Tendo feito uma fisga de um estetoscópio, em sentido metafórico é claro, faz agora treze anos que venho alimentado este blogue, é verdade que com pausas periódicas pelo meio. Tem sido uma colecção de artigos com alguma heterogeneidade quanto aos temas, mas também quanto à forma. Se de início era uma espécie de ensaios para consumo próprio a fim de imprimir uma disciplina no preenchimento do tempo, paulatinamente evoluíram no sentido de ir ao encontro da grande diversidade de leitores que costumam visitar estas páginas do blogue "a Fisga". É assim que espero continuar a trabalhar no sentido de despertar o interesse do leque alargado dos potenciais leitores. E digo ensaiar porque é como se estivesse a pensar em voz alta, como se estivesse a falar. Como se estivesse permanentemente a mirar, treinando a pontaria.
Desde os tempos paleolíticos aos nossos dias dos likes nas redes sociais se vê a importância das mãos. O nosso vocabulário está repleto de palavras e expressões que nunca mais acabam. São tantas as palavras - verbos e adjectivos, bem como aforismos e provérbios. É tal a diversidade de sentidos em que é usada que, de facto, é um fio condutor que atravessa praticamente todas as profissões, culturas e civilizações:
- Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar.
- Foi encontrado na contramão atrapalhando o trânsito.
- Andamos todos com o coração nas mãos.
- Ele com mãos de ferro deitou mãos à obra, não havendo ninguém como ele a manusear os manípulos da prensa tipográfica.
- A sorte dele foram as manobras de manutenção, porque senão em vez de estar de mãos-cheias, andaria por aí de mãos a abanar.
- Mãos à obra, disse ela com as mãos nas ancas, depois de ele ter posto a mão na consciência.
- Ele levantou-me a mão, a uma mão-travessa dos meus olhos, e disse: "agora é tempo de manufaturar... enquanto a ministra está com mãos-largas. Porque eu estou de mãos limpas em relação a essas manobras dos contratos".
No Antigo Testamento aparecem dezenas de referências alusivas à mão. Por exemplo, Jacob tenta enganar o pai - Isaac, que está cego, para roubar a primogenitura a Esaú:
E foi ele a seu pai, e disse: Meu pai! Eis-me aqui;Quem és tu, meu filho? E Jacob disse a seu pai: Eu sou Esaú, teu primogénito; tenho feito como me disseste; levanta-te agora, senta-te e come da minha caça, para que a tua alma me abençoe. Então disse Isaac a seu filho: Como é isto, que tão cedo a achaste, filho meu?No Novo Testamento, quando levaram Jesus a Pôncio Pilatos para que decidisse o seu destino, lê-se em São Mateus, 27:24-26
Porque o Senhor teu Deus a mandou ao meu encontro. Chega-te agora, para que te apalpe, meu filho, se és meu filho Esaú mesmo, ou não. Então, Jacob chegou-se a Isaac, seu pai, que o apalpou, e disse: A voz é a voz de Jacob, porém as mãos são as mãos de Esaú. As mãos de Jacob estavam cabeludas, como as mãos de Esaú, seu irmão; e abençoou-o.
Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, ante o tumulto que crescia, mandou trazer água, lavou as mãos diante da multidão, e disse: Eu não sou responsável pelo sangue deste homem. Considerai isso. E todo o povo disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos. Então soltou-lhes Barrabás, e, tendo mandado açoitar Jesus, entregou-o para ser crucificado.E a história da pintura ao longo dos tempos também é riquíssima na representação das mãos. Na pintura religiosa, a mais célebre é a dos painéis centrais da Capela Sistina, naquela parte em que Miguel Ângelo representou a Criação de Adão. Nela, o Senhor com o indicador da mão direita - a destra, a sagrada, quase toca o indicador da mão esquerda de Adão - a sinistra, a distinguir logo na criação a diferença entre a mão esquerda e direita.
Ainda me lembro, de quando era aluno do primeiro ano, e das aulas espectaculares de Anatomia Descritiva dadas pelo Prof. Castro Correia. Na aula da mão, projectou esta famosa pintura de Rembrandt intitulada - A Lição de Anatomia do Dr. Tulp. Revejo agora, que esse médico existia - Claus Pieterszoon, seu verdadeiro nome, que adoptara a tulipa para o seu brasão. Daí o nome Dr. Tulp (tulipa). E parece que Rembrandt recorreu a braços e pernas que teriam sido dissecados pelo próprio Vesálio, para modelos deste quadro terminado em 1632. O Dr. Tulp mostra no cadáver, com a pinça na mão direita agarrando os músculos flexores dos dedos, e exemplificando a sua acção com a sua mão esquerda.
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