sábado, 16 de maio de 2020

Acerca da mutação - nova sequência de 12 bases no SARS-CoV-2, em relação a coronavírus precedentes


Recapitulando, o SARS-CoV-2 é um coronavírus, um vírus ARN (ácido ribonucleico) como material genético. E sabe-se que os vírus ARN são mais propensos a sofrer mutações genéticas do que os vírus ADN (ácido desoxirribonucleico). O SARS-CoV-2 é uma bola de 70 milionésimos de milímetro, com 29.903 bases lá dentro - genoma - e coberto de espículas, sendo cada espícula constituída por 3.831 bases. São bases azotadas (ou bases nitrogenadas como são por vezes designadas), moléculas que contém azoto na sua composição e que apresentam propriedades básicas, isto é, que possuem um par de eletrões não compartilhados na sua estrutura.

Em termos biológicos existem dois tipos fundamentais de bases azotadas: as purinas e as pirimidinas. Ambas estão presentes no ADN e no ARN. As purinas são duas: a adenina (a) e a guanina (g) presentes no ADN e no ARN. As pirimidinas são três: citosina (c), presente no ADN e ARN; a timina (t) presente apenas no ADN; e o uracilo (u), presente apenas no ARN.

O material genético nos vírus, em essência, é como se fosse um livro de instruções em código químico/biológico para fazer cópias de si próprio à custa do material genético e proteico das células dos seres vivos - animais e plantas. O genoma do vírus gera instruções para penetrar numa célula viva, ligar-se ao seu material genético e com ele gerar milhares de cópias de si mesmo. Assim, a sequência dessas doze bases [ccu cgg cgg gca] constitui a instrução para que a espícula funcione a fim de entrar na célula. A espícula funciona como uma chave com duas partes: uma liga-se ao receptor ACE2 da célula humana, mas não é suficiente para entrar na célula. É preciso a fusão da membrana do vírus com a membrana da célula. E para isso é preciso cindir a proteína da espícula. É aqui que entra a codificação dada pela nova sequência das 12 bases (digamos que é o equivalente de um gene) para usar a furina (uma proteína enzimática presente em quase todas as células humanas) para cindir a espícula.


Já se sabia que o SARS de 2002 usava duas enzimas presentes em algumas células humanas: a TMPRS2 e uma catepsina. Mas o SARS-CoV-2 ainda usa uma terceira enzima, que é esta furina. E esta nova propriedade que lhe confere alta transmissibilidade e virulência. Para além desta enzima existir em muitos mais tipos de células, começa a actuar com o vírus ainda dentro da célula, o que facilita a fusão directamente entre uma célula infectada e outra ainda por infectar. E isto  é uma espécie de lotaria para o vírus, pois pode passar de célula a célula sem se expor aos anticorpos a circular fora das células. Dirá um crente: "Se isto não é o 'Espírito Maligno dentro da Máquina', a actuar por trás com a sua mão invisível, para nos lixar, então está tudo maluco".




Portanto, o que se sabe é que este coronavírus humano é diferente do seu antecessor animal em 12 bases: [ccu cgg cgg gca], localizadas numa dada parte da sequência das 3.831 bases da espícula. E é a esta mutação que é atribuída a sua alta capacidade de contágio e virulência. Agora, o que ainda não se sabe é se esse rearranjo genético foi adquirido já dentro do corpo humano, ou se já o tinha adquirido antes de ter saltado do animal selvagem para o homem. A análise do genoma dos outros coronavírus já conhecidos, mostra que apenas o SARS-CoV-2 possui esta mutação. A grande novidade do SARS-CoV-2, em comparação com outros coronavírus, é o aparecimento desta mutação formada pela sequência de doze bases, a qual confere ao coronavírus capacidades novas que o torna extraordinariamente contagioso na espécie humana. O SARS-CoV-2 conjuga duas características que até agora estavam separadas nos outros coronavírus: uma, é a sua alta capacidade de contágio; a outra é a sua relativa alta virulência. 


A chave do novo coronavírus está na sua ligação à furina, com uma afinidade até 20 vezes maior que o SARS-CoV-1 de 2002, que matou menos de 800 pessoas. Isso também permite que o vírus entre numa variedade maior de células. Provavelmente, isso favorece a disseminação do vírus em pacientes infectados e, portanto, é provavelmente a chave para o desenvolvimento da doença, que finta o sistema imunitário do hospedeiro. A furina tem um papel fundamental no corpo humano, activando os precursores de muitas das proteínas que realizam as tarefas básicas da vida. É uma enzima que dá mais força ao vírus, mas também é uma enzima indispensável, sem a qual o ser humano não podia viver. E é por isso que este vírus é fora de série, porque, para além de enganar bem o nosso sistema imunitário, lixou a cabeça aos cientistas que pensaram num medicamento para inibir a ligação do vírus à furina. Pois isso seria desastrosona medida em que ao fazê-lo geraria efeitos tóxicos nas células, e por conseguinte, mataria o doente. 

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