Isto vem a propósito dos “4 frugais” ministros, dos países cujos nomes agora não interessa, que se têm mantido recalcitrantes quanto a uma forma mais solidária de ajudar as economias mais sensíveis por causa da Covid-19.
O trabalho, em Aristóteles, está ligado às necessidades da vida. Não é um fim em si mesmo, mas um meio, um meio de vida necessário, que se ocupa da necessidade. Por isso o actual conceito de trabalho, que é vital aos protestantes calvinistas, também seria absolutamente estranho a Aristóteles. Para Kant, o ócio é “uma espécie de luxo da mente”. O intelecto não se esgota no trabalho e nos negócios.
Na Idade Média, a vida contemplativa gozava ainda de prioridade em relação à vida activa. Tomás de Aquino, na Summa Theologica, escreveu sobre isso. A vida activa estava ainda muito embebida na vida contemplativa, de modo a que o seu fluir no tempo adquirisse sentido. Só durante a Reforma, o trabalho adquire um sentido que excede a satisfação das necessidades vitais. Relaciona-se agora com um sentido teológico, o que o legitima e valoriza. Segundo Max Weber – em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo – Lutero associa o trabalho como ocupação ao chamamento que Deus faz aos homens. E no calvinismo, o trabalho adquire um sentido económico-salvífico. A preocupação com a salvação transforma o indivíduo em trabalhador. O trabalho é o único meio que o indivíduo tem de se reconhecer como eleito e, por conseguinte, de mitigar o medo. Max Weber vê no espírito do protestantismo a prefiguração do capitalismo. Manifesta-se como um impulso no sentido da acumulação, levando à constituição do capital. O lucro como preceito divino, o afã posto no ganho para poder obter o favor de Deus.
Os bens não duram. A cupidez material não explica por si só as receitas económicas. Baseia-se mais na busca esforçada pela salvação. O imperativo capitalista vai no sentido de produzir sempre mais, portanto no de crescimento, de modo que as coisas se produzam e se consumam num lapso de tempo cada vez mais curto. E o resultado está à vista: terra e mar a transbordarem de lixo humano que leva à extinção das outras espécies. Por isso não tem que se queixar se os micróbios, por falta das espécies que serviam para a sua reserva natural, terem de saltar para outras espécies, nomeadamente a espécie humana, que para além de existir em abundância, se põe a jeito. Por falar neste ciclo de substituição das coisas cada vez mais curto, estou a lembrar-me do meu primeiro casaco de fazenda com calções a condizer, ainda andava na escola primária, mandado fazer ao alfaiate com a fazenda de um sobretudo do meu pai virado do avesso. E depois, quando já estava a crescer desalmadamente com a puberdade, ainda serviu ao meu irmão, três anos mais novo a seguir a mim.
Fala-se na necessidade de crescimento económico para manter saudável a Economia, para manter saudável a Sociedade, etc. e tal, mas só possível à custa de consumo e uso vertiginoso cada vez mais de coisas. Usam-se e consomem-se o mais rapidamente possível, para ceder lugar a novos produtos e necessidades. Assim, não há contemplação possível, não há sossego, um bem preciosíssimo, mas tão escasso nos dias de hoje.
A vita activa, que desde a modernidade te vindo a ganhar em intensidade, em detrimento da vita contemplativa, tem uma participação essencial na compulsão à aceleração moderna. Também a degradação do homem em animal laborans é uma consequência deste novo desenvolvimento. Tanto a intensidade do trabalho como a da acção remetem para o primado da vita activa na modernidade.
O tema da vida activa, e do labor, foi um tema caro a Hannah Arendt, o qual foi magistralmente trabalhado no seu livro “A Condição Humana”. A reabilitação da vida activa dirige-se, sobretudo, ao agir. Agir significa começar alguma coisa completamente de novo. Sem a condição do agir, o homem fica reduzido à condição do labor. Nas últimas páginas de A Condição Humana, Arendt acaba por fazer uma apologia involuntária da vita contemplativa. A perda da capacidade contemplativa é responsável pela degradação do homem em animal laborans.
Só a revitalização da vita contemplativa tornará possível a libertação da compulsão a trabalhar. Mas o homem é mais do que um animal, porque possui a capacidade contemplativa, que não é um estilo, mas uma “veritatis inquantum est perfectio hominis". Sem ars tranquila a vida acaba numa hiperactividade letal, porque talvez o espírito, ou a alma, devam deixar de respirar. Fica sem pneuma. Pneuma tanto significa respiração como espírito. Sem pneuma não tem espírito. À falta de sossego, a nossa civilização desemboca numa nova barbárie.
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