segunda-feira, 11 de maio de 2020

Maio Maduro




Um Maio Maduro remete-me para Zeca Afonso, para o “Cantigas do Maio”Em Maio de 1964 José Afonso actua na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, onde se inspira para fazer a canção "Grândola, Vila Morena". Cantares do Andarilho é um álbum de canções originais, editado em 1968, de que recordo: "Vejam bem" e "Chamaram-me Cigano". Em 1969 é editado o álbum Contos Velhos, Rumos Novos, do qual lembro “Era de Noite e Levaram”. José Afonso inicia uma fase de transição no percurso estético-musical, encerrado em 1970 com Traz Outro Amigo Também. Acompanhado por Rui Pato à viola, Zeca Afonso recupera antigas formas musicais e poéticas tradicionais. Em 1971 surge então o álbum Cantigas do Maio, o álbum que eu mais ouvi na altura, com canções como: Grândola Vila Morena; Maio Maduro Maio; Cantigas do Maio … 

E também não podia esquecer o Maio 68. O Maio de 68, em França, em Paris, enquadra-se num movimento mais amplo que atravessou os anos de 1960 no Ocidente, ao qual alguns países, como Portugal, Espanha e Grécia, ficaram apenas a ver de longe, embora em Portugal também tenha havido uma Crise Académica, quando em 1962, em Lisboa, na sequência da proibição do Dia do Estudante, a polícia espancou e prendeu estudantes, ocupou instalações universitárias e cantinas. E um Zeca Afonso, com as suas baladas de intervenção fortemente censuradas pelo regime, e que parecia um milagre quando uma vez ou outra conseguiam passar na rádio, para júbilo da rapaziada estudantil.

O Maio 68 tornou-se ícone de uma época onde a renovação dos valores veio acompanhada pela proeminente força de uma cultura jovem. Mais do que iniciar algum tipo de tendência, o Maio 68 pode ser visto como desdobramento de toda uma série de questões já propostas pela revisão dos costumes feita por lutas políticas, obras filosóficas e a euforia juvenil com a música dos Beatles e Woodstock. No dia 2 de maio de 1968, estudantes franceses da Universidade de Nanterre fizeram um protesto contra a divisão dos dormitórios entre homens e mulheres. Na verdade, esse simples motivo vinha arraigado de uma nova geração que reivindicava o fim de posturas conservadoras. Em pouco tempo, o contorno das questões que motivavam o protesto ganhavam contornos mais amplos e delicados. Os estudantes passaram a exigir a renúncia do presidente Charles de Gaulle, considerado um conservador, e a convocação de eleições gerais eram as novas propostas dos manifestantes. A partir daí a cidade de Paris transformou-se em palco de confrontos entre polícia armada e manifestantes protegidos em barricadas, atirando pedras e cocktail Molotov contra os polícias.

O movimento, no entanto, foi um fracasso. 
A ordem foi definitivamente restabelecida quando o operário médio pôde novamente conduzir o seu carro, e ir com a família rumo à praia, ou aos seus habituais piqueniques. Depois do desmoronar do movimento surgiram numerosos cismas que derivaram em trotskistas e maoistas. Seguiram-se nos anos 70 dois choques petrolíferos, e depois nos anos 80 o neoliberalismo inicialmente representado pela dupla Thatcher-Reagan, acabou por triunfar em todo lado, acantonado numa oligarquia a funcionar socialmente em circuito fechado. Positivamente, foi o desejo de uma maior liberdade para cada um e para todos. As pessoas procuravam a verdade, a justiça, a liberdade, a comunidade. A minoria de Maio 68 talvez tivesse podido tornar-se uma maioria se tivesse ido além da proclamação e da manifestação, mas tal implicava uma dinâmica de um outro tipo, na qual não pôde visivelmente entrar. 

