quinta-feira, 14 de maio de 2020

O Próximo e as Multidões


Próximo é todo aquele que está perto de cada um no tempo e no espaço. Para os cristãos é o Bom Samaritano. Um homem de Jerusalém jazia no caminho, quase morto, acabado de ser assaltado. Veio um sacerdote e passou ao lado. Veio um levita, e passou ao lado. Até que passou um homem da Samaria. A Samaria era desprezada por Jerusalém. Bem, este homem da Samaria comoveu-se, e auxiliou o homem de Jerusalém.

Nesse tempo andava por lá um homem da Galileia chamado Jesus de Nazaré, por ter aí crescido e aprendido o ofício de carpinteiro com o pai. Era filho de Maria, bem como outros, quantos não se sabe ao certo. Um dia, impressionado com as prédicas de um eremita do Jordão, chamado João Baptista, deixou-se baptizar por este nas águas do rio Jordão. E a partir daí deixou a carpintaria e passou a dedicar-se ao sermão. Antes, porém, teve de passar uns tempos num recolhimento de iniciação no deserto, para se purificar. Quarenta dias em jejum, é obra. Só a partir daí é que percorreu a Galileia de lés a lés, pregando o ethos do amor ao próximo sem limites. Enfim, um 'louco' segundo Marcos, o evangelista. Jesus não foi um sacerdote, embora participasse no culto judaico da época; também não foi um político; e muito menos um filósofo, como um Sócrates antes dele, ou um Marco Aurélio depois dele. O que era ele então? Era um taumaturgo! Taumaturgo era na Antiguidade aquele que curava através da operação de milagres. Um outro taumaturgo famoso foi António, o Santo, para uns de Lisboa, para outros de Pádua.

Santos e Nascimento, em artigo de revisão reportam, entre o que descobriram, que o valor de 40 dias atribuído ao nome da prática – quarentena – tem origem nos primórdios da prática de vacinação antivariólica na China Antiga, segundo as suas referências observava-se que as crostas extraídas dos acometidos por varíola permaneciam infectantes por cerca de 40 dias. E essa observação difundiu-se como uma prática cultural, nas mais diversas culturas, como objetivo de purificação ou contenção da propagação de doenças.

Mas eu digo, como diz o outro, "isto anda tudo ligado", e a noção de quarentena também pode vir dos 40 dias que Jesus passou confinado no deserto. Mas quem inventou a medida nos surtos de epidemias, foram os venezianos, que estipularam um período de 40 dias para todos os navios que atracavam em Veneza durante a Peste Negra, nos séculos XIV e XV. Mas antes, em 1377, em Ragusa, dominada por Veneza, já se havia praticado o isolamento das pessoas que vinham nos barcos provenientes do Oriente. Só que aqui, apenas impuseram 30 dias, o chamado trentino, vá-se lá saber porquê. É claro nessa altura não conheciam os microrganismos como causadores de doenças, mas ia dar tudo ao mesmo, quando diziam que eram os miasmas. Era a perturbação do equilíbrio e harmonia da physis, um conceito aristotélico. A propagação da Peste era descrita como um incêndio. A doença espalhava-se como o fogo, de uma pessoa para outra. Nos casos de lepra, uma doença que esteve fundamentalmente associada à noção de contágio/contacto, a doença era associada à impureza espiritual e os doentes eram proscritos, expulsos da comunidade, destituídos de direitos civis e considerados socialmente mortos. É aqui que entra Jesus com a sua taumaturgia, curando leprosos e leprosas.

Nietzsche descreveu-o como um alegorista, vivendo num imaginário pleno de sinais, símbolos e inefabilidades. A frase: "Não resistais perante o mal!" é para Nietzsche a chave do Evangelho. Jesus suporta aqueles que lhe fazem mal, e ainda agradece. Isto é muito mais do que a resiliência, que faz lembrar a metáfora do limoeiro. Quem tem experiência de limoeiros, sabe que quando o limoeiro está com preguiça, o que mais resulta é bater-lhe com um pau ou uma pedra, e esfregar-lhe o tronco por forma a fazer ferida. Ora, passado uns tempos, não se diz quanto tempo, o limoeiro aparece carregadinho de limões. Portanto, jesus não se defende, deixa que lhe batam, e ainda por cima não os responsabiliza. Em vez disso ama-os. Esta é a versão de Nietzsche, do Jesus anti-herói. É um "idiota" no sentido que lhe é dado por Dostoiévski.

