- Com este Tomo 2 do Volume IV, fecha-se a tradução dos Livros Sapienciais do Antigo Testamento na sua forma grega, onde surpresas de vária ordem esperam quem já conheça o Antigo Testamento hebraico. O monumental livro de Salmos apresenta, relativamente ao saltério hebraico, diversas originalidades (assinaladas nas notas à tradução, que tomam também em linha de conta as duas versões latinas: a do Saltério Galicano, tesouro milenar da liturgia católica; e a da Vulgata).
- Seguem-se os raramente lidos Salmos de Salomão, que, não obstante o seu contexto judaico, constituem o prólogo mais imediato ao Novo Testamento que nos chegou da Antiguidade. Outra curiosidade é o livro de Odes, uma marca singular da Bíblia Grega que nem todos os manuscritos dos Septuaginta preservaram.
- O tomo encerra com o livro de Provérbios, um texto cuja surpreendente forma grega desafia ainda hoje a argúcia de filólogos e biblistas. [Do Editor – Quetzal]
Em termos literários, podemos colocar J no mesmo patamar que Shakespeare ou Homero. J é a figura Javeísta que os estudiosos bíblicos do século XIX chamaram à primeira autoria do que hoje é o Génesis, Êxodo e Números. Segundo eles, "J" – um homem, uma mulher, ou mais – terá vivido em Jerusalém no tempo de Salomão, tempo e corte com fama de ter sido lugar de alta cultura, e de uma grande sofisticação psicológica. Salomão era filho de David e de Betsabé, uma mulher hitita viúva de um tal Urias. Depois, ao longo de cinco séculos o texto terá sido revisto e reescrito várias vezes por vários autores até parar em Ezra, na altura do regresso do exílio na Babilónia.
A saga de J termina quando Javé enterra Moisés com as suas próprias mãos num túmulo não assinalado, depois de ter recusado ao chefe dos israelitas mais do que um rápido vislumbre da Terra Prometida. Javé é uma personagem literária. Em hebraico existem duas palavras para “terra": Eretz e Adamah. Eretz é a terra de Israel. Adamah é o chão de terra fértil da qual brota a vida, da qual é criado ADAM – nome coletivo para designar todos os homens e todas as mulheres. É esta humanidade adâmica que Deus transforma em ADON (senhor da criação). O resto pertence ao domínio da fábula.
Assim, a Bíblia, em termos genéricos, pode ter várias leituras, e ainda assim serem compatíveis com a possibilidade de um mundo real. Na questão da verdade literária a perspetiva conta. E nada disto tem a ver com a Relatividade. Dá-se como exemplo a seguinte metáfora – Dois amigos encontram-se a meio de uma rua com uma grande cota de inclinação. Um vinha a descer, e o outro ia a subir. O que ia a subir disse: eh pá, já estou cansado, esta rua sobe que se farta; ao que o outro respondeu: o que tu estás é fraquinho, porque a mim não me está a custar nada, é sempre a descer… Esta é a diferença entre a objetividade e a subjetividade. A subjetividade esconde geralmente uma confusão: pensar que a dificuldade de chegar a um consenso em relação a questões subjetivas resulta de nenhuma convicção ser genuinamente verdadeira, não ser suscetível de aplicação da verdade. Daí que tenha surgido a corrente do Relativismo para que as pessoas desistissem de procurar a verdade, tanto mais quando se concluiu pelo reconhecimento da falibilidade humana. Mas reconhecer a falibilidade humana não implica que se desista da procura da verdade.
A leitura de qualquer texto não pode deixar de ter em consideração alguns aspetos fundamentais, sob pena de não sermos capazes de perceber cabalmente a sua mensagem, ou, pior do que isso, pormos o texto a dizer aquilo que nunca quis dizer. Isto que é verdade para qualquer texto, no caso da Bíblia assume uma importância crucial. São mais que muitos os exemplos de leituras erradas e tendenciosas dos textos bíblicos. Qualquer texto nasce dentro de um ambiente próprio a que se dá o nome de contexto. Este espaço vital no qual o texto nasce, vive e é transmitido, começa por ter um autor, que pode ser uma ou mais pessoas em termos de comunidade. Depois há que atender a uma cultura determinada, e ao estilo literário utilizado. Um aspeto que é esquecido ou ignorado é que os antigos eruditos recorriam com frequência à alegoria para fazerem chegar a mensagem ao povo, ao simples, ao analfabeto, pois como é sabido, para além de um autor o texto tem de ter um destinatário. Quem escreve, escreve par alguém. Esse alguém é também determinante em relação não apenas ao conteúdo, mas também em relação à forma. Ora, o texto bíblico não foge a esta necessidade de contextualização, acrescido o problema da língua ou dialeto, que numa distância de três mil anos requer um cuidadoso exercício, não apenas de tradução, mas também exegético. É só quando tudo isto é percebido, é que se pode colocar uma religião no seu devido tempo histórico e enquadrada na sua própria idiossincrasia sociocultural.
Sem comentários:
Enviar um comentário