quarta-feira, 20 de maio de 2020

Os sefarditas


Uma lembrança a propósito das notícias sobre o abandono por parte do grupo parlamentar do PS da exigência de dois anos de residência em Portugal para atribuir nacionalidade portuguesa aos descendentes de judeus sefarditas. Um deputado do CDS havia reivindicado a manutenção de um princípio de «fazer justiça histórica a uma comunidade de pessoas que eram portuguesas de origem e foram expulsas de Portugal em função das perseguições nos séculos XV e XVI», que foi reconhecido por lei em 2013, elaborada pelo PS e pelo CDS. Então, a lei não foi regulamentada, voltando a ser aprovada pelo Governo do PSD e do CDS em 2015, ano em que o mesmo princípio de concessão de nacionalidade a descendentes de sefarditas foi aprovado em Espanha. 

Em 2014, o governo espanhol possibilitou o reconhecimento dos judeus sefarditas como cidadãos espanhóis, determinando 1 de outubro de 2019 como prazo final para os requerimentos. As regras de concessão envolviam a demonstração clara da ancestralidade sefardita através de laudo genealógico. Portugal também aprovou lei semelhante, mas sem prazo estabelecido para a requisição de nacionalidade. O número 7 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, prevê a possibilidade de aquisição de nacionalidade por descendentes de judeus sefarditas portugueses. 



O Centro de Interpretação da Cultura Sefardita do Nordeste Transmontano, em Bragança, é um espaço destinado à preservação das vivências das comunidades judaicas que habitaram a região transmontana e cuja memória, ainda hoje, perdura muito viva. A informação organiza-se sob a designação: Judeus Sefarditas do Nordeste Transmontano: uma viagem no tempo e ao fundo da consciência social. Pretende ser uma revisitação daquilo que a historiografia temática dá conta do que terão sido as vivências dos judeus sefarditas que habitaram a região.

O percurso expositivo deste espaço mostra a importância da História Sefardita no território do Nordeste Transmontano, com início na época medieval com o desenvolvimento económico da região, passa pela importância e pelo lugar das dinastias financeiras brigantinas na Época Moderna, com os vários homens de cultura que em diáspora se dedicaram aos mais variados campos do saber, terminando na Inquisição e no medo incutido nas mentalidades através da perseguição religiosa. Simbolicamente, à entrada do museu encontra-se uma grande oliveira feita de pequenos círculos escuros, dentro de cada um estão inscritas as localidades da região onde existiram comunidades judaicas. No segundo piso são apresentadas as várias dimensões da vida económica e social dos judeus da região, as feiras, os caminhos, os produtos produzidos e comerciados. O início da intolerância, o arranque das perseguições e o lançar da diáspora também aqui são apresentados. Um grande ecrã táctil permite perceber a mobilidade mundial de muitas famílias judaicas da região ao longo do tempo. 



A Comunidade Sefardita de Belmonte detém um importante facto da história judaica sefardita, relacionado com a resistência dos judeus à intolerância religiosa em Portugal e na restante Península Ibérica, tendo sido instaurada uma lei que obrigava os judeus portugueses a converterem-se ou a deixarem o país. Muitos abandonaram Portugal por medo da Inquisição e outros converteram-se oficialmente ao Cristianismo, mas mantendo no seio da família o seu culto e tradições. Um terceiro grupo de judeus, decidiu isolar-se do mundo exterior, cortando o contacto com o resto do país e seguindo rigorosamente as suas tradições. Esses judeus foram chamados de Marranos, uma alusão à proibição de comer carne de porco. Durante séculos os Marranos de Belmonte mantiveram as suas tradições judaicas quase intactas, tornando-se um caso excecional e raro de uma comunidade criptojudaica. Somente na década de 70 do século XX a comunidade estabeleceu contacto com os judeus de Israel e oficializou o judaísmo como sua religião. Em 2005 foi inaugurado o Museu Judaico de Belmonte, o primeiro do género em Portugal, que mostra as tradições e o dia-a-dia dessa comunidade.

