sexta-feira, 12 de junho de 2020

Derrubando estátuas



Já não temos hoje uma única estátua grega tal como a conheceram os seus contemporâneos. Esses objetos de pedra mole, para poderem ser trabalhados de forma a imitar a vida orgânica, eram pintados. Por isso, sofreram à sua maneira, o equivalente do cansaço, do envelhecimento, da desgraça. A desgraça das sevícias dos bárbaros e cristãos remeteram-nas para o esquecimento, soterradas durante séculos. Mas o que se tornou estranho foi depois, quando foram desenterradas. Não se encontrou uma que não estivesse danificada: Um pé descalço pousado sobre uma lage; um rosto com o nariz esmurrado; um sem rosto; um joelho contendo ainda toda a velocidade da corrida. Ou seja, elas passaram a habitar os museus, e nós a preferi-las mais assim do que as falsas reconstituições, porque a patine do tempo tornou-as mais belas, preservando ainda a mão humana que as criou, e que as acompanhou na mesma ruína. Outras há que devem a sua beleza nova apenas à violência humana, ao gesto que as empurrou do pedestal. Neste caso, o patético da degolação transformou os representados em mártires. Um mundo de violência gira em torno destas formas mutiladas. 


Vieira defendeu os judeus. Vieira lutou pela abolição da separação entre cristãos e cristãos novos. Foi um dos líderes da luta em defesa dos indígenas. Ele levou para o Brasil a tradição do direito natural, dizendo uma coisa muito simples aos colonos: os índios são homens, logo têm direitos inerentes à sua condição humana. Fez ele uma luta armada contra a escravatura de negros? Não. Não é esse o caminho de Deus. A este respeito, não podemos ser anacrónicos. Repare-se em Lincoln. O Presidente americano que aboliu a escravatura começou por dizer que apenas não queria a expansão da escravatura do sul para oeste; ele considerava a escravatura um mal, mas, estando aqui na realidade terrena, estava disponível para um compromisso com os esclavagistas do sul a fim de evitar uma sangrenta guerra civil. [Henrique Raposo]


Quanto ao racismo - preconceito em relação à descendência étnica combinado com ação discriminatória - não tem necessariamente de ser determinado por mecanismos inatos, mas será mais um fenómeno cultural condicionado por conjunturas históricas precisas. O atual panorama na América, ou Novo Mundo, resulta já de um fenómeno importado da Europa que vinha evoluindo já desde a Idade Média do tempo das Cruzadas e dos pogrom. A expansão europeia deu origem a todo um corpo coerente de ideias e de práticas associadas à hierarquia dos povos de diferentes continentes. 

Mas isto não significa que fenómenos semelhantes não tenham ocorrido noutros tempos e partes do mundo. Em todo o caso, não é descabida a ideia de que o racismo - enquanto preconceito étnico associado a ações discriminatórias - faz mais sentido ser abordado à luz de motivações conduzidas por projetos políticos. 

Um aspeto que me chamou a atenção no estudo dos casos clínicos apresentados nas revistas médicas, oriundas dos Estados Unidos, foi a obrigatoriedade da referência à raça. E era de tal modo que também passou a ser adotado esse critério nas faculdades de medicina em Portugal, sobretudo quando os internos eram submetidos a provas de exame. É claro que nas "nossas histórias clínicas" a identificação do doente aparecia invariavelmente nos seguintes termos, por exemplo: "M.J.A., 70 anos de idade, raça caucasiana, natural de Braga e residente em Braga - internada no hospital por motivo de uma Síndrome febril indeterminada . . . "

Só muitos anos mais tarde é que vim a perceber: ao invés do que se passava na Europa, nos Estados Unidos, a classificação racial faz parte de todos os inquéritos burocráticos, especialmente no caso de quem pretende entrar no país. Por outro lado, a Europa levantou outras questões relacionadas com o racismo desde os pogrom medievais até ao anti-semitismo que culminou no Holocausto nazi. 

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