e inícios do século XXI.


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