quarta-feira, 2 de outubro de 2024

A Nova Ordem Mundial


A "Nova Ordem Mundial" apesar de o conceito já ter alguns séculos de existência, volta a estar na ordem do dia com as guerras em curso na Ucrânia e na Palestina. Não é apenas um assunto para entreter os adeptos das teorias da conspiração. Como é sabido, desde o fim da União Soviética e da Guerra Fria, cujo estrondo foi simbolizado com a Queda do Muro de Berlim, os Estados Unidos da América passaram a ser a única potência detentora do título de império, polícia do mundo ou única superpotência. Mas tudo indica que tal estatuto não poderá durar por muito mais tempo. Como vai ser a "Nova Ordem Mundial", ainda está muita coisa em aberto.

A ideia, geralmente, refere-se a uma mudança significativa na estrutura de poder global, onde as nações, instituições internacionais ou elites financeiras assumem maior controlo sobre os assuntos mundiais. Contudo, é importante diferenciar entre as várias interpretações da realidade. No final da Guerra Fria, o termo "Nova Ordem Mundial" foi popularizado por líderes como George H.W. Bush, referindo-se a uma nova era de cooperação internacional e de paz, onde instituições como a ONU desempenhariam papéis mais fortes na prevenção de conflitos globais. Em círculos de teorias da conspiração, a "Nova Ordem Mundial" é frequentemente retratada como um plano sinistro para estabelecer um governo global totalitário, controlado por uma pequena elite, que visa eliminar as soberanias nacionais e restringir liberdades individuais.

A China emergiu como uma superpotência global, desafiando a hegemonia dos EUA. Este equilíbrio de poder em mudança é frequentemente mencionado em discussões sobre a "Nova Ordem Mundial". O avanço da tecnologia e a interconexão global têm levado a uma reorganização das estruturas de poder, onde empresas multinacionais e grandes conglomerados tecnológicos possuem uma influência significativa. Ao invés de um mundo unipolar ou bipolar (como durante a Guerra Fria), estamos a assistir a uma ordem mundial multipolar, com diferentes centros de poder (EUA, China, União Europeia, Rússia, Índia, entre outros).

Muitas das teorias são baseadas em desinformação ou medo, e é essencial ter uma abordagem crítica e informada sobre o tema. As dinâmicas geopolíticas e económicas são complexas e não se reduzem a uma conspiração global. A "Nova Ordem Mundial" é um termo carregado, que pode ter significados diferentes dependendo do contexto. No entanto, a ideia de que existe um plano coordenado por uma elite global para controlar o mundo é amplamente considerada uma teoria da conspiração sem fundamento.

A invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 é, de facto, um evento que pode ser visto no contexto de um realinhamento geopolítico global. Esta ação militar é uma manifestação clara das tensões crescentes entre grandes potências e reflete mudanças significativas na ordem mundial que têm vindo a ocorrer ao longo das últimas décadas. Desde o colapso da União Soviética, a Rússia tem tentado recuperar o seu estatuto de grande potência e resistir à influência ocidental, especialmente dos EUA e da NATO, na Europa de Leste. A expansão da NATO para leste é vista pela Rússia como uma ameaça direta à sua segurança, o que contribuiu para a sua decisão de invadir a Ucrânia.

O mundo está a tornar-se cada vez mais multipolar, com o poder global a distribuir-se entre várias potências, como os EUA, China, Rússia e a União Europeia. A invasão da Ucrânia é, em parte, uma tentativa da Rússia de reafirmar o seu lugar neste novo equilíbrio de poder, desafiando a influência ocidental. A invasão representa um desafio direto à ordem internacional estabelecida após a Segunda Guerra Mundial, baseada em normas e instituições que promovem a resolução pacífica de conflitos e a integridade territorial dos Estados. A Rússia, ao violar essas normas, está a desafiar essa ordem, o que contribui para um realinhamento geopolítico. A invasão levou a um aumento da coesão entre os membros da NATO, com países como a Finlândia e a Suécia a solicitar a adesão à aliança. Isto representa uma mudança significativa na segurança europeia e global.

Enquanto alguns países, especialmente na Europa e na América do Norte, alinharam-se firmemente contra a Rússia, outros, como a China e a Índia, mantêm uma postura mais neutra ou até de apoio implícito à Rússia. Este facto sublinha o crescente afastamento entre blocos geopolíticos. As sanções impostas à Rússia e a disrupção nos mercados de energia e alimentos devido à guerra tiveram efeitos globais, acelerando debates sobre a necessidade de diversificação económica e independência energética em várias regiões do mundo. A relação entre a Rússia e a China fortaleceu-se à medida que ambos os países se posicionam como contrapesos à influência ocidental. Esta parceria é um componente chave no realinhamento geopolítico global, sugerindo a possibilidade de uma aliança mais estreita entre potências que desafiam a hegemonia ocidental.

A invasão da Ucrânia é um marco importante no atual realinhamento geopolítico. Embora não seja diretamente a "Nova Ordem Mundial" de que algumas teorias da conspiração falam, é, sem dúvida, parte de uma mudança significativa na estrutura de poder global. Este conflito reflete a transição para um mundo onde a competição entre grandes potências e a fragmentação da ordem internacional são mais pronunciadas. A Rússia tem procurado expandir a sua influência global através da sua participação nos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), um grupo de economias emergentes que têm ganhado relevância como uma plataforma alternativa ao poder ocidental. Este alargamento da influência russa, especialmente no conceito do "Sul Global", está intimamente ligado ao desejo de Moscovo de desafiar a hegemonia dos EUA e das instituições ocidentais na governação global.

