segunda-feira, 4 de maio de 2020

Recortes de jornais




A vida, no que tem de inovador, não obedece à lógica. Esta frase vem a propósito das incertezas em relação ao futuro, que estamos a viver neste momento por causa da pandemia de covid-19, e o seu aproveitamento por líderes autocráticos de países dentro da União Europeia para reforçar ainda mais o seu poder autoritário, sem que as instituições europeias da União façam alguma coisa.

O Parlamento da Hungria deu luz verde ao seu primeiro-ministro, Viktor Orbán, para governar por decreto durante a pandemia de covid-19. Com uma maioria de dois terços na Assembleia Nacional, o Fidesz, partido a que preside, conferiu ao chefe de Governo amplo controlo sobre os destinos do país, podendo este aplicar novas medidas sem necessidade de aprovação parlamentar. Isto aconteceu nos últimos dias de março e não há uma data definida para o fim do regime de exceção. Militares assumiram por completo a administração de uma empresa, cotada na Bolsa de Valores de Budapeste, que produz embalagens para produtos farmacêuticos. Além do envolvimento direto do Governo na administração de empresas privadas, a legislação de emergência teve efeitos assustadores na liberdade de expressão. Em consequência disso, os profissionais de saúde autocensuram-se e evitam criticar as medidas por recearem a sentença prevista de cinco anos de prisão por alegada divulgação de ‘fake news’.

Na Polónia as coisas da democracia também não estão bem. E, todavia, tanto os governos da Polónia e da Hungria beneficiam de significativos fundos de emergência, fornecidos pela UE, que como disse é mansa na condenação das ações antidemocráticas destes governos. As perspetivas são bastante sombrias. É dececionante a dormência da Comissão Europeia face a estes desenvolvimentos. Mais uma vez, as políticas do Partido Popular Europeu (PPE) parecem sobrepor-se ao Estado de Direito. Da grande família do PPE no Parlamento Europeu, faz parte o Fidesz da Hungria.

A humanidade nunca lidou bem com a incerteza, com a interrogação. Precisamos de um sentido para a vida, e para todas as coisas. Precisamos de certezas para viver. As certezas mais antigas das grandes religiões deixaram de existir, pelo menos na Europa. O definhamento é já de algum tempo. E as certezas da ciência que vieram ocupar o lugar das religiões, que trouxeram consigo segurança e um progresso garantido, estão agora a começar também a declinar. Seria, contudo, preciso uma grande mutação no nosso modo de ser e de viver para isto estar a acontecer. E tudo indica que vai ter de ser esse o nosso destino. Para isso vai ser necessário uma nova forma de lidar com o espaço e o tempo, com a velocidade, para criarmos enraizamentos. Paradoxalmente, vamos ter de desfazer muita deslocalização existente. O que até não é mau, se fizermos as contas à quantidade de viagens de avião que vão deixar de ser feitas. Nas palavras de Goethe: é preciso reconquistar a herança que é dos nossos avós, e projetarmo-nos num futuro realmente desejado e não prometido. Numa Terra desejada e não prometida, encontrar-nos-emos num novo começo.

A questão da identidade é fulcral. O Ocidente encontra-se neste momento encravado no meio de um movimento de identidades. Mas para modificar um certo estado de coisas, é necessária vontade para encararmos frontalmente a realidade. Quando Alexandre Magno conquistou o Oriente em meia dúzia de anos, já a Grécia estava em decadência. E, todavia, o Oriente foi helenizado em poucas décadas. A seguir veio Roma, e romanizou o Mediterrâneo. Mas quando chegou o tempo dos europeus, a verdade é que a Europa se limitou a destruir as culturas locais. Restou a Democracia. Mas como a Democracia é das conquistas civilizacionais mais frágeis, todos os processos nos conduzem para uma grande crise civilizacional.

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