quarta-feira, 26 de agosto de 2020

A Revolta Árabe no tempo de Lawrence


Lawrence, em Sete Pilares da Sabedoria: “os beduínos eram pessoas estranhas” 
Abdullah

Quanto à situação tática, Abdullah pouco se interessou, com o pretexto, impertinente, que era assunto de Faiçal. 

Para um inglês, viver com beduínos era pouco satisfatório, a menos que tivesse uma paciência tão vasta e profunda como o mar. Eram absolutamente escravos do seu apetite, sem energia mental, viciados em café, glutões por carne estufada, inveterados cravas de tabaco. Passavam os dias intermediando os seus raros exercícios sexuais, a deleitar-se com histórias depravadas.

Se as circunstâncias das suas vidas lho tivessem permitido, seriam puros sensualistas. A sua força era a força dos homens geograficamente afastados da tentação: a pobreza da Arábia tornava-os simples, castos e resistentes. Se fossem forçados a levar uma vida civilizada, teriam sucumbido, como qualquer raça selvagem, às suas doenças, mesquinhez, luxo, crueldade, vigarice, artifício; e, como selvagens, teriam sofrido todos esses males exageradamente, por falta de imunização.

Nós estávamos imensamente fatigados, e não comíamos desde o pequeno almoço do dia anterior. Mas Mohammed era ainda um moço, e desafiou-nos para uma corrida de camelos até uma elevação onde havia um grupo de árvores espinhosas. E nós feitos burros aceitamos. É claro, foi ele que ganhou, embora por centímetros. Mas depois desmaiou, a sangrar pelo nariz e pela boca. Receamos o pior, mas com uma chávena de café arrebitou. Prosseguimos então viagem, e ele continuou a fazer as piadas do costume, e as partidas cruéis. A excitar as camelas picando-lhes o rabo, e elas a desatarem a correr desabridas surpreendendo o cameleiro. Depois lançou um camelo a galope contra outro que o empurrou contra uma árvore próxima. E o cameleiro ficou todo arranhado e ferido por um ramo espinhoso. E eram estas brincadeiras que os outros achavam muita piada, exceto ele.


O porto de Aqaba era naturalmente tão forte que apenas poderia ser tomado de surpresa, a partir do interior. Mas a oportuna adesão a Faiçal de Abu Tati deu-nos esperanças de juntarmos à nossa causa tribos suficientes no deserto oriental para essa descida sobre a costa. Vira Alepo, Bassorá, Wejhe, e tinha o cuidado de manter a inimizade com quase todas as tribos do deserto, para ter um bom ânimo para os seus ataques. No seu estilo de assaltante era tão realista quão impetuoso, e mesmo nos seus feitos mais loucos havia sempre um rol de possibilidades que o conduzia. Quando se enfurecia, o seu rosto movia-se desgovernadamente, e sofria um paroxismo de paixão, que só conseguia aliviar depois de ter matado. Nessas alturas era um animal selvagem, e os homens fugiam da sua presença. Via a vida como uma saga. 

Lawrence

A ascensão do nacionalismo turco ainda Império Otomano, culminou na Revolução dos Jovens Turcos em 1908. Tal facto,  desagradando aos Hachemitas, resultou numa cisão entre eles e os revolucionários otomanos. Durante a Primeira Guerra Mundial, no início, Hussein esteve do lado dos turcos. Mas depois encetou negociações secretas com os britânicos a conselho de seu filho Abdullah.

A Revolta Árabe foi oficialmente iniciada em Meca - 10 de junho de 1916. O objetivo da revolta era criar um único Estado Árabe unificado e independente que se estendia de Alepo a Aden, no Iémen. E os britânicos comprometeram-se a reconhecer. Os Hachemitas e o seu exército liderado por Hussein, com o apoio da Força Expedicionária Britânica no Egito, lutou com sucesso e forçou a retirada dos otomanos de grande parte de Hejaz e Transjordânia. Em Damasco chegou a ser estabelecida uma monarquia liderada por Faiçal, filho de Hussein, mas de curta duração. O Estado Árabe Unificado gurou-se após o Acordo Sykes-Picot, em que os ingleses voltando com a promessa atrás, acordaram com os franceses partilhar o território sob o seu mandato.

