sábado, 13 de junho de 2020

O que é isto?




Estava um velho veterano da Royal Air Force a olhar muito espantado para o sítio onde devia estar a estátua de Churchill, em Londres, quando, inesperadamente, alguém lhe deu uma palmada nas costas como forma de o cumprimentar. O velho veterano da Royal Air Force proferiu a frase: "O que é isto?" ao mesmo tempo que se virava instintivamente para trás para ver quem lhe batia nas costas.

Neste acontecimento gerou-se uma outra interrogação na mente de quem por perto ouviu aquelas palavras proferidas, alto e bom som, pelo velho veterano da Royal Air Force. Para aqueles que apenas ouviram a frase, mas não viram o rapaz dar o chapo nas costas do velho veterano da Royal Air Force, ficaram dentro do círculo hermenêutico da estátua de Churchill metida dentro de um caixote. Mas quem também viu o jovem dar o toque nas costas do velho veterano da Royal Air Force, e o viu instantaneamente virar-se para trás, entrou num outro círculo hermenêutico.

A nossa tarefa agora é pôr em marcha a discussão, e orientá-la  para um caminho, que obviamente é o caminho que nos conduz aos primórdios da linguagem, que é a fonte e o núcleo de todo o pensamento.

Como podemos desvendar o alvo da frase se não escutarmos atentamente o que veio até nós e de que fonte? Mas antes de indagarmos se a frase 'o que é isto?': era uma interjeição de indignação dirigida para um desconhecido que nos dá uma pancada nas costas sem nós estarmos a contar; ou se era uma expressão emocional de espanto perante a estranheza de ver a estátua de Churchill "confinada" a um paralelepípedo rectangular. 

Em primeiro lugar temos de perguntar: "O que é perguntar?" - O que é isto ou aquilo ou qualquer coisa - não é mais do que um movimento no seio da linguagem. O que implica, em segundo lugar, termos sempre de começar com uma definição. Para isso, em terceiro lugar, temos de ter lido Platão para sabermos que esse foi o método utilizado por Sócrates. E a partir daqui já ficamos a perceber que entramos num outro caminho, que é o caminho da Filosofia. O termo 'Filosofia' já está definido à partida, se soubermos que vai beber à fonte etimológica grega, façamos agora de conta que foi inventada por Sócrates:
A palavra filosofia resulta da união de dois termos gregos: filos (aquele que ama, que gosta de) e sofia (saber, sabedoria). A Filosofia é, portanto, “amor da sabedoria”, “gosto pelo saber”; o filósofo é aquele que procura a sabedoria, que ama o saber, que indaga a verdade das coisas. Analisando este significado etimológico de filosofia, encontraremos algumas características do modo como devemos filosofar.
No momento em que surge a palavra “filosofia”, os Gregos não parecem estar divididos sobre o que devia significar a sabedoria. A sabedoria era o atributo dos deuses. Pelo menos, de um certo número deles. Por exemplo, Atena, era a deusa que a simbolizava. A seus pés, os escultores representavam um mocho, ave sagrada, provavelmente porque via no escuro. A sabedoria era o dom de conhecer o desconhecido, o incompreensível e, principalmente, de prever o futuro, o destino. De acordo com a hierarquia mitológica, os deuses renunciavam a uma parcela da sua sabedoria em favor dos oráculos e de outros eleitos. A sabedoria, como todas as outras qualidades humanas, era um presente dos deuses.

Penso, com esta entrada na floresta da linguagem, com esta volta circular ao mundo da linguagem, chamada dialéctica, ter contribuído para a resposta a outra pergunta que nos dias de hoje se faz muito: "Para que serve a Filosofia?". É a linguagem que fala, não cada um de nós a título subjectivo. A maneira como ainda hoje levantamos as questões, como perguntar 'o que é isto', só o fazemos porque os Gregos de há dois mil e quinhentos anos o fizeram primeiro. E é toda a maneira de nós, os ocidentais, fazermos perguntas. Decorre daí. 

E é só se seguirmos esse caminho, a escrita de Platão que nos leva a Sócrates, que ficamos a compreender que todo 'o quê' posterior a Platão passa apenas por variações: seja a 'substância' aristotélica; seja a 'coisa em si' kantiana; seja a fenomenologia do 'espírito' hegeliano. Todos eles estão sempre a convocar-nos para a Ideia platónica, ou seja, a nascente grega, a fonte de onde veio a nossa linguagem veiculada por uma língua, herdeira mais directamente da língua latina, mas indirectamete também da língua grega. A nossa linguagem é uma "língua-pensamento" que muito deve ao pensamento dos filósofos gregos.

Sem comentários:

Enviar um comentário