segunda-feira, 25 de maio de 2020

A Ordem e o Caos


A Ordem e o Caos têm desafiado ao longo de séculos a reflexão epistemológica, tanto a ocidente como a oriente de uma Eurásia produtora de grandes civilizações. A indeterminação e a incerteza têm suscitado ao longo dos tempos grandes afrontamentos por causa das contradições que elas comportam dentro de si. E a ciência, com os seus ciclos revolucionários e oscilatórios do Método, ora mais analítico, ora mais sintético, não está imune ao caráter contraditório do nosso sistema cognitivo.
Neste movimento pendular entre Oriente e Ocidente, entre o analítico e o sintético, haveria muitos nomes a mencionar de ambos os lados. Por isso ocorre-me mencionar apenas estes dois nomes: Heráclito a ocidente, na Jónia; e Lao Tsé a oriente, na China. 

O tempo e o espaço, e a fenomenologia dos sentidos, é o Real, porque o que está dentro do átomo, o mundo dos quarks, é o Nirvana. No lodo subatómico, o espaço e o tempo dissolvem-se. A realidade das nossas vidas é o Absoluto, o tal Mistério. É claro que é pela ciência que chegamos a saber quanto da nossa ignorância. Quanto mais conhecemos, mais a ciência nos empurra para o abismo do incognoscível, que vibra na fronteira entre o invisível e o indizível. A ciência cega-nos, como nos cega o Sol quando nos bate diretamente nos olhos com a sua luz.

Esta é a crueldade do nosso mundo, um minúsculo planeta, mas violento com: tempestades, erupções, tremores, epidemias, doenças. Todo o ser vivo mata e come o ser vivo. Ciclos de destruição são ao mesmo tempo ciclos de vida. Ciclos de vida são ciclos de morte, enquanto se alimenta dela. E as espécies lutam contra a morte. A Natureza é simbiótica, e toda a Terra é simbiota, uma fusão cósmica em que tudo  que é humano é divino. É ao dizer que somos divinos que abrimos a porta aos místicos, ao misticismo para entrar no tal Mistério.

Vistas bem as coisas, a ciência,ao  contrário da religião, chegou à seguinte conclusão: isto tudo a que chamamos Cosmos surgiu por autocriação, e não por criação de uma entidade a que chamamos Deus. Esta conclusão a que chegou a ciência, não significa que tenha eliminado o tal Mistério. O Mistério mantém-se, porque está para além das nossas possibilidades cognitivas. O que a ciência veio eliminar foi a pergunta que seria repetida até ao infinito: quem então criou o Criador?

Contudo, mantém-se o Paradoxo: como é que um mundo pode autocriar-se ex nihilo, do Nada? À falta de melhor termo, chamou-se a isto o Caos, em contraponto com a designação de Cosmos que quer dizer Ordem. O Caos não está somente na origem, faz parte do estado permanente do Nosso Mundo. Diz-se Nosso Mundo, no sentido que faz parte das limitações do nosso entendimento. Ora, a explicação pelo Caos traz em si o Mistério, que é a sua própria inexplicabilidade devido aos limites da lógica que dá suporte ao nosso conhecimento. Mistério significa tudo o que está para lá do concebível.

Esta é uma forma simples de traduzir a linguagem mais complicada de um Espinosa quando diz: "criatividade imanente de uma Natureza naturante"; ou de um Hegel: "uma autoprodução da Natureza que suscita a autoprodução do Sujeito". Isto é um grande mergulho nas profundezas das águas semânticas. O aparecimento de contradições, de paradoxos, e de antinomias, assinalam-nos as profundezas do Real. A realidade que conhecemos não passa de uma pequena película à superfície do mundo cognoscível. E o cognoscível implica um ser cognoscente, que coproduz. A ciência diz, por exemplo, que o que está a acontecer é produzido por um vírus com as características tal e tal. E como é que os cientistas sabem isso? Ah, é pela observação através de um microscópio eletrónico. E é assim que a realidade perde a sua substância, na medida em que é relativizada através de engenhocas por nós criadas. E esta é a questão da essência e das fundações do nosso conhecimento. A brecha nos fundamentos do conhecimento científico. Fazemos parte do Nosso Mundo. Mas para o Nosso Mundo ser conhecido teria de haver alguma distância. Como disse Thomas Nagel: entrar de paraquedas no Mundo, vindo de nenhures, para o conhecer. Mas isso é uma impossibilidade absoluta.

