terça-feira, 18 de agosto de 2020

A Rússia Branca (Bielorrússia) está bem no centro da Europa




A definição moderna de Europa tem como limites com a Ásia: mar Egeu; Dardanelos/mar da Mármara/Bósforo; mar Negro; parte noroeste do mar Cáspio; e Montes Urais. De acordo com esta definição, a Geórgia e o Azerbaijão têm ambos a maior parte do seu território na Ásia, embora cada um tenha as fronteiras setentrionais a norte do Grande Cáucaso, portanto na Europa. A cidade turca de Istambul ocupa ambos os lados do Bósforo, tornando-a uma cidade transcontinental. Assim, a Rússia e a Turquia são países transcontinentais. A Rússia é historicamente um país europeu com uma história de conquistas imperiais na Ásia. E a Turquia para todos os efeitos um país asiático, herdeira do Império Otomano, teve conquistas territoriais na Europa. O Cazaquistão é também um país transcontinental por esta definição.

Bem no alto dos Urais há uma cruz assinalando o lugar onde a Europa termina e a Ásia começa. Quando o céu está claro, é um local bonito, e é possível avistar, através dos abetos, quilómetros em direção ao leste. No inverno os Urais ficam cobertos de neve, tal como a planície siberiana que se vê em baixo, estendendo-se em direção à cidade de Ecaterimburgo. Aqui, ninguém é europeu nem asiático, é russo. Precisamos percorrer 2.400 quilómetros desde São Petersburgo, através da Rússia ocidental, para chegar aos Urais. E daqui até ao fim da Rússia, no estreito de Bering, ainda temos de percorrer 7.200 quilómetros.


A Rússia não é uma potência asiática por muitas razões. Embora 75% de seu território esteja na Ásia, somente 22% de sua população vive ali. A Sibéria pode ser a “arca do tesouro” da Rússia, contendo a maior parte da riqueza mineral, petróleo e gás natural, mas é uma terra inóspita, congelada por meses a fio, com vastas florestas (taiga), solo pobre para a agricultura e vastas extensões de pântanos. Somente duas redes ferroviárias correm de ocidente para oriente – a Transiberiana e a linha ferroviária Baikal-Amur. Há poucas rotas de transporte de norte para sul.

A falta de um porto de águas mornas com acesso direto aos oceanos sempre foi o problema da Rússia, tão estrategicamente importante para ela quanto a planície do norte da Europa. Não admira que, em seu testamento de 1725, Pedro o Grande aconselhasse os seus descendentes a se aproximar o máximo possível de Constantinopla e da Índia. Quando a União Soviética se desintegrou, dividiu-se em quinze países. A geografia vingou-se da ideologia soviética, e apareceu no mapa uma imagem mais lógica, em que montanhas, rios, lagos e mares delineiam os lugares onde as pessoas vivem, são separadas umas das outras e desenvolvem diferentes línguas e costumes. As exceções a essa regra são os “istões”, como o Tadjiquistão, cujas fronteiras foram deliberadamente traçadas por Estaline de modo a enfraquecer cada Estado, assegurando que em cada qual houvesse minorias de povos provenientes de outros Estados.

Os países neutros – Uzbequistão, Azerbaijão e Turquemenistão – são aqueles com menos razões para se aliar à Rússia ou ao Ocidente. Isso porque os três produzem a sua própria energia e não dependem de nenhum dos dois lados para sua segurança ou o comércio. No campo pró-russo estão Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Bielorrússia e Arménia. As suas economias estão presas à Rússia da mesma maneira que grande parte da Ucrânia oriental (uma razão para a rebelião ali). O maior deles, o Cazaquistão, pende para a Rússia diplomaticamente, e a sua grande população de minoria russa está bem integrada. Dos cinco, todos, exceto o Tadjiquistão, se uniram à Rússia na nova União Económica Eurasiana (uma espécie de União Europeia dos pobres). E todos os cinco estão numa aliança militar com a Rússia chamada Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC). A OTSC se ressente de não ter um nome que possa ser reduzido a algo pronunciável e de ser um Pacto de Varsóvia diluído. A Rússia mantém a sua presença militar no Quirguistão, no Tadjiquistão e na Arménia.

Depois há os países pró-ocidentais que pertenciam anteriormente ao Pacto de Varsóvia, mas agora estão todos na Nato e/ou na União Europeia: Polónia, Letónia, Lituânia, Estónia, República Checa, Bulgária, Hungria, Eslováquia, Albânia e Roménia. Não por coincidência, muitos estão entre os Estados que mais sofreram sob a tirania soviética. Acrescentem-se a eles Geórgia, Ucrânia e Moldávia, que gostariam de se associar a ambas as organizações, mas são mantidas à distância em razão da sua proximidade geográfica com a Rússia e porque todos têm tropas russas ou milícias pró-russas em seu solo. A inclusão de qualquer um desses três na Nato poderia desencadear uma guerra. Por tudo isto se pode compreender o que é a Bielorrússia em 2020, no contexto da necessidade de defesa da Rússia no corredor da planície do norte da Europa.

Tendo como precedente o exemplo da Ucrânia, enquanto um governo pró-russo dominasse em Kiev, os russos podiam ficar seguros de que a sua zona de proteção permaneceria intacta e protegeria a planície do norte da Europa. Entretanto a Rússia para ter acesso às tais águas mornas de Sebastopol, antes que fosse tarde demais, tomou conta da Crimeia. Em meados de fevereiro de 2014, Lviv e outras áreas urbanas não estavam mais sob o controlo do governo ucraniano. Então, em 22 de fevereiro, após dezenas de mortes em Kiev, o presidente, temendo por sua vida, fugiu. Fações anti russas, algumas das quais pró-ocidentais e outras pró-fascistas, assumiram o governo. A partir desse momento a sorte estava lançada. O presidente Putin não teve outra escolha – precisou anexar a Crimeia.

Esse imperativo geográfico, e todo o movimento da Nato em direção ao leste, era exatamente o que Putin tinha em mente quando, num discurso sobre a anexação, disse: “A Rússia viu-se numa posição da qual não podia recuar. Se comprimir uma mola até ao limite máximo, ela voltará com força na direção contrária. É preciso lembrarmo-nos sempre disso.” Sebastopol é o único verdadeiro grande porto de águas mornas da Rússia. No entanto, a passagem do mar Negro para o Mediterrâneo é restringida pela Convenção de Montreux, de 1936, que deu à Turquia – ainda membro da Nato – o controlo sobre o Bósforo. Navios militares russos transitam pelo estreito, mas em número limitado, e isso não seria permitido no caso de um conflito. Mesmo depois de cruzar o Bósforo, os russos precisam navegar pelo mar Egeu antes de ter acesso ao Mediterrâneo, e ainda teriam de cruzar o estreito de Gibraltar para chegar ao oceano Atlântico, ou ter permissão para descer o canal de Suez a fim de atingir o oceano Índico.

Os russos têm de facto uma pequena presença naval em Tartus, na costa mediterrânea da Síria (isso explica em parte o apoio ao governo sírio quando o conflito foi deflagrado em 2011), mas é uma base de abastecimento e reabastecimento limitada, não uma grande força. Outro problema estratégico é que, na eventualidade de guerra, a Marinha russa não pode sair do mar Báltico também, por causa do estreito de Escagerraque, que o conecta ao mar do Norte. O estreito é controlado pela Dinamarca e Noruega, membros da Nato; mesmo que os navios o transpusessem, a rota para o Atlântico passa através do que é conhecido como brecha Giuk (sigla em inglês de Groenlândia-Islândia-Reino Unido), no mar do Norte.

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