terça-feira, 2 de junho de 2020

Uma tentativa de salvar anfíbios da extinção. O caso de Atelopus zeteki



De acordo com Roberto Ibáñez, um pesquisador no Smithsonian Tropical Research Institute, Panamá, os primeiros sinais de declínio da rã amarela do Panamá foram percebidos entre 1993 e 1996. Edgardo Griffith, biólogo, lembra-se de ver rãs a morrer durante uma expedição a El Valle de Antón, no final de 2005. A causa vem a ser o Batrachochytrium dendrobatidis (também conhecido como Bd), um fungo do filo Chytridiomycota que está a ameaçar a população mundial de anfíbios por transmitir a quitridiomicose, uma doença que, como explica Ibáñez, “infecta a pele da rã, perturbando a maneira como ela funciona”. Uma das funções da epiderme da rã consiste em manter o equilíbrio de água e sais minerais entre o corpo do animal e o seu ambiente. Em rãs infectadas com Bd, o transporte de electrólitos é interrompido, o que reduz as concentrações de sódio e de potássio no sangue, levando à paragem cardíaca. Provavelmente veio de África. Pelo menos essa é a hipótese mais amplamente aceite entre os biólogos panamianos. O Bd ocorre naturalmente na epiderme da rã-de-unhas-africana (Xenopus laevis), originária do sul da África – essas rãs foram amplamente usadas em testes de gravidez a partir dos anos 1930. Sem saber que a rã-de-unhas-africana era o vector daquela doença, o teste com anfíbios foi exportado para outras partes do mundo, o que ocasionou a sua propagação. Embora actualmente nenhum tratamento eficaz contra a doença esteja disponível, os cientistas esperam um dia reintroduzir a rã dourada no seu habitat natural. Em 2011, o governo lançou o Plano de Acção para a Conservação dos Anfíbios no Panamá. 

Certos teóricos dizem que esta história é mais um dos indícios de que estamos a entrar no Antropoceno, que alguns acreditam irá exterminar um quarto de todos os mamíferos, 40% dos anfíbios, corais e muitas outras espécies de todo o mundo. No Panamá, cientistas e líderes nacionais estão convencidos que os seres humanos são realmente responsáveis, tendo introduzido na América do Sul um fungo invasivo que é altamente tóxico para os anfíbios. 

A cidade de El Valle de Antón, na região central do Panamá, conhecido apenas como El Valle, fica no meio de uma cratera vulcânica formada há cerca de um milhão de anos. A cratera mede quase sete quilómetros de largura, mas, quando o tempo está limpo, é possível ver o recorte das montanhas que cercam a cidade como se fossem muralhas de uma torre em ruínas. A rã dourada do Panamá – Atelopus zeteki – amarela e com manchas escuras, é endémica desta área. O batráquio é considerado um amuleto da sorte no país, e a sua imagem é impressa (ou pelo menos era) nos bilhetes da lotaria. Um riacho perto de El Valle foi batizado de Ribeiro das Mil Rãs. Caminhando pelas margens dava para ver uma quantidade enorme de rãs douradas apanhando sol nas suas margens. 


Segundo uma lenda pré-colombiana da região central do Panamá, a rã dourada traz boa sorte. Qualquer um que a veja ou consiga capturá-la terá um futuro feliz. Sua tez amarela brilhante, pintada com manchas cor de café, era uma fonte de alegria para tribos indígenas, pois acreditavam que, quando o anfíbio morria, seu pequeno corpo se transformava em ouro.

O problema ― até então ainda não considerado crítico ― foi notado inicialmente a oeste, próximo da fronteira do Panamá com a Costa Rica. Uma estudante americana de pós-graduação por acaso estava a pesquisar anuros na floresta tropical daquela área. 
Os anuros constituem uma ordem de animais pertencentes à classe Amphibia, que inclui sapos, rãs e pererecas. Ainda que se possam estabelecer algumas diferenças entre sapos e rãs, estas diferenças não são utilizadas pelos cientistas na sua classificação. O seu nome vem do grego, significando sem cauda. Ela voltou para os Estados Unidos por um tempo a fim de escrever a sua tese e, quando voltou a visitar El Valle, não encontrou mais nenhuma rã — nem qualquer tipo de anfíbio. Ela não fazia a mínima ideia do que se estava a passar. A calamidade se espalhou pela floresta tropical até que, em 2002, os batráquios nas montanhas e nos riachos em torno de Santa Fé, cerca de oitenta quilómetros a oeste de El Valle, desapareceram por completo. Em 2004, pequenas rãs mortas começaram a aparecer cada vez mais perto de El Valle, em volta da cidade de El Copé. Foi quando um grupo de biólogos, alguns panamianos e outros americanos, concluiu que a Rã Dourada do Panamá corria sérios riscos. Tentaram, então, preservar o que restava da população e removeram da floresta algumas dezenas de cada sexo para criá-las num abrigo. Contudo, o agente misterioso que estava matando aquelas rãs avançou mais rápido do que os biólogos temiam. Antes que pudessem pôr o seu plano em acção, foram surpreendidos. 

Os cientistas apressaram-se, para tentar salvar o máximo possível de animais, a arranjar uma espécie de um “hotel para rãs”, na verdade, uma pousada local que concordou em mantê-las dentro de tanques numa área de quartos reservados. “Com os biólogos à sua total disposição, as rãs desfrutaram acomodações de primeira classe, o que incluía serviços de limpeza e arrumação”, informava um repórter. O El Valle Amphibian Conservation Center está repleto de tanques, alguns alinhados ao longo das paredes, outros instalados no centro. Os tanques mais altos abrigam espécies como a Hylomantis lemur que vive nas copas das árvores da floresta, enquanto os mais pequenos servem para espécies como a rã Craugastor megacephalus, que vive no solo da floresta. Os tanques com Gastrotheca cornuta, que carregam os ovos numa espécie de bolsa, ficam ao lado de tanques com Hemiphractus fasciatus, espécie que carrega os seus ovos às costas. Algumas dezenas de tanques abrigam as Rãs Douradas do Panamá - Atelopus zeteki.

As Rãs Douradas do Panamá movem-se de uma maneira lenta lembrando um bêbado tentando andar em linha recta. Elas têm membros longos e magros, focinho pontudo e amarelo e olhos muito escuros, pelos quais parecem observar o mundo com cautela. Na floresta as fêmeas põem os ovos em águas rasas e correntes, e, enquanto isso, os machos defendem o seu território do alto de rochas cobertas de musgo. Neste Centro, cada tanque tem uma fonte de água corrente individual, de maneira que os animais possam se reproduzir perto de um simulacro dos riachos que já foram seu habitat.

O Centro de Conservação de Anfíbios de El Valle , apesar de se situar precisamente no centro do habitat natural das Rãs Douradas, está totalmente isolado do mundo exterior. Nada passa pelas portas sem ser desinfetado por completo — incluindo as rãs, que, para terem acesso, devem receber um tratamento com uma solução desinfectante. Os visitantes devem calçar sapatos especiais e deixar na entrada qualquer equipamento que tenham usado em campo. “Toda a água que entra nos tanques é filtrada e devidamente tratada. A natureza inviolável do lugar dá a impressão de se estar dentro de um submarino." 

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