terça-feira, 4 de agosto de 2020

Arábia: Lawrence e camelos



Dubai, anos 2000, ouve-se falar na clonagem de camelas e transferência de embriões. Naturalmente ficámos curiosos. Como é sabido, a corrida de camelos é um grande desporto nos países árabes. E só as fêmeas é que competem por serem mais pequenas e mais rápidas.

Sucede que os camelos ainda são piores do que os cavalos na reprodução assistida. Só têm uma cria de cada vez, não “superovulam”, não se conseguem desenvolver através de fertilização in vitro, só ovulam durante metade do ano, e apenas um dos seus ovários é funcional. E acasalam de joelhos. Esta do acasalarem de joelhos é para lembrar que os camelos da Revolução Árabe, do tempo de Lawrence da Arábia, eram todos castrados precisamente por causa de acasalarem de joelhos. Ora, está-se mesmo a ver: os camelos a correrem no campo de batalha, cheirarem de repente uma fêmea por perto, e ajoelharem-se. Coitado do soldado...

Foi então que um cientista se especializou em transferência de embriões em camelas de corrida. Passou a viajar entre a América e o Dubai com frequência, e a ir do aeroporto do Dubai para o laboratório conduzido por chofer num Rolls Royce. Gente com muito dinheiro que quer que os seus camelos sejam os melhores de todos. Logo que souberam do sucesso que esse cientista estava a ter com as éguas transgénicas de polo argentino, não tardaram a contratá-lo também. E este cientista além de se divertir à grande, já não sabia o que fazer ao dinheiro.

Injaz é um camelo de alta competição, nasceu no Centro de Reprodução de Camelos (CRC), a partir de óvulos extraídos do ovário de uma fêmea adulta, que cresceram in vitro antes de serem congelados em azoto líquido. Injaz nasceu após um período de gestação de 378 dias, pesando 30 quilos. O ADN das suas células é um autêntico clone da camela original. A comprovação genética foi feita no Laboratório de Biologia Molecular e Genética do Dubai, onde os especialistas analisaram o ADN das duas camelas. São camelas muito especiais para as corridas, que houve tempo serem montadas por jóqueis crianças. Mas agora são jóqueis robôs controlados remotamente, porque nos Emirados Árabes Unidos e no Catar, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU conseguiu que nestes países fosse punida a utilização de crianças em trabalho infantil.

O Al Marmoum Heritage Camel Festival é a principal competição de camelos do mundo que acontece todos os anos no Dubai. Um camelo, que faz parte da família real do Dubai, nas mãos do príncipe Highness Sheikh Hamdan bin Mohammed bin Rashid Al Maktoum, tem ganhado vários prémios. Aos quatro anos de idade levou para casa um troféu que valia nada menos que 500 mil dirhams, um artefacto comprido que tem as cores dos Emirados. Ainda foi premiado com uma bolada de 2 milhões de dirhams e um carro Range Rover. É chamado o Cristiano Ronaldo dos camelos nos Emirados Árabes. Numa final, apesar de ter saído bem atrás dos outros, no fim acelerou e acabou por ultrapassar por largo os seus concorrentes. Chegou com um tempo de 11:50:06 em 11 km, atingindo uma velocidade impressionante de 60 km/h. A maioria não chega a 45 km/h. Como tudo que é Ronaldo, tem o seu preço. Esta estrela árabe está avaliada em mais de 10 milhões de dirhams, só que não está para transferências. Não sabemos o que ele fez ao Range Rover. Mas dinheiro, definitivamente, não é problema para ele, que mora na fazenda do Príncipe e é tratado como um rei, com uma alimentação à base de leite e mel. Mas também não tem a vida fácil. Assim como Cristiano Ronaldo, ele sabe que não basta ter talento, é preciso muito trabalho. Faz dois treinos diários de 8 km e chega bem cansado ao fim do dia depois dos 16 km percorridos. Os camelos iniciam a carreira de atletas com um ano de idade. No início, fazem atividades mais leves por 1km e o esforço vai crescendo até chegarem às competições em que são divididos em categorias por idades. Eles treinam em pistas que vão de 2 km a 11 km. As principais corridas têm uma distância de 8km. Agora, o camelo do Príncipe já fez seis anos de idade, e como corredor de alta competição, já entrou na reforma. Agora dedica-se à procriação. Nada mal para o melhor atleta do país. A corrida de camelos é muito exigente nos países árabes, muito semelhante, aliás, com os cavalos de corrida de outras paragens do mundo. Como se pode ver na fotografia acima, os camelos do Dubai já não correm com o jóquei criança em cima. Levam nas costas um aparelho que pesa apenas 2kg, orientado pelos seus treinadores via rádio.

