Keywords : Whistleblowers; Doyen; Rui Pinto; Football Leaks
Esta sexta-feira Rui Pinto vai sentar-se no banco dos réus para se submeter ao início do julgamento dos 90 crimes de que é acusado. A ponta do véu começou a ser conhecida em dezembro de 2016, por parte do Consórcio de Jornalistas EIC - European Investigative Collaborations - do qual faz parte entre outros o Der Spiegel e o Expresso, revelando conteúdos do projeto dado pelo nome de Football Leaks. Em dezembro de 2016 esse projeto divulgou os esquemas de ocultação de rendimentos de Cristiano Ronaldo e outras estrelas do futebol europeu, mas também os negócios da Doyen. Um ano antes, em setembro de 2015, já a Doyen tinha sido abalada pela difusão de um tal Football Leaks.
O processo em tribunal, de que Rui Pinto é acusado, nasceu com uma queixa-crime na Polícia Judiciária apresentada pela Doyen Sports Investments e por Nélio Lucas, gestor da Doyen, no início de outubro de 2015, depois de o gestor da Doyen ter sido contactado por um misterioso Artem Lobuzov, que então lhe sugeriu que as publicações sobre a empresa no blog Football Leaks poderiam parar mediante o pagamento de uma verba entre meio milhão e um milhão de euros. Desse encontro, gravado pela PJ, resultaria a convicção das autoridades de que o homem por trás da identidade Artem Lobuzov era afinal Rui Pinto, já que Aníbal Pinto referia conhecer o seu representado de um litígio ocorrido no ano anterior envolvendo um desvio de dinheiro de uma conta de um banco nas ilhas Caimão.
Rui Pinto diz que há três Doyens: Doyen Group; Doyen Capital; Doyen Sports – e que não há ligação entre elas. Isto é muito nebuloso, num mundo de negócios onde circula muito dinheiro metendo ao barulho jogadores de futebol e outros atletas, músicos e imobiliária, minérios e sabe-se lá que mais. E países como Turquia, Cazaquistão, Malta, Inglaterra e sabe-se lá que mais. É uma história que fala de uma tal família Arif metida em negócios financeiros de elevadas margens para além de representações futebolísticas na compra e venda de passes de jogadores e marketing desportivo. A Doyen Sports Investments Limited, foi criada em maio de 2011 em Malta, com o objetivo de adquirir percentagens dos direitos económicos dos futebolistas, aliviando as finanças dos clubes. O controlo dos direitos económicos dos jogadores por terceiros - TPO (“third party ownership”) - viria a ser proibido pela FIFA em 2015, mas vários fundos de investimento encontraram formas de contornar essa restrição, desenhando novos contratos e soluções de financiamento para resolver as dramáticas necessidades de liquidez de vários clubes europeus. Nos seus primeiros quatro anos a Doyen Sports Investments protagonizou alguns negócios relevantes no futebol em Portugal.
Em janeiro de 2018 a Doyen Marketing Limited (controlada pelo turco Malik Ali) entregou a londrina Doyen Global Limited a Timucin Kaan, que passou a controlar a empresa de marketing desportivo através de uma sociedade chamada Studholme Limited. E esse negócio em Londres trocou o nome Doyen por Kin Partners Ltd, embora mantendo no essencial as operações de agenciamento de desportistas e músicos. A empresa tem hoje duas dezenas de funcionários, mas trocou os escritórios que tinha no número 78 de New Oxford Street, no centro de Londres, por uma outra localização uns quarteirões acima. O que se segue é que Kin Partners (ex-Doyen Global Limited) acumulou prejuízos de 3,7 milhões de libras nos últimos três anos (o equivalente a 4,1 milhões de euros), período em que somou receitas de 14,4 milhões de libras (cerca de 16 milhões de euros). Em 2019, com uma faturação de 4,17 milhões de libras, a empresa teve um prejuízo de 1,8 milhões de libras, segundo as contas consultadas pelo Expresso.