Naquela altura havia os chamados “pró-chinas”, que à laia de glorificações e criatividade a bem do povo, acabaram por gerar discussões com derivas virtualmente criminosas. Mas todos os "pró-chinas" começaram a empalidecer perante o processo de forte industrialização da China, mantendo no seu interior as estruturas do poder político comunista. Qualquer que seja a evolução que se vier a registar na China, os dados já foram lançados para a derrocada do Ocidente. A privação da liberdade é um caso sério. Mas como a privação do acesso a uma existência socialmente reconhecida é ainda mais séria, não houve problema em alinhar no engodo das redes sociais hipercontroladas pelo poder político. A Tencet, a maior rede social da China, é a quinta maior rede tecnológica do mundo, e vale mais do que o Facebook.

O desaparecimento do sujeito, a morte do homem e outros disparates já circulavam há anos, antes da entrega activa dos participantes no movimento Maio 68. Tinha sido anunciado muito antes pelos representantes de uma ideologia pseudocientífica – o estruturalismo – onde pontuaram Claud Lévi-Strauss, Jacques Lacan, Michel Foucault, Roland Barthes, Althusser. Ora, nos começos dos anos 1960, ser militante em certos meios estudantis universitários parisienses, implicava uma tomada de posição contra o estruturalismo em geral, e contra Althusser em particular. Antes de passar às suas vidas privadas as pessoas necessitaram de um mínimo de justificação ideológica. Esses ideólogos da morte do sujeito, do homem, da verdade, da política, etc., são os ideólogos da impotência do homem perante as suas criações, que legitimaram depois de 1968 o desalento e o cansaço.

É desde a dissolução dos movimentos dos anos 60 que se assinala o começo da nova fase de regressão da vida política nas sociedades ocidentais, à qual ainda estamos a assistir nos dias de hoje, expressos nos regimes oligárquicos de deriva populista e autocrática. É que um dos maiores perigos para a Democracia é a ultrapassagem daqueles limites em que assenta o seu próprio equilíbrio. O Capitalismo nada tem a ver com a Democracia. Tem a ver com o fenómeno da privatização: dos indivíduos e do empreendedorismo. A empresa e a sua contínua expansão depende da introdução de novas técnicas e de novos métodos de penetração no mercado. Mas a
 tecnociência autonomizou-se. Ninguém controla a sua evolução e o seu rumo, endeusada por uns, e vituperada por aqueles que têm tendência para ver na tecnologia a raiz de todos os males da nossa sociedade. Mas atualmente, até este capitalismo empresarial foi destituído pela burocracia financeira votada a operações financeiras e especulações bolsistas destinadas apenas a ganhar dinheiro, muito mais rentáveis que o ramo produtivo. 

Estamos a atravessar outra crise, desta vez mais grave do que as outras, uma vez que junta uma crise económica a uma crise sanitária. Como sempre tem acontecido na história, a liberdade de todos depende da consciência activa da liberdade de alguns. Há pelo menos uma unanimidade quanto ao facto de esta crise ser diferente das anteriores crises.  uma crise que colide com a nossa liberdade e a cultura de cada um, seja ela qual for. É uma crise que mexe com o comportamento das pessoas, quer nas coisas mais básicas da vida, quer nas coisas mais sublimes da cultura. E os movimentos colectivos pouco têm a dizer sobre isso.

Na realidade, a liberdade a que vínhamos nos habituando nos últimos anos funcionava mais como simples alavanca do elevador que levava aos píncaros os prazeres individuais, do que os valores culturais. o que importava, ainda importa, é o valor do dinheiro e a notoriedade mediática. E foi graças a este tipo de privatização que se começou a desmoronar o espaço público e todos os tipos antropológicos de uma sociedade saudável: juízes incorruptíveis; funcionários íntegros e honestos; educadores dedicados à sua vocação; operários com brio profissional; e tanto mais. Assim, o indivíduo no Ocidente contemporâneo, na grande maioria dos casos, não passa de um fantoche desempenhando espasmodicamente os gestos que lhe são impostos na qualidade de consumidor gozador, consumindo mais e mais sem propósito nem sentido.

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