quinta-feira, 6 de agosto de 2020

A propósito de ofendidos e perdoados, recordemos a remissão do pecado de Hamilton

Lewis Hamilton - automobilista britânico, seis vezes campeão mundial de Fórmula 1, nos anos de 2008, 2014, 2015, 2017, 2018 e 2019 foi notícia em agosto de 2018, quando os leitores da revista masculina GQ se depararam com a fotografia de Lewis Hamilton na capa, com vestes bem abertas mostrando os peitorais, com a frase: «"Eu quero pedir desculpa" Lewis Hamilton rejeita contornar a questão». E dentro da revista mais fotografias e uma entrevista. Hamilton tenta redimir-se de uma forma fora do comum, por ter envergonhado o sobrinho no Instagram, quando no Natal de 2017 o ridicularizou por se ter vestido de princesa.

Este caso, quanto ao tema da Liberdade de Expressão, ainda é paradigmático porque ilustra bem o que está acontecer nos dias de hoje com a censura nas redes sociais. No dia de hoje em que é notícia o Facebook ter apagado pela primeira vez um post de Trump, e o Twitter ter barrado a conta da campanha para a sua reeleição.

Lewis Hamilton dá a entrevista num quarto de hotel no Mónaco, para o evento de lançamento da nova coleção de roupa com Tommy Hilfiger. Aqui, o tetracampeão mundial de Fórmula 1, fala sobre a sua contrição e o dever dos modelos masculinos na era das redes sociais. Hamilton, afinal de contas, é o desportista vivo mais bem sucedido da Grã-Bretanha; um desportista que aos oito anos começou a dar nas vistas na modalidade de karting. Não era caso para ser trucidado nas redes sociais, por causa de ter cometido a gafe de tornar pública, através do Instagram, uma cena privada com o seu sobrinho em casa.
Antes de começarmos - um refrescante sobre o já referido debacle nas redes sociais: no dia de Natal de 2017, Hamilton publicou um vídeo no Instagram de si mesmo a ter uma conversa em tempo real com o sobrinho de quatro anos. No vídeo, Hamilton disse aos seus seguidores - 6,4 milhões deles - que estava "tão triste neste momento" porque o seu sobrinho, que sorria timidamente atrás da mão para a câmara, estava a usar um vestido de princesa cor-de-rosa fofinho que lhe tinha sido dado naquela manhã: “Porque estás a usar um vestido de princesa?" - perguntou Hamilton. "É isto que tens no Natal?" - continuou, antes de exclamar: "Os rapazes não usam vestidos de princesa!" - Nessa altura, o sobrinho saiu da sala. A reação nas redes sociais não se fez esperar. Muitos, no Twitter, com raiva, pediram sangue, enquanto figuras proeminentes pediam ação. O ativista LGBTQ+, Imraan Sathar, afirmou que Hamilton deveria ser despojado do seu MBE, enquanto o fundador da caridade anti-bullying Ditch The Label, Liam Hackett, disse: "Desapontante ver alguém com uma plataforma tão grande usá-la para envergonhar publicamente e tentar minar uma criança pequena". Hamilton retirou o vídeo e foi rápido a pedir desculpa no Twitter: "Não quis fazer mal e não quis ofender ninguém de todo." Apenas um mês depois, Hamilton fez uma aparição na Disneyland Paris com o sobrinho, que usou um vestido de princesa para a viagem enquanto estava de mãos dadas com o tio.
Tudo isto se tornou terrivelmente sério para HamiltonPerante estes casos, muitas pessoas preferem capitular, e alinhar na corrente da manada. Uma instituição antibullying condenou-o por usar a sua rede social para humilhar uma criança. Hamilton era um transfóbico com estereótipos de género datados. Hamilton desdobrou-se a pedir pedir desculpas publicamente, dizendo que amava muito o sobrinho, e que esperava ser perdoado pela sua atitude infeliz, mas mesmo assim, não foi suficiente. Alguns meses mais tarde, aproveitou aquela oportunidade de se redimir através da revista GQ. A GQ é estreitamente associada à metrosexualidade. A promoção da metrosexualidade foi deixada para os homens do estilo das revistas, como a GQ, Esquire, Arena e FHM. Os novos meios de comunicação social, que atingiu o seu auge nos anos oitenta, continua a crescer... "Eles com as suas revistas cheias de imagens de homens jovens narcicistas e desportivos, com moda, roupas e acessórios. E eles persuadiram outros homens jovens para estudá-los com uma mistura de inveja e de desejo".

Isto são coisas que muitas pessoas ainda mal começaram a compreender. A separação entre aquilo que se pode dizer em tom de brincadeira numa mesa de café, e que não se pode dizer à frente de uma câmara de filmar, colapsou. Hoje nem numa conversa livre à mesa do café entre amigos, se pode dizer coisas do género: "eu até aprecio as ideias dele, embora me chateie quando começa com aquelas paneleirices". Se for a passar um fiscal do "politicamente correto" e ouvir, estamos logo lixados. Somos tomados de ponta, e um dia, se tivermos o azar de ter mais visibilidade, a vingança é servida a frio. E se for um jornalista, não tarda ser denunciado e o Jornal onde trabalha não mais tem descanso enquanto não despedir esse jornalista. E é certo e sabido que tão cedo não arranja trabalho.

Em tempos de viragem na maré, como estes que atravessamos, nunca sabemos se podemos estar descansados com o que andamos a fazer. O que hoje é politicamente correto, à semelhança do que tem acontecido com 'politicamente corretos' do passado, nunca se sabe se, daqui a pouco, vamos ser ultrapassados por outra viragem na maré dos dogmas, e sermos acusados de qualquer coisa. Isto significa que cada processo é a causa de um imprevisível processo novo. Uma única palavra ou ação pode mudar tudo. E, além de nunca sabermos se agimos corretamente ou não, um dia se quisermos, jamais teremos a possibilidade de desfazer o engano. O que está feito, está feito. E a pior coisa que nos pode acontecer é ficarmos confinados para sempre por causa de uma única ação que já não podemos corrigir. Porque agora, já não haverá perdão.

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