terça-feira, 5 de maio de 2020

New York, New York


Eu tinha dito que estava triste com as notícias de Nova Iorque pelas piores razões. É claro que se trata do Estado de Nova Iorque fustigado com uma tragédia daquelas dimensões quanto ao número de mortos por SARS-COV-2, mais conhecido por Covid-19. Mas ainda assim, Nova Iorque ...


Nunca estive em Nova Iorque. Esta história é assim tão simples. Paulo Portas numa das suas edições de "O Estado de Emergência" do Jornal da Noite da TVI, citou o New England Jornal of Medicine, por ainda ser a publicação médica com mais prestígio em todo o mundo. Então eu contei a um amigo que no tempo mais intenso da minha preparação para Internista, não adormecia sem ler na cama um pouco do New England todas as noites. E era esta publicação que todas as semanas recebia pelo correio que levava para a cama pela sua leveza, em papel quase de Bíblia. Naquela época a América era o eldorado dos estudantes de medicina.


Na sequência da conversa, a dada altura esse amigo admira-se por eu estar a falar de tantas coisas de Nova Iorque e nunca lá ter estado. É claro que, qualquer pessoa, com literacia um pouco acima da média, sabe muitas coisas de Nova Iorque. E eu ainda tinha o bónus de ser um admirador de Edward Hopper. 


Voltando ao New England, na altura em que o lia, falava do mal-estar que a Medicina estava a atravessar. Esse tema chegou a ser objeto de um artigo que escrevi na Revista do meu hospital, sob o título: Medicina Interna, que futuro? O que se estava a passar era que os melhores alunos já não escolhiam a Medicina Interna como especialidade, que era preterida em benefício das especialidades que se tinham ramificado a partir dela, e completamente autonomizadas; representava para os médicos não apenas um maior conforto epistemológico, mas também pecuniário. Nos países ditos do "primeiro mundo" passou a estar na moda da gente endinheirada, a procura dos especialistas dos especialistas. Passou então a haver médicos que sabiam tudo de uma coisa; e nada de nenhuma coisa. 


No diálogo platónico "Protágoras", Sócrates fala do famoso médico Hipócrates de Cós na tradição de uma linhagem que remontava a Asclépio. Cós era a terra de origem dos Asclepíades. Asclépio, um semideus, terá nascido de Apolo e de Corónis. Após seduzir Corónis, deixando-a grávida, Apolo partiu para Delfos. Agora reparem como "anda tudo ligado". Os coronavirus chamam-se assim porque ao microscópio eletrónico têm a forma de uma coroa, cujo étimo é corona. E vemos aqui nesta história semi-mítica, semi-real, o nome de Corónis.

Mas Corónis mantinha uma paixão secreta por Isquis ou Quílon. Apolo, ao saber disto ficou irado, e pediu à irmã Ártemis que fizesse justiça. Assim, Corónis foi morta cravejada de setas. E de raiva, Apolo pintou o corvo de preto para sempre. E foi quando o Corpo já estava na pira para ser incinerado que se apoderou de Apolo o instinto da compaixão. Pediu a Hermes que retirasse a tempo do ventre de Corónis o jovem Asclépio. Dele nasceu a geração dos Asclepíades, com um ramo em Cós; outro em Cnidos; e um terceiro em Rodes, que não vingou. Hipócrates terá sido o 17* descendente de Asclépio, sendo este, mitológico, mas Hipócrates, real.

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