Portugal teve os primeiros grão-rabinos em finais do século XII, tendo-os mantido continuamente até 1497. Para assegurarem uma melhor colaboração social e política alguns soberanos pretenderam nomear um grão-rabino para chefiar a população judaica e, deste modo, garantirem a existência de um único interlocutor entre os súbditos judeus e o poder. Os judeus eram artesãos, e trabalhavam o couro, o cânhamo, ou dedicavam-se à ourivesaria e à encadernação de livros. No decurso dos séculos XIV e XV os judeus passaram a estar igualmente envolvidos no comércio de cavalos, especiarias, produtos de seda comprados de forma legal nos portos do Mediterrâneo. 

Os sefarditas foram responsáveis por boa parte do desenvolvimento da Cabala medieval e muitos rabinos sefarditas escreveram importantes tratados judaicos que são usados até hoje em tratados e em estudos importantes. 

Sefardita é o nome que se dá aos descendentes de judeus originários de Portugal e Espanha. A palavra tem origem na denominação hebraica para designar a Península Ibérica. Têm uma língua própria para a liturgia a que se costuma chamar “ladino”. Desde sempre que estes judeus possuíam tradições, línguas hábitos e ritos diferentes dos judeus asquenazes que habitavam a Europa central e de leste.

Os sefarditas provavelmente se estabeleceram na Península Ibérica durante a era das navegações fenícias. Sobreviveram à cristianização da Península Ibérica no tempo do Visigodos, mas tiveram de partir depois de 1492 com a expulsão no tempo dos Reis Católicos de Espanha, e com a conversão no tempo do reinado de Dom Manuel I de Portugal. Uma boa parte dos hispânicos haviam abraçado o judaísmo e não o cristianismo, como reacção às perseguições visigóticas. Os judeus reivindicavam a sua presença na Península desde tempos muito antigos. Todos eles acreditavam serem descendentes da tribo de Judá (uma inclinação muito judaica de fazer história a partir das lendas), deportada para Espanha em 587 a.C. aquando da destruição do primeiro Templo de Jerusalém por Nabucodonosor II. Segundo eles, faziam parte de uma aristocracia judaica sem qualquer responsabilidade na Paixão de Cristo visto que, nessa época, a referida aristocracia já não se encontrava na Terra Santa.

Em 1492, é difícil avançar um número exato dos judeus na Península. Houve, no entanto, quem tenha estimado um décimo da população total. Diz-se que em Espanha, cerca de 200.000 partiram; e 150.000 converteram-se ao Cristianismo. Desde a época andaluza do califado de Córdova, as comunidades judaicas e as aljamas (povoações com sinagogas) passaram a beneficiar de uma independência indiscutível, o que não fora o caso na época do reino visigótico, onde tinham sido perseguidas. No entanto, a partir do Concílio de Latrão de 1179 e de 1215, os judeus passaram a ser obrigados a usar a rodela amarela nas suas vestes. Com o Código de Leis de D. Afonso X de Castela – As Sete Partidas – e o Sínodo de Logroño de 1324, passam a ter de prestar juramento com base num texto bastante longo e humilhante sempre que, num processo, tinham de enfrentar um cristão:
“[…] E tu, judeu de palavra pérfida e empedernida, sem rei nem bispo consagrado, sem capelão, guarda a tua vil crença e a terra poluída que é a terra dos judeus, onde tu te arrastas pelo chão como uma cobra[…] vira o teu coração e o teu corpo e diz a verdade antes da tua morte se, por mero acaso, jurares em falso, Ámen. Torna a dizer antes da tua morte. Ámen."
Os sefarditas são divididos hoje em ocidentais e orientais. Os ocidentais são os chamados judeus da nação portuguesa, enquanto os orientais são sefardim que viveram no Império Otomano. Após a crise que envolveu Israel e os Países Árabes em 1967, muitos dos judeus que viviam nos Países Árabes, que eram sefardim, foram viver para Israel onde os judeus eram na sua maioria asquenazes.

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