Voltemos à metáfora do limoeiro do post anterior. Os nossos lavradores dizem que quando um limoeiro tem preguiça em dar limões, há que lhe dar uma coça, bater-lhe com um pau, esfolando o tronco e fazendo-lhe rasgos, por exemplo. Então passado algum tempo, não se sabe quanto, é um nunca mais parar de dar limões. Portanto, o "efeito limoeiro" não se limita à resiliência, porque a resiliência faz-nos resistir com mais eficácia às vicissitudes, mas permanecemos os mesmos, não resulta daí mais nenhum valor acrescentado. Ao passo que no "efeito limoeiro" ficamos mais fortes e mais capazes de dar a volta por cima. No caso de uma pessoa ser uma "flor de estufa", essa pessoa é uma pessoa muito sensível a qualquer vicissitude, pouco hábil a desenvolver estratégias de sobrevivência no infortúnio.
Se quase tudo aquilo que vem de cima para baixo fragiliza e bloqueia, tudo o que vai de baixo para cima prospera sob a quantidade certa de tensão e desordem. O processo de descoberta (ou de inovação, ou de progresso tecnológico) em si depende de ajustes na assunção ousada de riscos, mais do que de educação formal. Como a proteção excessiva do risco fragiliza mais a sociedade do que o contrário, não é de admirar que isso é também um fator gerador de crises. É claro que há sempre aqueles que por instinto são bem-sucedidos a tirar vantagens da desordem e da fragilidade de outros. É que, paradoxalmente, esses aproveitamentos, como são dinâmicos, encontram-se ocultos devido à cegueira de quem confia em saberes datados, que foram bons num determinado contexto, mas péssimos num contexto completamente diferente. Isso em parte também se deve à crescente complexidade das instituições modernas que ficam fora de controlo à medida que evoluem e se desenvolvem.
É por isso que não é de admirar que ontem a bomba tenha rebentado nas mãos de Centeno ao facilitar a última injeção de 850 milhões de euros no Novo Banco, o herdeiro bom do tal BES de má memória, e que ainda indigna o simples cidadão ao perceber que esses senhores, ainda por cima, não abdicam dos seus prémios chorudos, mesmo quando o Banco continua a gerar prejuízos. E mais indignados ficam quando sentem que a mesma facilidade não acontece dos Bancos para as pessoas, para a ajuda económica daqueles que atualmente mais estão a sofrer com a crise da Covid-19.
É claro que é muito mais fácil descobrir uma "flor de estufa", do que descobrir como "ser um limoeiro". É melhor esquecermos a tentação de querermos prever a ocorrência de um evento que nos pode vir a prejudicar grandemente. A fragilidade pode ser medida; o risco, não. É impossível calcular os riscos de importantes e raros acontecimentos, ou até prever a sua ocorrência. É preferível atuar no sentido de contrariar a nossa fragilidade, do que tentar adivinhar quando um mal nos bate à porta.
Assim, em cada domínio ou área de aplicação, o que faz mais sentido é saber como podemos estar preparados para enfrentar grandes crises ou catástrofes. Assim como sabermos como nos vamos defender no caso de um vírus desconhecido e virulento nos atacar. Isto quer dizer que estaremos mais preparados se dermos como certo o incerto, o imprevisível, o desconhecido. Isso é que será o normal: o aleatório, o imprevisível, o improvável; e não o certo, o previsível ou o provável. Porque basicamente são essas as propriedades dos sistemas naturais que foram feitos para sobreviver na Complexidade.
Agora, em contrapartida, o que temos vindo a fazer já há muito tempo é a tornarmo-nos "flores de estufa", muito frágeis. E isso só nos prejudicou, ao querermos viver longe de toda a aleatoriedade. Viemos fragilizando a economia, a nossa saúde, a vida política, a educação (ou seja, quase tudo...) ao querer suprimir, sem sucesso, toda a aleatoriedade. É como se estivéssemos um mês na cama a ler: o Guerra e Paz, de Tolstoi; o Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust; ou o Homem sem Qualidades, de Musil. A atrofiar os músculos e os nervos. Os seres vivos, e não só, são sistemas complexos que enfraquecem, e até podem morrer quando privados de algum stress. Como se ouve agora dizer: "a solidão mata."
A tragédia da modernidade foi ter-se estruturado superprotegendo a vida política e social. Por isso pareceu-me bem que a psicóloga social Maria Luísa Lima – catedrática de Psicologia Social do ISCTE-IUL – ontem no programa Fronteiras XXI – tenha dito que estava mais preocupada com a comunicação de risco para os mais velhos, do que para os adolescentes. Os adolescentes podem arriscar mais, até porque faz parte da sua etapa de vida, que é conhecerem mais mundo, aprenderem a saber gerir o risco. A partir de agora a gestão do risco para os mais velhos vai ser mais complexa do que até aqui. Até aqui era simples: "fique em casa, e pronto”. Porque os velhos, mesmo com a mesma idade não são todos iguais: há aqueles que ainda mantém uma vida ativa e saudável, que precisam de continuar a ir à padaria e ao supermercado, e caminhar ao ar livre. A Covid-19 mata, mas a solidão também mata. A doença mental é um grande problema, porque não é quantificável da mesma maneira como se quantifica o número de mortos. Estes são dados estatísticos, são matemática, e as emoções são avessas à matemática. Portanto, esses velhos têm de começar a sair, obviamente tomando as medidas de proteção que estão a ser postas em prática.
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