Ora, esta pequena amostra de ponta de iceberg que acabei de descrever faz parte de uma galáxia de negócios no futebol de que a maior parte da gente dita comum desconhece. E que até à data nunca mereceu a atenção da elite política, vá-se lá saber porquê. Seja lá o que for, as notícias que têm vindo a lume nesta esfera da sociedade tem mostrado com grande clarividência que se trata de uma indústria cujos paradoxos capitalistas explicam por que é uma das mais corruptas e mais agressivas. Mas, ao mesmo tempo, a modalidade desportiva mais popular, e a que mais massas move, não apenas em termos capitalistas, mas também em "ópio do povo", em termos marxistas. É por assim dizer o paradoxo de excelência entre os paradoxos da espécie humana.
Tendo-se transformado no último refúgio das emoções de massas à escala global, os grandes craques do futebol são hoje os grandes heróis venerados pelo menos por todos aqueles que gravitam em torno dele, quer por pura paixão, quer por puro interesse profissional. Por se tratar de um catalisador de duas formas de identificação de grupo: uma a nível local; e outra a nível da seleção nacional, gera uma espécie de ambivalência esquizoide. Veja-se esses craques jogar pela seleção nacional contra a seleção do país do clube onde ele joga e ganha uma fortuna. Assim se veem a defrontar como adversários, contra colegas da mesma equipa. Em suma, o futebol deixou de ser um desporto de fair play para passar a ser um negócio agressivo entre clubes cuja fortaleza ainda se encontra no seio das maiores Democracias Europeias Liberais. Mas já há muito tempo. E de facto, o discurso político dos tempos que correm, que pode ser quase todo dito pelas palavras do Leviatã do grande Thomas Hobbes, é um discurso 'insignificante'. A palavra Democracia designa um modelo padrão de Estado de Direito, orientado por uma Constituição que garante os direitos civis e políticos dos cidadãos, e tudo o mais. Mas este não é o único significado de Democracia, nem é o original. E isto numa altura em que nas Democracias Liberais, feitas bem as contas, só uma minoria é que vota. A grande maioria do universo de eleitores está-se borrifando para a participação cívica nos atos eleitorais, em média de 4 em 4 anos, votando em consciência esclarecida. E assim se tem amolecido a Democracia, em que, na maior parte dos países votar em atos eleitorais não é obrigatório.
Voltando ao Football Leaks, trata-se da maior fuga de informação da história do desporto, reservada em sigilo de alta segurança, em que são reveladas transações financeiras "obscuras" no mundo do futebol profissional europeu, expondo os truques fiscais empregados por algumas das maiores estrelas do futebol do contimente europeu. E isto acontece agora, devido à astúcia, e por ventura poucos escrúpulos de jovens hackers. Inicialmente, o Football Leaks era um site que continha informações confidenciais sobre jogadores de futebol e clubes importantes. Rui Pinto, autor de Football Leaks, foi detido em Budapeste, a 16 de janeiro de 2019, a pedido das autoridades portuguesas por suspeita de tentativa de extorsão qualificada, violação de sigilo e acesso ilegal à informação. Ele foi extraditado para Portugal e começou por ser acusado de 147 crimes pelo Ministério Público. O site havia sido criado em setembro de 2015, apresentando informações sobre taxas de transferência, salários e contratos de jogadores famosos.
Em novembro de 2018, o Football Leaks revelou que havia conversas secretas sobre a criação de uma nova competição continental de clubes: a Superliga Europeia a começar em 2021. Em dezembro de 2016, Der Spiegel e outros parceiros da rede European Investigative Collaborations (EIC) tinham começado a publicar informação sobre evasão fiscal por parte de várias estrelas do futebol. Algumas das informações haviam sido recolhidas pelo Football Leaks. Em dezembro o El Mundo revelou um decreto judicial do juiz espanhol Arturo Zamarriego, que proibia a EIC de publicar informação sob investigação judicial, até que fosse concluída. Eram, portanto, fugas de informação que revelavam o controlo dos direitos económicos dos jogadores por terceiros - TPO (“third party ownership”), segundo o qual os direitos económicos de um jogador eram detidos em participações por investidores. De acordo com os documentos Football Leaks obtidos pela Der Spiegel, e compartilhados com o EIC, está implicada a alta esfera europeia mais poderosa, que envolve indivíduos, empresas internacionais, e até grandes bancos.
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