sábado, 2 de maio de 2020

O que diz um dos meus velhos: Constantino Sakellarides


De uma entrevista, hoje no Diário de Notícias

          Pensando no futuro a longo prazo, temos de monitorizar melhor a fronteira entre as espécies, humana e animal, pois sabemos que é daqui que vêm os riscos pandémicos. Mas também temos de monitorizar os sinais de irreversibilidade das ameaças climáticas e estar atentos aos sinais, aos alertas precoces para fenómenos que afetam a nossa saúde económica e financeira e que agravam ainda mais as desigualdades económicas e sociais.
         A covid-19 veio lembrar mais uma vez que é preciso transformar as nossas cidades, os nossos hábitos, a forma como vivemos. Por exemplo, precisamos todos de ir trabalhar à mesma hora, nos mesmos locais, da mesma forma, com a mesma organização? Precisamos de aprender todos da mesma forma nos mesmos sítios, escolas, e à mesma hora? Não podemos combinar o trabalho com a vida familiar, com as experiências culturais e com o entretenimento de outra forma? Precisamos todos de ir de férias no mesmo mês ou de descansar todos nos mesmos dias da semana? Será necessário utilizarmos todos os serviços sociais e de saúde da mesma forma? O grande desafio a partir desta crise sanitária será conseguirmos viver melhor e de forma mais inteligente no futuro, conseguirmos desenhar arquiteturas comportamentais e laborais boas para todos. Arquiteturas que tenham uma natureza fortemente adaptativa, a partir das quais seja mais fácil reorganizar ora distanciamento, em face da ameaça, ora a proximidade, quando aquela atenua.
Sakellarides é muito incisivo na forma como temos de arrepiar caminho em relação ao paradigma que estávamos a trilhar até aqui. E liga o problema das pandemias, que vão continuar e cada vez mais violentas, ao problema da alterações climáticas. Temos, por isso, a partir de agora, se quisermos melhorar as condições de vida que toque a todos, criar impulsos para uma outra forma de viver. E ao mesmo tempo será preciso desenhar estratégias participativas locais, em constante actualização que activem mais mecanismos colaborativos. A ciência, para além daquilo que tem feito bem no campo da biologia, também vai ter de olhar com maior atenção para as questões comportamentais, quer dos cidadãos a título individual, quer ao nível das sociedades de um ponto de vista holístico. O foco não pode estar exclusivamente no vírus. Tem de estar também nas pessoas. Quando se desenham estratégias de transição para a reabertura, o conhecimento dos espaços que fazem parte da nossa convivência é essencial.

Fala-se muito pouco dos inconvenientes do confinamento prolongado para a saúde das pessoas. Inconvenientes físicos, relacionais, de saúde mental, nos padrões de utilização dos cuidados de saúde. Ambas as vertentes têm de ser ponderadas simultaneamente. Contudo, estamos numa fase em que o risco de infeção diminuiu, e os somatórios e as médias nacionais da intensidade de transmissão estimada têm cada vez menos significado. Por isso, os focos locais de transmissão é que devem passar a preocupar-nos. As orientações gerais têm de vir acompanhadas de soluções de proximidade. 
As respostas nesta fase requerem estratégias locais, evolutivas, adotadas segundo a epidemiologia da infeção e dos padrões de morbilidade observados, dos comportamentos sociais e das respostas efetivas dos serviços sociais e de saúde das localidades. Estes são os progressos que devemos ter em conta para dar as respostas de proximidade que agora interessam. Precisamos de verdadeiras estratégias locais de saúde. Elas são o estado da arte na saúde pública actual. Não há experiências anteriores sobre a saída de um confinamento como o que vivemos agora. E há ainda importantes incertezas sobre a epidemiologia da doença. As projeções e previsões recentes não têm sido muito certeiras, ainda não sabemos quando teremos medicamentos eficazes e uma vacina.

A chave do Serviço Nacional de Saúde esteve sempre na Articulação. Mas a partir de agora a Articulação vai ser ainda mais importante, no sentido de gerir o percurso das pessoas entre os vários serviços de que precisam. Às pessoas não interessa que se chame hospital ou cuidados primários, o que elas precisam é de transitar de um lado para o outro de acordo com as suas necessidades e de obter bons resultados.

Vamos regressar ao futuro. Regressar ao futuro não é uma forma de redimirmos os nossos pecados do que não fizemos. É uma forma de sermos inteligentes em relação ao que já aprendemos. É uma obrigação pessoal e profissional, para nós, para os nossos filhos, para as novas gerações em relação a um futuro melhor.

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