Para um determinista como Laplace, o estado do mundo no momento presente determina precisamente a maneira como o mundo se desenrolará. Trata-se de um mundo ordenado, no qual tudo pode ser antecipado, computado, previsto. Porém, para que o sonho de Laplace se pudesse realizar, seriam necessárias diversas condições. Em primeiro lugar, as leis da natureza deviam ditar um futuro definido, e devíamos conhecer essas leis. Em segundo, devíamos ter acesso a dados que descrevessem completamente esse mundo, de modo a impedir a ocorrência de influências imprevistas. Por fim, precisaríamos de suficiente inteligência para conseguir discernir o que nos reserva o futuro, partindo dos dados do presente. Para Laplace, parecia razoável acreditar que os acontecimentos futuros do mundo quotidiano humano seriam determinados com tanta precisão como as órbitas dos planetas.

Tivemos de esperar pelos anos 60 e 70 do século passado para que Von Neuman, Von Bertallanfy, Jacques Monod, Prigogine, Poincaré, Humberto Maturana e Francisco Varela, e tantos outros como um tal Edward Lorenz para descobrir que pequenas diferenças fazem toda a diferença, levando a grandes alterações no resultado. O fenómeno foi chamado de “efeito borboleta”, com base na ideia de que ínfimas alterações atmosféricas, como as causadas pelo bater das asas de uma borboleta, poderiam ter um grande efeito nos subsequentes padrões atmosféricos globais. Lorenz não teria feito uma grande descoberta se não tivesse cometido o erro de simplificar um número de seis décimas a três décimas. Não teria descoberto o efeito borboleta, uma descoberta que levou ao surgimento de toda uma nova área na matemática. Quando reconsideramos detalhadamente os grandes acontecimentos de nossas vidas, não é raro identificarmos eventos aleatórios aparentemente inconsequentes que levaram a grandes mudanças. Há muitas razões pelas quais o determinismo se mostra incapaz de satisfazer as condições de previsibilidade nas questões humanas. É impossível conhecermos ou controlarmos com precisão as circunstâncias das nossas vidas. Até onde sabemos, a sociedade não é governada por leis definidas e fundamentais, como a física. Na verdade, além de ser imprevisível, o comportamento humano é frequentemente irracional por depender de variados contextos que não controlamos.

Com a relatividade e a mecânica quântica já tínhamos ficado a saber que as certezas de Newton - os fundamentos da Ordem na Natureza, a separabilidade dos objetos, e a lógica dedutiva - tinham defeitos. Havia mais desordem do que ordem. E não havia fundações. Faltava ainda o tempo da Complexidade e dos Sistemas não-lineares e Autopoiéticos, em que a organização viva depende do que capta no seu ecossistema, o qual é uma organização espontânea dominada por infinita recursividade. É um sistema que retroage sobre si próprio em consonância com um ecossistema autorregulando em conjunto com as suas atividades. O princípio da recursividade é aquele em que a todo o momento se é ao mesmo tempo produto e produtor, causa e efeito. Embora possamos encontrar regularidades estatísticas em dados sociais, o futuro de cada indivíduo é impossível de prever. No que diz respeito às nossas conquistas particulares - profissão, amigos, finanças - todos devemos muito mais ao acaso do que aos nossos planos. Em todos os empreendimentos da vida real, a não ser os mais simples, não temos como evitar certas forças inesperadas ou imprevisíveis.