A interpretação de Nietzsche não convence ninguém. Nietzsche vê Jesus à luz de São Francisco de Assis. Mas atente-se a estas narrativas: Pedro opõe-se a Jesus quando Jesus diz que é o filho de Deus, que sofrerá muito, será morto, mas ressuscitará. E então Jesus repreende-o dizendo: "Afasta-te de mim Satanás, tu não pensas o que convém a Deus, mas ao homem"; ou a narrativa dos vendilhões do Templo, em que Jesus os expulsa à chicotada ou à cajadada.

Para a História, os historiadores dizem que Jesus, como existência empírica, não pode, em absoluto, fazer parte do mundo real e racional. É uma aparição na obscuridade periférica da Antiguidade tardia greco-romana, em que a História já caminhava para uma era de claridade com Flávio Josefo. Após a morte de Jesus, o Cristianismo primitivo subtraiu-se a toda a percepção histórica, na medida em que os seguidores apologéticos de Jesus se converteram num objeto totalmente inapreensível pela História. Quem, na esfera da História, fez chegar à claridade o Cristianismo, foi, em primeiro lugar, Paulo, Paulo de Tarso ou Saulo de Tarso, mais tarde o São Paulo, Apóstolo dos gentios [Tarso, Cilícia, c.5 d.C. - 67 d.C., Roma]. 

Enquanto era Saulo, perseguiu os primeiros discípulos de Jesus na região de Jerusalém. De acordo com o relato, durante uma viagem entre Jerusalém Damasco, numa missão para que, encontrando fiéis por lá, "os levasse presos a Jerusalém", Saulo teve uma visão de Jesus envolto numa grande luz, ficou cego, mas teve a visão recuperada após três dias por Ananias, que o baptizou. Começou então a pregar o Cristianismo. Como era um judeu cidadão romano, tal lhe conferia uma situação legal privilegiada. A questão de sua cidadania romana gera certa curiosidade. A conversão de Paulo mudou radicalmente o curso de sua vida, que acabou por transformar as crenças religiosas e a filosofia de toda a região da bacia mediterrânica.  Só por ilusão é que se pode dizer que o Cristianismo começa com Jesus, enquanto pessoa histórica. Mas de onde surgiu o nome "Cristo"? O fundamento do nome do Cristianismo surge com São Paulo, o verdadeiro fundador.

O termo “Cristo” remete para a palavra grega que significa ungido. Que por sua vez é uma transliteração do hebraico que significa MessiasKhristós no grego clássico poderá significar coberto em óleo, sendo assim uma translação literal de Messias. Ora nas religiões filiadas no Antigo Testamento, muito significado é transformado e transliterado ao longo dos tempos.A Era Messiânica é o futuro período de tempo na Terra, no qual o Messias [nome ou título de Rei] reinará e trará a paz universal e amor fraternal, sem: crime guerra e pobreza. Muitos acreditam que haverá tal era; alguns referem-se a ela como o Reino de Deus consumado, ou seja o Paraíso, que em termos escatológicos é o mundo-que-há-de-vir: O Porvir.

Há quem não queira confundir Cristianismo com Jesuísmo. Jesuísmo é uma visão filosófica diferente da visão canónica cristã de Jesus. Dentro da visão não canónica, encontram-se tanto ateístas como teístas. Os ateístas apreciam apenas os seus ensinamentos e o seu exemplo de vida, como sendo a de um "homem bom e inteligente". Contudo, rejeitam a sua divindade. E o termo “Jesuísmo” é usado para o contraporem ao “Paulismo”. Segundo estes filósofos, o Cristianismo que vingou na Igreja oficial de Roma foi o Cristianismo Paulista, diferente do que verdadeiramente Jesus teria pregado. Owen Flanagan, um filósofo americano possivelmente o mais polifacetado, dadas as vastas áreas em que se meteu, defende que o Jesuísmo é aproveitado por alguns filósofos ateístas para dissolver o conflito entre fé e ciência. Defensores do Jesuísmo que são teístas cristãos, usam o Jesuísmo, num propósito meramente instrumental, para criticar o Cristianismo Romano Paulista, que é o verdadeiro fundador do Cristianismo fundado em “Cristo”. 

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