quinta-feira, 11 de junho de 2020

O céu que nos protege – Paul Bowles




O Céu Que Nos Protege (The Sheltering Sky, 1949), é o primeiro grande romance de Paul Bowles. Foi escrito em grande parte no deserto, onde a ação se desenrola. Nele, como em toda a ficção, Bowles reflete sobre o absurdo do mundo moderno, onde a crueza, a corrupção e a irrupção do desejo surge a par da inocência de quem não compreende nem julga. Kit e Port são um casal que percorre o Sara: à medida que se adentram no deserto, arriscam-se continuamente e atraiçoam-se até a um ponto de não retorno, até à loucura ou à morte. Aqui, como em outras obras de Bowles, não há culpados; há uma hierarquia de valores, uma explicação do humano. 

O realizador, Bernardo Bertolucci passou-o a filme em 1990, que em Portugal passou com o título – Um Chá no Deserto. Debra Winger, John Malkovich e Campbell Scott fazem os papéis principais, com uma breve participação do próprio Bowles. É a história de uma viagem que um casal americano, Kit e Port, e um amigo chamado Tunner, fazem ao sul profundo de Marrocos. Bowles descreve magistralmente a dureza e a beleza do Sara, enquanto narra a ruína total das vidas dos protagonistas. Os perigos das paisagens da África do Norte, bem como os costumes de seu povo, uma lucidez de pequenos pesadelos, faz um alerta contundente acerca da debilidade e da insuficiência da nossa civilização. O terror e a beleza misturam-se, convidando os leitores a encarar o lado sombrio de tudo do que somos capazes de fazer. Alguns quiseram ver em Kit e Port, o casal protagonista, o mesmo Paul Bowles e Jane Auer. Mas é difícil fazer uma aproximação, vista de fora, à ambígua relação que Bowles e Jane Auer (posteriormente Jane Bowles) tiveram.  

Viajante permanente, acabando por se instalar em Tânger em 1952, foi, juntamente com Jane, um anfitrião de muita gente famosa americana, sobretudo aquela geração que ficou conhecida como "Geração Beat" - que entre muitos outros se mencionam  - William Bourroughs e Jack Kerouac, Truman Capote, Tennessee Williams, Gore Vidal. Jane Bowles morreu em 1973, em Málaga, onde tinha sido internada depois de sofrer uma embolia cerebral. Em seu redor, fervilhava um animado círculo criativo. Jane Bowles viajou e viveu um pouco por todo o mundo. A sua vida foi atormentada e marcada pela doença e a sua obra, escrita até aos trinta anos de idade, compõe-se apenas de uma novela, Two Serious Ladies, da peça teatral In the Summer House e de sete contos que foram publicados sob o título Plain Pleasures. 

Mas falando agora de Paul Bowles, ele nasceu em Nova Iorque em 1910. Bowles viajou até Marrocos, apenas com 21 anos, aconselhado pela escritora Gertrude Stein. Como também acontecera a Lawrence Durrell com a cidade de Alexandria, não tardou a ficar seduzido pelo obscuro magnetismo do Norte da África. Aventurou-se no Sara, e em outros lugares de Marrocos,  viagens que intercalava com viagens frequentes que fazia a Nova Iorque. Também se deslocava a Madrid para tratamentos médicos, ou para escutar a sua música em algumas apresentações. Era ao mesmo tempo um nómada de exteriores e de interiores na dupla aceção da palavra, uma mistura de realidade e imaginário. Bowles havia renunciado ao brilho da carreira literária e musical em Nova Iorque, para seguir um aforismo de Franz Kafka, um de seus escritores preferidos. “A partir de um certo ponto já não há possibilidade alguma de retorno. Esse é o ponto que é preciso alcançar”; ou "Uma pessoa está sempre a mudar e nunca chega a parte nenhuma. Mas chegar a algum lado não é necessário. Morrer sim. Tudo o que é inevitável é necessário" - são exemplos desses aforismos.

A atitude vital pela viagem tem paralelismo com as personagens que aparecem em seus romances e contos. Tema recorrente nas suas histórias, são esses viajantes ocidentais que se aprofundam muito numa sociedade que não conhecem; o périplo vai frequentemente acompanhado – como no vaso de Ulisses ou de Orfeu – de uma descida aos infernos. O fatalismo, a implacável imparcialidade da paisagem, de alguns territórios reais ou fictícios que Bowles desenha com precisão fotográfica, dão os rumos de uma viagem iniciática que corre em paralelo com a sua própria destruição.
“Quase todas as noites soam os tambores. Nunca me acordam; ouço-os e os incorporo no meu sonho como as chamadas noturnas dos almuadens. Mesmo quando no sonho esteja em Nova Iorque, o primeiro Allah akbari borra a tela de fundo para me levar ao que seja a África do Norte, e o sonho segue... Enquanto o turista geralmente volta depressa para casa ao fim de algumas semanas ou meses, o viajante, que não pertence a um lugar mais do que a outro, se locomove devagar ao longo de períodos e anos de uma parte da terra a outra”
Os escritos de Bowles operaram uma enorme sedução sobre várias décadas de leitores. Gore Vidal considerou-o um dos expoentes da ficção americana. 

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