Os BRICS foram criados como uma resposta ao domínio das potências ocidentais nas instituições financeiras e políticas internacionais, como o FMI e o Banco Mundial. Os países membros, incluindo a Rússia, veem os BRICS como uma plataforma para promover uma ordem mundial mais multipolar. Os BRICS têm trabalhado para estabelecer mecanismos de cooperação que permitam maior independência em relação ao Ocidente. Isto inclui o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que fornece financiamento para projetos de desenvolvimento sem as condições frequentemente associadas aos empréstimos do FMI. Através dos BRICS, a Rússia e os outros membros têm procurado construir laços mais fortes com países do Sul Global (África, América Latina, Ásia e Médio Oriente), promovendo a ideia de uma governação global mais inclusiva, onde as vozes do Sul Global sejam mais representadas.

A Rússia tem usado a sua posição como um dos maiores exportadores de energia do mundo para fortalecer laços com países do Sul Global. Isto inclui acordos para o fornecimento de petróleo e gás, bem como colaborações no desenvolvimento de infraestrutura energética. A Rússia também expandiu a sua influência através de acordos de defesa e venda de armas a vários países do Sul Global. Estas parcerias não só ajudam a Rússia a manter a sua indústria de defesa, mas também criam laços estratégicos duradouros com estes países. A Rússia tem buscado apoio político em fóruns internacionais de países do Sul Global, apresentando-se como um aliado na luta contra o que chama de "imperialismo ocidental". Isto é evidente na forma como alguns países do Sul Global têm adotado posturas mais neutras ou de apoio à Rússia em contextos como a ONU, em relação à guerra na Ucrânia. Em 2023, os BRICS anunciaram a sua intenção de expandir, com a inclusão de novos membros como a Arábia Saudita, Irão, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Egito e Etiópia. Esta expansão é um sinal claro da crescente influência do grupo no Sul Global e da sua ambição de desempenhar um papel mais significativo na governação global.

A União Europeia (UE) enfrenta um cenário complexo e potencialmente desafiante no atual contexto geopolítico, especialmente considerando as dinâmicas globais envolvendo os Estados Unidos, a Rússia, a China e o Sul Global. A possibilidade de os EUA concentrarem mais esforços na região do Pacífico, devido à ascensão da China como potência global, pode colocar a UE numa posição vulnerável, exigindo maior autonomia estratégica e reforço das suas capacidades. Historicamente, a UE tem dependido fortemente dos EUA para a sua segurança, sobretudo através da NATO. Se os EUA tiverem de redirecionar recursos militares e diplomáticos para o Pacífico, a Europa pode enfrentar lacunas significativas na sua capacidade de defesa, especialmente no flanco oriental, onde a ameaça russa permanece significativa.

A guerra na Ucrânia e as sanções contra a Rússia têm exacerbado os desafios económicos e energéticos na Europa. A UE tem enfrentado uma crise energética devido à sua dependência anterior do gás russo, o que aumenta a pressão para encontrar fontes de energia alternativas e mais seguras. Além disso, a necessidade de responder a uma economia global em transformação pode colocar a Europa em competição direta com potências emergentes e economias do Sul Global. À medida que os EUA se concentram no Indo-Pacífico para conter a ascensão da China, a UE pode ver-se num dilema estratégico, dado o seu papel como parceiro comercial significativo da China. A crescente influência chinesa no Pacífico pode afetar as cadeias de fornecimento globais e as rotas comerciais das quais a UE depende, especialmente em sectores tecnológicos e industriais. A situação atual pressiona a UE a desenvolver uma maior autonomia estratégica, tanto na defesa como na política externa. No entanto, alcançar essa autonomia não será fácil devido à diversidade de interesses e capacidades militares entre os estados-membros. A criação de uma defesa europeia mais integrada e eficiente é um desafio complexo, mas cada vez mais necessário.

Por conseguinte, a UE pode usar esta situação como uma oportunidade para fortalecer a sua coesão interna e aprofundar a integração em áreas críticas, como a defesa comum, a política energética e a inovação tecnológica. Projetos como a PESCO (Cooperação Estruturada Permanente) são passos na direção certa, mas necessitam de maior compromisso e investimento dos estados-membros. Com os EUA a focarem-se no Pacífico, a UE pode precisar de diversificar as suas alianças e parcerias globais. Isto pode incluir o fortalecimento dos laços com potências médias, como o Japão, a Índia, e a Austrália, bem como uma reavaliação das suas relações com o Sul Global, especialmente na África e na América Latina. A UE tem liderado iniciativas em sustentabilidade e transição digital. Estes esforços não só podem fortalecer a sua posição global, mas também reduzir a dependência de fontes de energia e tecnologias externas, tornando a Europa mais resiliente a choques externos.

O potencial redirecionamento do foco estratégico dos EUA para o Pacífico coloca a UE perante um desafio significativo, onde a necessidade de maior autonomia estratégica e resiliência se torna crucial. A Europa deve adaptar-se rapidamente a um mundo multipolar em mudança, onde a sua capacidade de resposta a ameaças tanto internas como externas, bem como a sua habilidade para se afirmar como um ator global independente, será testada. O fortalecimento da cooperação interna, a diversificação das parcerias globais e o investimento em setores críticos são passos essenciais para mitigar os riscos e capitalizar sobre as oportunidades que este cenário global oferece.

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