Toda a história começou com um comentário sobre uma matéria que tinha no seu título a expressão "pessoas que menstruam". A autora criticou o uso destes termos, dando a entender que seria "mulheres que menstruam". Porém, a matéria tinha como objetivo ser inclusiva, contemplando homens trans que nasceram com o sexo biológico feminino e, por isso, também menstruam. A partir de então, Rowling começou a justificar a sua posição, isto é, que não se pode negar o sexo biológico, porque ele seria determinante para a sua experiência. No Twitter, Rowling escreveu:
"Se sexo não é real, não existe atração entre pessoas do mesmo sexo. Se sexo não é real, a realidade vivida por mulheres ao redor do mundo é apagada. Conheço e amo pessoas trans, mas apagar o conceito de sexo remove a habilidade de muitos discutirem suas vidas de forma significativa. Não é ódio dizer a verdade. Respeito o direito de todas as pessoas trans viverem da maneira que lhes pareça autêntica e mais confortável. Acompanhar-vos-ia num protesto se vocês fossem discriminados por serem trans. É preciso ver que a minha vida foi moldada pelo facto de eu ser mulher. Não acredito que seja odioso dizer isso".
Daniel Radcliffe saiu em defesa da população trans depois dos comentários de Rowling. Qualquer afirmação que belisque a dignidade da população trans e vai ao arrepio de todos os conselhos dados por associações de profissionais de saúde, que sabem muito mais sobre o assunto, é evidente que precisamos fazer mais para apoiar as pessoas trans e não-binárias, e não invalidar as suas identidades.
O ator, aconselha, no entanto, aos fãs do Harry Potter, que se sentiram atacados pelos comentários de Rowling, que uma coisa não tem nada a ver com a outra: "que isso não comprometa o seu envolvimento com a saga Harry Potter. Se você encontrou algo nessas histórias que ressoou algo em suas vidas, isso é entre você e o livro. Isso é sagrado. Na minha opinião, ninguém pode interferir nisso".
Dias depois de Radcliffe se manifestar, Rowling usou o seu blogue para esclarecer a sua posição. No entanto, a emenda foi pior que o soneto. A autora explicou que já há anos pesquisa sobre sexo e identidade de género, mas que apenas se manifestou publicamente sobre o assunto, pelo facto de Maya Forstater, do Centro de Desenvolvimento Global, ter sido despedida. A razão para a saída de Forstater foram as suas afirmações: "que as pessoas não podem alterar o seu sexo biológico, uma visão que Rowling apoia. A escritora, depois de ter sido alvo de ameaças de violência, decidiu não ir às redes sociais por um tempo. Quando voltou para falar sobre ilustrações de um livro infantil, os comentários de ativistas trans ressurgiram, apelidando-a de TERF. TERF é um acrónimo em inglês para Feministas Radicais Trans Excludentes. Este é um termo que Rowling disse não gostar porque, segundo ela, intimida instituições e organizações que não têm o mesmo ponto de vista que os ativistas trans. Ela não se revê na classificação de feminista radical.
Rowling, então, enumerou os motivos pelos quais se sente preocupada com o ativismo trans, achando necessário posicionar-se em prol da liberdade de expressão. Para ela, essa vontade dos jovens passarem por cirurgias e terapias hormonais é que constituem uma violação da dignidade humana. E augura como algo de bom, o facto de os adolescentes superarem a sua disforia de género na ordem os 60 a 90 por cento. E Rowling deixou bem claro que não se vai vergar aos ativistas trans. Por fim, Rowling pede que os leitores tenham empatia pelas mulheres que, como ela, só querem ser ouvidas sem serem alvo de abuso e ameaças.
Também como seria de esperar, então em Hollywood, muitas celebridades cis, como Sarah Paulson e Jonathan Van Ness, criticaram a postura da escritora, e, é claro, atores e atrizes trans não deixaram os seus créditos por mãos alheias: "É realmente importante a gente distanciar de pessoas assim. Elas claramente estão presas numa lacuna geracional para entender algo. Estamos numa época diferente".
O mais surpreendente foi o facto de parte da equipa de funcionários da Editora Hachette, responsável pela publicação do livro infantil de Rowling - "O Ickabog", se terem recusado a continuar a trabalhar na obra devido às opiniões da escritora. E a Editora responde assim: "Nós acreditamos que todos têm o direito de expressar livremente as suas crenças e pensamentos. Por isso não comentamos as visões pessoais de nossos autores e respeitamos o direito de nossos funcionários expressarem o seu ponto de vista". A Editora disse também que jamais obrigaria os seus funcionários a trabalharem num livro que lhes possa causar incómodo. Mas que há uma diferença entre isso e se recusar a trabalhar por discordar da opinião de um escritor.
J.K. Rowling devolve Prémio Humanitário após acusação de transfobia.
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