Demos agora um salto mortal para trás, para o tempo da Primeira Guerra Mundial e a Revolução Árabe, para ler as 827 páginas dos Sete Pilares da Sabedoria de T.E. Laurence.


O exército concentrado em Bir el Waheida era de 5100 cameleiros e 5300 homens a pé, com quatro canhões Krupp de montanha e dez metralhadoras; e para o transporte 380 camelos de carga. Tudo muito abaixo das médias dos Turcos. Depois do almoço a tenda foi desmontada. Laurence da Arábia, com Faiçal e os seus homens, dirigiram-se para os seus camelos que se encontravam agachados num círculo, selados e carregados, cada um deles seguro à rédea curta por um escravo de pé em cima da pata dobrada do animal. O timbaleiro fez soar os timbales sete ou oito vezes, e fez-se silêncio. Faiçal agarrou o arção da sela com as duas mãos, pousou o joelho na parte lateral e disse alto: "Que Deus seja o vosso guia". O escravo soltou o camelo, que se pôs de pé de um salto. Quando já estava de pé, Faiçal passou a outra perna sobre o animal, introduziu a túnica e a capa por debaixo do corpo com um gesto do braço e instalou-se na sela. Toda a multidão se ergueu conjuntamente, alguns dos animais berraram, mas a maior parte das camelas conservaram-se silenciosas. A manobra foi executada na perfeição. Ao longo de 200 a 300 metros todos se perfilaram em duas alas com os camelos a marchar ao lado uns dos outros, em linha, tão próximos quanto os acidentes do terreno permitiam.

Há um filme de 1962 – Laurence da Arábia – cujo papel de Lawrence é desempenhado por Peter O’Toole, em que o argumento, para além da ficção, se baseia nos Sete Pilares da Sabedoria, um livro de difícil classificação, mas que tem muito de autobiográfico de T.E. Lawrence (1888–1935). Neste filme, o segundo papel mais importante foi atribuído ao actor Alec Guiness, representando o papel do Príncipe Faiçal (1883-1933), o principal dirigente da coligação de tribos árabes que, construída sob a inspiração de Lawrence, se bateu e contribuiu para derrubar o domínio otomano. Depois da Guerra e da divisão do Império Otomano, o Príncipe veio a tornar-se a partir de 1921 o Rei Faiçal I do Iraque, depois de ter sido escolhido por um plebiscito com 96% dos votos. O filme explora a excentricidade e a personalidade enigmática de Lawrence. Em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, o jovem arqueólogo e tenente do exército britânico estacionado no Cairo pede transferência para a Península Arábica, onde vem a ser oficial de ligação entre os rebeldes árabes e o exército britânico, aliados contra os turcos, que desejavam anexar ao seu Império Otomano a Península Arábica. Lawrence, admirador confesso do deserto e do estilo de vida beduíno, oferece-se para ajudar os árabes a se libertarem dos turcos. O filme mostra cinco episódios principais da vida de Lawrence durante a sua estada na Arábia: a conquista de Aqaba, as ações de guerrilha contra o Império Otomano, o seu rapto e tortura pelos turcos em Deraa, o massacre de Tafas e o fim do sonho de união das tribos árabes em Damasco. 



Naquele dia o caminho percorrido foi fácil, visto que era constituído por encostas de areia firmes, ondas de dunas pouco inclinadas, desprotegidas, com exceção da vegetação rasteira nas dobras, ou estéreis palmeiras solitárias nas depressões húmidas. Os porta-estandartes ergueram no ar as suas grandes bandeiras vermelhas, e toda a guarda à direita, à esquerda e ao centro, rompeu a cantar o vibrante coro do regimento. 

Quando tudo terminou, Lawrence e Newcombe foram dormir na tenda que Faiçal lhes dispensara como um luxo especial. And el Kerim sentiu-se satisfeito por a sua tribo ter demonstrado aquele novo espírito de serviço, mas, ao mesmo tempo, sentia pena; para ele as alegrias da vida consistiam num camelo rápido, nas melhores armas e num ataque curto e rápido contra os rebanhos dos vizinhos. E a gradual realização da ambição de Faiçal estava a tornar essas alegrias cada vez menos fáceis para as pessoas responsáveis.

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