Existe uma assimetria fundamental entre o passado e o futuro. Essa assimetria já foi foco de estudos científicos desde a época em que Boltzmann fez a sua análise estatística dos processos moleculares responsáveis pelas propriedades dos fluidos. Foi demonstrado que em qualquer série complexa de eventos, na qual cada evento se desenrola com algum elemento de incerteza, existe essa assimetria. Essa assimetria fundamental é o motivo pelo qual, na vida quotidiana, o passado tantas vezes parece óbvio, mesmo que não tivéssemos a possibilidade de o haver previsto. É por isso que os meteorologistas conseguem informar as razões pelas quais, três dias atrás, a frente fria seguiu de uma maneira, e ontem a massa de ar quente se moveu de outra, provocando a chuva que caiu e apanhou toda a gente desprevenida, mas não conseguem prever com três dias de antecedência. E o mesmo se passa com os corretores da Bolsa. Em retrospetiva, geralmente é sempre mais fácil explicar por que um acontecimento ocorreu de certa maneira. Olhando para o passado, é fácil construir gráficos e boas explicações, mas essa sucessão lógica de eventos é apenas de uma ilusão causada pelo modo como vemos as coisas em retrospetiva. 

Podemos, todavia, ver as coisas de outra forma, não determinística. Vejamos os best sellers, seja no domínio da literatura, seja no domínio da música, em que autores, apesar de serem desconhecidos, foram bem-sucedidos, porque uma série de fatores aleatórios se conjugaram num determinado sentido, sem que o próprio, nem ninguém, fosse capaz de o explicar, a não ser, dizer: "foi sorte!" 
Por exemplo, o caso paradigmático de J.K. Rowling e o seu Harry Potter. A história está relatada na Wikipedia, e é bem conhecida. Bem, a autora teve a ideia de toda a história, baseada em acontecimentos da sua vida, em 1990 quando viajava de comboio de Manchester para Londres. Diz que quando chegou ao seu apartamento, em Clapham Junction, se lançou de imediato a escrever. No fim desse ano a sua mãe morre devido a esclerose múltipla, com uma evolução de dez anos. A morte da mãe afetou fortemente a sua escrita, intrometendo-se na própria história que estava a escrever, que era o Harry Potter.

Entretanto, um anúncio no The Guardian pedindo um professor para ensinar inglês em Portugal, fez Rowling mudar-se para o Porto. Lecionava à noite e escrevia de dia. Depois de 18 meses no Porto, apaixona-se por um jornalista português que a leva ao casamento em 1992, de que resulta o nascimento de uma filha um ano depois. Mas passado quatro meses depois do nascimento da filha, a violência doméstica obriga-a a regressar Escócia, sua terra natal, com três capítulos do Harry Potter na mala. Os anos seguintes à separação foram anos de desespero, tendo inclusivamente necessidade de recorrer à assistência social por dificuldades económicas. Ao fim de sete anos, 1996, tem o seu primeiro Harry Potter pronto, e começa a procurar um editor para publicá-lo. Ao fim de doze rejeições, lá surgiu uma pequena editora pouco conhecida – Bloomsbury – que aceitou publicar o livro. O resto é história de fadas, milhões e milhões de livros vendidos, filmes e outras coisas mais, uma marca com um valor estimado em 15 mil milhões de dólares, e uma obra traduzida em 65 línguas.
Moral da história: o trabalho dos tradicionais operadores do marketing digital, mais conhecidos por influencers (influenciadores), realmente o que é que influencia? O marketing de influência é uma abordagem de marketing que consiste em "praticar ações focadas em indivíduos que exerçam influência ou liderança sobre potenciais clientes de uma marca". Os influenciadores interferem nas decisões dos consumidores a favor de uma determinada marca. Diz-se que os influenciadores estabelecem uma relação de confiança com os seus públicos. Um digital influencer (influenciador digital) é um indivíduo que utiliza uma rede social para captar a vontade de um determinado tipo de público a consumir um determinado produto, através de publicações online, em texto ou vídeo, atractivas para os seus seguidores. Diz-se que estes novos formadores de opinião digitais causaram grandes mudanças no comportamento e na mentalidade das pessoas que se deixam facilmente influenciar. Vamos ver o que nos reserva o futuro. 

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