Estima-se que as forças árabes envolvidas na revolta contassem com cerca de 5.000 soldados. Este número, provavelmente diz respeito aos regulares árabes que lutaram durante a campanha do Sinai e da Palestina com a Força Expedicionária Egípcia de Edmund Allenby, e não às forças irregulares sob a direção de Lawrence e Faiçal. Em algumas ocasiões, principalmente durante a campanha final na Síria, esse número aumentaria significativamente. Muitos árabes juntaram-se à revolta esporadicamente, geralmente durante uma campanha ou apenas quando a luta entrou em sua região natal. Durante a Batalha de Aqaba, por exemplo, enquanto a força árabe inicial somava apenas algumas centenas, mais de mil outras tribos locais juntaram-se a eles para o ataque final a Aqaba. As estimativas das forças efetivas de Faiçal variam, mas durante a maior parte de 1918, pelo menos, elas podem ter chegado a 30.000 homens.

Nos primeiros dias da revolta, as forças de Faiçal eram em grande parte compostas por beduínos e outras tribos nómadas do deserto, que eram apenas aliados vagamente, leais mais às suas respetivas tribos do que à causa geral. O beduíno não lutaria a menos que fosse pago antecipadamente com moedas de ouro, e até ao fim de 1916, os franceses gastaram 1,25 milhões de francos ouro para subsidiar a revolta. Em setembro de 1918, os britânicos estavam a gastar 220.000 libras por mês para subsidiar a revolta. Faiçal esperava poder convencer as tropas árabes que serviam no Exército Otomano a se amotinarem e se juntarem à sua causa, mas o governo otomano enviou a maioria de suas tropas árabes para a linha da frente ocidental da guerra e, portanto, apenas um punhado de desertores realmente aderiram as forças árabes até ao fim da campanha.

Faiçal

As tropas otomanas no Hejaz somavam 20.000 homens em 1917. Com a eclosão da revolta em junho de 1916, o VII Corpo do Quarto Exército foi estacionado no Hejaz para se juntar à 58ª Divisão de Infantaria comandada pelo Tenente-Coronel Ali Necib Pasha, o 1º Kuvvie-Mürettebe (Força Provisória) liderado pelo General Mehmed Cemal Pasha, que tinha a responsabilidade de salvaguardar a ferrovia de Hejaz. Diante dos crescentes ataques à ferrovia de Hejaz, em 1917, foi criado o 2º Kuvvie-Mürettebe. A força otomana incluía várias unidades árabes que permaneceram leais ao sultão-califa e lutaram bem contra os aliados.

As tropas otomanas desfrutaram de uma vantagem sobre as tropas hachemitas no início, pois estavam bem fornecidas com armas alemãs modernas. Além disso, as forças otomanas tiveram o apoio dos esquadrões da aviação otomana  e esquadrões aéreos da Alemanha.

A grande fraqueza das forças otomanas era que estavam no fim de uma longa e ténue linha de abastecimento na ferrovia de Hejaz e, por causa das deficiências logísticas, muitas vezes eram forçadas a lutar na defensiva. A principal contribuição da Revolta Árabe para a guerra foi prender dezenas de milhar de soldados otomanos que de outra forma poderiam ter sido usados ​​para atacar o Canal de Suez, o que permitiu aos britânicos realizar operações ofensivas com menor risco de contra-ataque. Esta foi de facto a justificação britânica para iniciar a revolta, um exemplo clássico de guerra assimétrica que tem sido estudado repetidamente por líderes militares e historiadores. 

Em junho de 1916, os britânicos enviaram vários oficiais para ajudar a revolta no Hejaz. Um deles é o  coronel Stewart Francis Newcombe. E em outubro de 1916 juntou-se T.E. Lawrence com a patente de capitão. 
O historiador britânico David Murphy escreveu que, embora Lawrence fosse apenas um entre muitos oficiais britânicos e franceses servindo na Arábia, os historiadores costumam escrever como se fosse apenas Lawrence quem representasse a causa Aliada na Arábia.

Lawrence obteve ajuda da Marinha Real para recuar um ataque otomano a Yenbu em dezembro de 1916. A principal contribuição de Lawrence para a revolta foi convencer os líderes árabes - Faiçal e Abdullah - a coordenar as suas ações em apoio à estratégia britânica. Lawrence desenvolveu um relacionamento próximo com Faiçal, cujo Exército Árabe do Norte se tornaria o principal beneficiário da ajuda britânica. Em contraste, as relações de Lawrence com Abdullah não eram boas, pelo que o Exército Árabe Oriental de Abdullah recebeu consideravelmente menos ajuda britânica. Lawrence persuadiu os árabes a não expulsar os otomanos de Medina, e em vez disso atacarem a ferrovia de Hejaz persistentemente. Isso amarrou mais tropas otomanas, que foram forçadas a proteger a ferrovia e reparar os danos constantes. A cidade costeira de Weijh seria a base dos ataques à ferrovia de Hejaz, rota de 
peregrinação Damasco-Meca, construída com grande custo pelo Império Otomano no início do século XX, que rapidamente caiu em ruínas após a Revolta Árabe. 

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