segunda-feira, 7 de setembro de 2020
Ainda está aceso o debate em relação ao caso das Aulas de Cidadania.
É do conhecimento geral que em relação a alguns valores, não a todos, não existe consenso entre direita e esquerda. Por exemplo, não existe consenso em relação ao aborto, ou em relação ao casamento e adoção por parte de pessoas do mesmo sexo. Mas não há discordância quanto à escravatura, homicídio e de um modo geral em relação à Carta dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Bem, a falta de consenso é mais pertinente em relação àquilo que é difícil de provar objetivamente. Por exemplo, não há uma maneira objetiva de dirimir discordâncias em relação ao casamento entre homossexuais. Por outro lado, a corrente filosófica conhecida por ‘Relativismo’, defende que os juízos de valor são relativos às sociedades.
Saber é poder. Este é o ponto em que começa a imparável politização do pensamento. O drama político e moral do século XX, que se gerou na competição entre a consciência cínico-defensiva da direita que detinha o poder, e o cinismo utópico-ofensivo da nova esquerda, gerou uma concorrência de consciências cívicas em relação à Verdade. Daí resultou neste século XXI a pantomina de paródia característica destes tempos, em que o mentiroso chama mentiroso ao mentiroso. Todos mentem.
Temem-se catástrofes, e novos valores têm grande procura, como as vacinas. Nesta "húbris altermundialista" temos de estar preparados para tudo: desde o eterno retorno do mesmo, ao pensamento mais subversivo. Neste sobressalto anti-racionalista sentido nos países do Ocidente, os educadores das escolas institucionalizadas pelo Estado, embora de boa fé pequeno-burguesa, sentiram necessidade de afirmar que os filhos dos outros deviam aprender qualquer coisa que lhes viesse a fazer bem no futuro, a fim de melhorar a sua situação. Quem recusar o saber e o poder, então é porque já não quer ser cidadão desta civilização. Inúmeros são os jovens que não acreditam que o quer que seja que possam aprender agora sirva de alguma coisa para mais tarde melhorarem a sua situação. Muitos pensam que a socialização que está a ser dada pelos currículos escolares no nosso país, só os embrutece, porque não lhes dá nenhuma perspetiva de que as coisas vão melhorar. É isso que é temeroso para os conservadores, que os há tanto à direita como à esquerda. Recordo que a direita e a esquerda é como num campo de futebol. Os que jogam do lado esquerdo na primeira parte, jogam do lado direito na segunda. O que determina o resultado é a bola ao centro, e não no fundo da baliza de um lado ou de outro. Esta é a metáfora que deve ser seguida neste tempo de incerteza, que na aposta, quanto ao desfecho, temos de gastar a tripla: 1x2. De uma coisa os jovens estão certos: foi a aprendizagem de ontem que gerou os problemas de hoje. E sendo assim, não querem aprender hoje para serem eles os geradores dos problemas de amanhã.
A vida humana move-se a priori numa artificialidade natural. A civilização desnaturalizou o ser humano. Rousseau foi o filósofo que alegou que o lado mau do ser humano provinha da socialização. Nada provava a sua natureza. E daqui se desenvolveu a teoria da vítima inocente. A recusa do pessimismo político no que toca à natureza humana.
Depois de se terem conhecido os bons selvagens do Pacífico, o europeu passou a conhecer o Outro, muito melhor que o europeu com os seus sistemas sociais. A criança era o bom selvagem a educar como deveria ser. Hoje podemos dizer que o bom selvagem era uma utopia na cabeça de Rousseau. Foi o que viu Heinrich Heine: o artifício da desculpa, a técnica da chantagem , a falsa "vítima crónica". Num sentido mais amplo fazem parte da camuflagem os perdedores azarados e medíocres, vítimas da sociedade que os discrimina. Nenhum racionalismo tem o direito de tocar no sono do mundo, se esse sono se assemelhar a uma infelicidade não desejada.
Que fazer então? É o que perguntam os jovens atravessando as dunas. Viver? Ter filhos aos 40? Armados destas perguntas pouco humanísticas, vão saber o que a Segurança Social lhes pode garantir. Pela primeira vez, pessoas jovens bem-educadas, bom nível socioeconómico, declaram publicamente não querer ter filhos. O último golpe de misericórdia dado ao despovoamento ocidental.
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